Nunca na história da política brasileira tantas mulheres ocuparam uma cadeira na Câmara Federal: a atual legislatura tem 76 deputadas federais. A ascensão do bolsonarismo, que decidiu as eleições de 2018, interferiu também na formação da bancada feminina. O PSL, antiga legenda de Jair Bolsonaro e que abriga ainda a maior parte dos aliados do presidente, é o partido com mais mulheres no exercício do mandato: são dez deputadas, número igual ao do PT.
Porém, mesmo com essa representatividade, as vozes femininas na Câmara ainda são mais ligadas a bandeiras ideológicas e menos a articulações políticas internas, como as protagonizadas pelo Centrão. O bloco parlamentar composto agora por sete partidos — MDB e DEM anunciaram suas saídas na última semana — segue sendo um espaço predominantemente masculino.
As mulheres têm pouco poder de decisão e influência nas bancadas dos partidos de centro. Prova disso é que nenhuma legenda deste espectro é liderada por uma deputada. São apenas duas as líderes partidárias atualmente na Câmara, ambas em siglas de esquerda: Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Perpétua Almeida (PCdoB-SP).
A deputada Joice Hasselmann (SP) foi um raro caso de protagonismo nessa legislatura. Ela foi líder do PSL e também líder do governo no Congresso, mas perdeu os cargos após entrar em rota de colisão com o presidente Bolsonaro.
Outro exemplo: não há parlamentares mulheres entre os nomes cotados pelo Centrão para concorrer à presidência da Câmara — a eleição acontece só em fevereiro de 2021, mas as articulações nos bastidores já estão a todo vapor. O favoritismo gira em torno de nomes como Arthur Lira (PP-AL), Baleia Rossi (MDB-SP), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Capitão Augusto (PL-SP). Tanto Câmara quanto Senado nunca foram presididos por uma mulher.
Machismo está muito presente na política e no Centrão não é diferente
Deputada em quinto mandato, Alice Portugal (PCdoB-BA) avalia que a presença menor de mulheres entre as figuras do Centrão pode se explicar por um componente histórico: "é óbvio que os partidos de direita e centro não têm uma tradição de mulheres, não têm essa perspectiva da participação feminina".
Já a deputada Daniela do Waguinho (MDB-RJ), que está em seu primeiro mandato e integra um partido de centro, vê a presença maior de mulheres em legendas de direita e esquerda como reflexo da disputa ideológica que marcou o cenário nacional nos últimos anos. "Acredito que ainda estamos vivendo uma época de polarização que foi reflexo da disputa eleitoral em 2018. Essa polarização parece que atrai mais", disse.
A emedebista, no entanto, aponta que, além do contexto da polarização, o machismo se faz presente de modo decisivo na política, e é mais forte na atuação do Centrão. "Precisamos destacar que o machismo ainda existe e é mais evidente nessas negociações. Mas acredito que as mulheres têm buscado e alcançado um destaque", ressaltou.
Tanto Portugal quanto Daniela citaram a deputada Dorinha Seabra (DEM-TO) como uma referência de participação feminina na Câmara. A parlamentar do Tocantins é a coordenadora da bancada feminina e se destacou como relatora da PEC do Fundeb, aprovada recentemente. "A deputada professora Dorinha fez um brilhante trabalho", disse Daniela.
Baixa influência feminina é um espelho da sociedade
A assessora política Carmela Zigoni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), avalia que a presença menor de mulheres no Centrão se explica em parte por conta de estruturas partidárias "machistas e elitistas". "Os partidos políticos estão dentro da sociedade, então acabam refletindo o machismo da sociedade", disse.
Carmela acrescenta que o panorama interno dos partidos se reflete na Câmara. "É um local ainda muito masculino, em que a maior parte dos funcionários são homens, os espaços de poder são ocupados por homens. E novamente vemos um ambiente que reflete o que se dá na sociedade", afirmou.
A Câmara teve apenas quatro de suas 25 comissões permanentes presididas por mulheres em 2019. A de Cultura, com Benedita da Silva (PT-RJ); a de Trabalho, de Administração e Serviço Público, com Professora Marcivania (PCdoB-AC); a dos Direitos da Mulher, com Luiza Canziani (PTB-PR); e a dos Direitos da Pessoa Idosa, com Lídice da Mata (PSB-BA).
Para a analista política, uma política afirmativa que a Câmara poderia considerar seria a implementação de cotas para mulheres na mesa diretora. Hoje, apenas um dos sete principais cargos da Câmara é ocupado por uma deputada: a primeira-secretaria, com Soraya Santos (PL-RJ).
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