A maioria dos pré-candidatos do PT e do PL nas eleições municipais buscará angariar votos se espelhando na acirrada disputa nacional entre os seus principais líderes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu antecessor Jair Bolsonaro (PL). A crescente importância da polarização política nas disputas pelas prefeituras e câmaras municipais desafia analistas e políticos, que têm opiniões divergentes sobre a eficácia dos discursos centrados no embate ideológico para conquistar eleitores. Fora isso, a tendência continua sendo a repetição dos resultados eleitorais anteriores, de domínio histórico dos partidos de centro, como PSD, PP, MDB e União Brasil, no balanço geral.
A tradição sugere que a disputa municipal costuma ser menos influenciada pelo confronto entre esquerda e direita verificado no nível nacional e mais por fatores locais, o que, em tese, favorece partidos do Centrão. Há agora, contudo, a percepção de que a polarização pode fazer com que partidos mais bem-sucedidos em eleições majoritárias para governador, senador e presidente, como PT e, sobretudo, PL, consigam obter inédito protagonismo em disputas locais. Isso se deve também à perspectiva de concentração do panorama partidário em cada vez menos legendas, tornando a batalha nas urnas deste ano uma etapa prévia e estratégica para os alvos perseguidos em 2026.
Segundo o cientista político Ismael Almeida, é válido contestar a tese de um “arrastão eleitoral” do Centrão, considerando especialmente a corrida eleitoral deste ano como fortemente influenciada pela polarização nacional. Ele observa que, apesar da crença de muitos de que o pragmatismo prevalecerá novamente nos pleitos municipais, a nova tendência tem sido identificada em diversas pesquisas de intenção de voto.
Almeida destaca que houve significativa mobilização dos partidos por filiações, lançamento de candidaturas e consolidação de bases eleitorais. Para ele, isso também indica que não é mais possível que as legendas escapem dessa realidade polarizada. Ele cita exemplos, como a candidatura à reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), como evidência dessa onda, sobretudo capitais e nos grandes municípios. Nunes avançou nas pesquisas eleitorais e empatou com o candidato da esquerda, Guilherme Boulos (PSol), logo após o PL, de Bolsonaro, confirmar desistência de lançar candidato próprio.
Centrão conta com máquina partidária e capilaridade no país
Outros analistas sugerem que, apesar do alarde causado pela polarização no noticiário, o Centrão tem vantagens decisivas ao seu favor. Isso inclui a influência das estruturas partidárias, a presença nacional bem estabelecida e, principalmente, a adaptabilidade pragmática de seu discurso às situações locais da disputa. Há uma crescente mobilização por meio de redes sociais e grupos de mensagens para identificar a orientação política dos candidatos.
Para o consultor político Paulo Kramer, a questão do chamado “vetor do voto” é um dos maiores desafios para os pesquisadores. “Veja, por exemplo, o problema da (in)segurança pública numa cidade como o Rio de Janeiro: o candidato pode ter o melhor projeto para a área, mas, como o cidadão carioca já perdeu há muito tempo a esperança de ver o problema resolvido, não é isso que o faz escolher essa candidatura. O eleitor vota em candidato que lhe parece ter plano viável para resolver problemas concretos. Apesar disso, a segurança pública não é uma responsabilidade dos municípios, e fica a cargo dos estados e da União.
Nesse contexto, o PSD, liderado nacionalmente por Gilberto Kassab, tem, por exemplo, a capacidade de apresentar candidatos alinhados tanto com Lula quanto com Bolsonaro, aproveitando tanto o pragmatismo quanto a polarização em benefício do partido como um todo. Os críticos dessa visão ponderam que boa parte do crescimento dos partidos nos estados tem se orientado pelo governador ou por outras figuras influentes, caso de Kassab em São Paulo, como secretário de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
No cenário polarizado de 2020, partidos como PSD, PP, União Brasil, MDB e PSDB saíram à frente, conquistando 3.166 prefeituras, 57% do total de 5.570 no país. Enquanto isso, partidos de esquerda como PDT, PSB, PT e PCdoB viram sua influência diminuir em comparação com 2016.
O PSD emergiu como o líder, fazendo 968 prefeitos, tendo inclusive atraído uma quantidade significativa de filiações de prefeitos anteriormente ligados ao PSDB em São Paulo. Em seguida vem o MDB (838), seguido por PP (712), União Brasil (564) e PSDB (345). PT e PL ficaram, respectivamente, com 227 e 371.
O cientista político Antônio Lavareda, especialista em pesquisas eleitorais, prevê que a tendência de domínio dos partidos de centro persistirá, com "possíveis exceções que apenas confirmarão essa regra estabelecida".
Cenário mais desafiador das urnas é para o PT e legendas da esquerda
O desafio maior para o cenário de 2024 continua sendo para a esquerda e a centro-esquerda. Esse fato estaria espelhado na atual composição do Congresso, que confirmou o enfraquecimento desse espectro, desafiando Lula a converter a sua influência nacional em mais apoio local. O PT enfrenta dificuldades nas eleições proporcionais e majoritárias locais, tendo sido superado por PSB, PDT e até mesmo PSDB. Nesse sentido, a execução das emendas parlamentares também mostra predominância da direita.
