Bolsonaro busca apoio no Centrão após ver frustrado o alinhamento automático de blocos parlamentares, como o do agronegócio, com o governo.| Foto: José Cruz/Agência Brasil
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O presidente Jair Bolsonaro negocia abertamente com partidos do Centrão em busca de apoio político no Congresso. O governo vê a necessidade de construir uma base aliada consistente e o diálogo com a "velha política" prova que a estratégia inicial de interlocução do Palácio do Planalto com deputados e senadores fracassou.

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A intenção era arregimentar a simpatia de blocos parlamentares e conquistar políticos de diferentes partidos para formar uma base que garantisse a governabilidade. Bolsonaro foi eleito prometendo acabar com o “toma-lá-dá-cá” que caracterizou o presidencialismo de coalizão nos últimos 30 anos e instaurar uma "nova política".

Um ano e cinco meses depois da posse, a articulação governista falhou e agora o Planalto depende do apoio de quem rechaçava. O governo oferta cargos a partidos como PP, PSD, PL, Republicanos, entre outros, em troca de apoio para enfraquecer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e afastar qualquer risco de impeachment.

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Mas o que causou o fracasso da estratégia de negociar com blocos parlamentares, que acabou isolando o governo Bolsonaro no Legislativo?

Crise no partido que elegeu Bolsonaro

Quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência, a única base governista que tinha de fato era o PSL. A expectativa era de que o Palácio do Planalto e membros do partido trabalhassem para garantir um apoio mais sólido no Congresso. Na visão do governo, a forma mais eficiente seria conseguir o apoio de frentes parlamentares, os blocos de representação suprapartidária que atuam como bancada a partir de interesses comuns e sob uma única liderança. Exemplos: as bancadas do agronegócio e da segurança pública.

"Novo rico", o PSL apresentou rachaduras desde o início, com brigas internas e pelo reconhecimento do presidente. A crise na sigla causou um racha que dividiu a bancada no Legislativo e culminou com a saída de Bolsonaro, que segue sem partido até hoje, apesar da tentativa de formalizar o Aliança pelo Brasil.

A incapacidade dos parlamentares bolsonaristas em construir elos com outros partidos se deve muito ao discurso da “nova política”. A falta de diálogo ficou evidente durante a votação da reforma da Previdência. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ficou conhecido durante o processo de aprovação dos projetos do governo como “fiador” da reforma na aposentadoria. Na época, ele chegou a pedir que o Planalto se organizasse para melhorar a articulação e garantir uma votação mais tranquila.

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Ao deixar o PSL, na prática, o presidente acabou isolado e viu o fortalecimento do Legislativo, que dita sua própria agenda e não dá prosseguimento às propostas vindas do Planalto.

Acenos ao Centrão e sobrevivência política

A negociação com o Centrão não garante que todos os deputados ficarão ao lado do governo. O bloco formado por 261 parlamentares é heterogêneo e causas comuns que os unem não necessariamente refletem em apoio incondicional ao governo. Mas esse número seria mais do que suficiente para evitar a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro, por exemplo. O que mostra a força do bloco, e a falha na articulação do governo desde o início.

"Bolsonaro planejou fazer um governo de direita, mas ele não consegue se sustentar se não compor com outras forças. Como a esquerda nunca vai se unir a ele, por sobrevivência política nós podemos esperar realmente essa aproximação entre ele e o Centrão. Também não vejo PSDB e MDB afinados com o governo Bolsonaro. Então o presidente acaba tendo que recorrer ao varejo dos pequenos partidos para manter estabilidade do governo", avalia o analista Vinicius Guilherme Rodrigues Vieira, professor da FAAP e da FGV.

A composição do Centrão não é uma "ciência exata" — quem está dentro não admite e quem está fora quer entrar. O fato é que PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros e Avante se comportam como um bloco só na Câmara dos Deputados. A eles se somam outros dois partidos: Republicanos e PSC.

O grupo é liderado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), que recentemente foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Lira chegou a gravar um vídeo-selfie com o presidente, que mandou um abraços para familiares do cacique progressista. Curiosamente, há mais de um ano Lira já chamava atenção nas redes sociais sobre a necessidade de diálogo entre governo e parlamentares.

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Vieira ressalta que o Centrão é algo que "está no DNA da política brasileira" e que o grupo tem legitimidade porque seus representantes foram eleitos com o voto dos brasileiros. Mas ele questiona o efeito que as nomeações de indicados pelo bloco podem causar ao governo: "há distribuição de cargos no Ministério da Infraestrutura, logo um dos setores mais bem-sucedidos do governo, onde o ministro Tarcísio Gomes de Freitas tem feito um bom trabalho".

O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) afirma que a articulação está "dentro da regra do jogo" e a aproximação e o diálogo fazem parte do presidencialismo de coalizão. "Não vejo nenhum prejuízo, mas também não vejo nenhuma vantagem para os partidos em fazer essas indicações, porque essas pessoas certamente ficarão lá isoladas, cercadas de militares e vigiadas como já aconteceu anteriormente", ressaltou ele, sobre a oferta de cargos feita pelo governo para garantir a base. Barros foi ministro da Saúde no governo Michel Temer graças a uma indicação do seu partido e do Centrão.

Mesmo com o Centrão consolidado, o deputado afirma que a tendência para as próximas eleições é que haja uma divisão. Ele argumenta que Rodrigo Maia é "pró-Doria" e o DEM deve apoiar o governador de São Paulo em 2022. Uma provável aliança com o PSDB deve isolar o DEM dentro do bloco. Segundo Barros, os demais partidos “estão no barco” da reeleição de Bolsonaro.

Sobre o apoio dos novos partidos à pauta governista, o deputado do PP-PR afirma que nem tudo será encampado pelo Centrão. A pauta conservadora de Bolsonaro, por exemplo, não deve conquistar muitos defensores por causa das grandes diferenças de pensamento existentes dentro do bloco. "A pauta conservadora não evolui e não me parece que está sendo objeto dessa articulação. Eu não acho que vai mudar grande coisa, é muita espuma para pouca cerveja”, pontua Barros.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]