O líder petista José Dirceu expressou preocupação com a falta de mobilização popular da esquerda diante da ascensão de partidos como PL, PP, Republicanos, União Brasil e PSD. A polarização exacerbada, por sua vez, favorece a oposição, pois o governo é forçado a ampliar seu leque de apoio, mas não consegue caminhar para o centro. A diminuição da aprovação de Lula tem gerado debates internos no PT sobre a melhor estratégia para enfrentar a onda conservadora. Contudo, o discurso polarizado do presidente da República só prejudicou essa abordagem estratégica.
Por outro lado, a reunião da Executiva Nacional do União Brasil - sigla que flutua entre o campo da direita e o Centrão -, no fim de fevereiro, resultou não só na saída do presidente Luciano Bivar, mas também serviu como pré-lançamento informal da candidatura de Ronaldo Caiado, governador de Goiás, à Presidência em 2026.
Já o PP, sob a liderança do senador Ciro Nogueira (PI), está articulando federação partidária com o União Brasil, possivelmente incluindo o Republicanos, visando formar a maior coalizão política do país e importante palanque nacional.
Pesquisas confirmam tendência de polarização inédita do eleitorado
À medida que as eleições de 2024 se aproximam, pesquisa do Ipec* de março apontou sinais sobre o panorama político e as expectativas do eleitorado. A avaliação dos prefeitos apresentou melhora significativa em comparação com 2020, de 32% para 38%, embora parcela considerável da população anseie por mudanças na administração municipal. O desejo por renovação é evidente entre os moradores da região Sudeste, das capitais e dos municípios mais populosos. A pesquisa revelou inclinação mais à direita (41%) da população, com busca crescente por candidatos não ligados diretamente a Lula ou Bolsonaro, manifestada por 47% do total.
Uma nova pesquisa conduzida pela Atlas Intel**, divulgada em 8 de março, reforça a percepção de uma intensa polarização no cenário político das eleições municipais. Cerca de 39,1% dos eleitores manifestaram preferência por candidatos alinhados a Bolsonaro, enquanto 37,8% optaram por aqueles vinculados a Lula. Esses números não apenas evidenciam a influência dos dois, mas também destacam o papel crucial do alinhamento político na tomada de decisão dos eleitores, mesmo em disputas historicamente mais pragmáticas.
Entre os eleitores favoráveis a Bolsonaro, 76% consideram o alinhamento político como um fator fundamental na escolha do prefeito, com 39,7% afirmando que não votariam em candidatos não aliados ao ex-presidente. Em contraste, os apoiadores de Lula mostraram uma atitude diferente, com 44,3% indicando disposição para votar em outros candidatos, desde que não estejam alinhados a Bolsonaro. A pesquisa destaca ainda que só 23% dos eleitores não têm preferência por aliança política com Lula ou Bolsonaro, enquanto 40% estão abertos a votar em nomes não alinhados.
PL e PT poderão ter duelo direto pelo comando de 16 capitais
A recente "janela partidária", encerrada em 5 de abril, destacou a polarização entre Lula e Bolsonaro, refletida em seus respectivos partidos, com confrontos previstos em pelo menos 12 capitais nas eleições de 2024. Enquanto o PSD e o MDB fortaleceram suas posições ao atrair pré-candidatos em diversas capitais, o PSDB enfrentou um revés significativo, perdendo todos os seus oito vereadores em São Paulo e ficando sem representação em outras 11 capitais, evidenciando desafios cruciais para a legenda em meio ao novo cenário partidário nacional.
O embate entre o PT e o PL se intensifica em Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Manaus, Goiânia, Cuiabá, Campo Grande, João Pessoa, Maceió, Aracaju, Florianópolis e Vitória.
Com o objetivo ambicioso de eleger aproximadamente mil prefeitos em todo o país, o PL lançou pré-candidatos em 19 das 26 capitais, atraindo novas adesões em cidades como Florianópolis, Rio Branco, Campo Grande e Aracaju. Destaca-se a chegada do prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom, ao PL, e a filiação do ex-deputado estadual Bruno Souza em Florianópolis.
Enquanto isso, o PT busca consolidar sua presença em 16 capitais, excluindo grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, onde apoiará respectivamente Guilherme Boulos (PSol), Eduardo Paes (PSD), Geraldo Júnior (MDB) e João Campos (PSB).
Metodologia
*O Ipec realizou 2000 entrevistas em 130 municípios para a pesquisa entre 01 a 05 de março de 2024. A margem de erro máxima estimada é de dois pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra. O nível de confiança utilizado é de 95%.
**A pesquisa Atlas Intel ouviu 2.122 pessoas, entre 04 e 07 de março de 2024. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança da margem de erro é de 95%.
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