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Centrão faz acordo e Senado deve flexibilizar proibições a atiradores e clubes de tiro
Decretos do presidente Lula contra o setor armamentista já causaram 76 mil demissões| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Um acordo costurado por parlamentares do centrão pode atingir nesta semana um objetivo que a oposição vinha perseguindo desde 2023: derrubar aspectos mais radicais do decreto do desarmamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tornam impossível a operação da maioria dos clubes de tiro no país e a renovação de licenças por atiradores que possuam muitas armas.

O Senado Federal deve votar nesta quarta-feira um Projeto de Decreto Legislativo que flexibiliza as regras para a prática do tiro esportivo no país. O projeto, de autoria do deputado Ismael Alexandrino (PSD/GO), já foi aprovado na Câmara, em maio passado, após acordo costurado com os partidos de centro. Agora, a expectativa é de que um novo acordo garanta a aprovação simbólica do texto, tanto na Comissão de Constituição e Justiça quanto no plenário do Senado.

Entre outros pontos, o projeto acaba com o distanciamento obrigatório de um quilômetro entre clubes de tiro, lojas de armas e munições e estabelecimentos de ensino. A regra foi imposta em junho do ano passado, após a publicação do decreto 11.615/23 de Lula. O decreto foi interpretado por grande parcela dos atiradores como uma vingança contra os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), que apoiaram abertamente a campanha do ex-presidente Bolsonaro.

O decreto de Lula impede a abertura de novos estabelecimentos do segmento armamentista em áreas próximas a qualquer escola, creche ou centros de ensino. Os clubes em funcionamento teriam até dezembro deste ano para se adequarem à legislação ou fecharem as portas.

“Qual seria a tal adequação proposta pelo governo? Como se adequa uma loja física a um distanciamento mínimo? Só mudando a loja de lugar. E isso não é barato. Só Deus sabe o quanto é investido para se abrir um clube de tiro: a burocracia que passamos, as vistorias, as exigências de segurança que temos que atender. Isso tem um custo. Muitos investiram as economias de uma vida nesses estabelecimentos", disse Helton Rego, proprietário de um clube de tiro e uma loja de armamentos em Brasília.

"O mínimo que se poderia querer era segurança jurídica para continuarmos funcionando. Isso não passa de uma vingança mesquinha”, disse Rego.

Centrão não envolve oposição e quebra resistência de governistas

Deputados de oposição vêm tentando há mais de um ano derrubar o decreto do desarmamento assinado por Lula nos primeiros dias de seu mandato. Eles fizeram ao menos duas audiências com o então ministro da Justiça Flávio Dino que acabaram em bate boca e falharam ao tentar levar um projeto de decreto legislativo ao plenário da Câmara em 2023.

O acordo para revogar as partes mais radicais do decreto foi todo costurado no Congresso neste ano com o apoio de partidos do centro, encabeçado pelo deputado Ismael Alexandrino (PSD-GO), que é atirador esportivo de alta performance, inclusive com títulos brasileiros na modalidade “tiro de precisão”. O acordo teva participação também da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), que é vice-líder do governo, e articulação do presidente do PSD, Antônio Brito, que é pré-candidato à presidência da Câmara.

Ismael tem recebido visitas constantes de representantes de entidades ligadas ao mercado e as entidades esportivas, como federações e confederações de tiro esportivo. Demétrius Oliveira, vice presidente da ABIAMBI (Associação Brasileira de Importadores de Armas e Materiais Bélicos) e diretor executivo do Wolrd Combat Conference, um dos maiores torneios de tiro esportivo da América Latina, participou dessas discussões.

Ele justifica a aproximação com o chamado Centrão, como forma de fugir do radicalismo tanto do governo como da oposição, que desde o início de 2023 praticamente travou a prática esportiva no país. “Nós sempre estivemos dispostos a negociar. Milhares de atletas, centenas de clubes e lojas, milhares de pessoas empregadas dependem desse movimento. Aprovar esse PDL é garantir que o esporte continue vivo. Depois tentamos negociar outros pontos do decreto, como a volta do 9 milímetros como calibre permitido,” explicou Demétrius.

No mês passado, representantes de diversas entidades de tiro esportivo publicaram uma nota conjunta afirmando que não se consideravam representadas por parlamentares que estariam organizando uma manifestação no gramado do Congresso Nacional. Esse é outro indício do afastamento de algumas entidades de parlamentares de perfil mais à direita. A manifestação vem ocorrendo todos os anos e é organizada pelo deputado Marcos Pollon (PL-MS), um dos parlamentares mais ativos em pautas de defesa das liberdades individuais e dos direitos dos atiradores.

As entidades deixaram claro no documento que estão abertas a negociar com o governo para garantir a sobrevivência do esporte do tiro esportivo.

Setor teme fechamento de clubes e demissão de funcionários

O Projeto de Decreto Legislativo que será analisado nesta semana diz respeito ao decreto 11.615, que foi o segundo publicado por Lula contra os CACs em 2023. Antes dele, como primeiro ato do atual governo, o Executivo publicou o 11.366/23, em janeiro do ano passado, suspendendo a emissão de novos certificados de registro — o documento que possibilita a prática do tiro esportivo —, proibindo o tiro recreativo — aquele praticado esporadicamente por quem não é CAC — e mudando a denominação de calibres permitidos, tornando novamente restritos o 9mm, o 357, o .40 e as carabinas semiautomáticas, liberadas para o público civil durante o governo anterior.

Os dois decretos acertaram em cheio o setor e provocaram o fechamento de centenas de clubes e a extinção de aproximadamente 76 mil empregos, segundo um estudo relativo o segundo semestre do ano passado feito pela ABIAMB (Associação Brasileira dos Importadores de Armas e Material Bélico). Caso o PDL 206/24 não seja aprovado, outros 250 mil postos de trabalho diretos e indiretos deixarão de existir, segundo a entidade.

A associação aponta ainda para uma possível queda de arrecadação por causa do fechamento de clubes. Segundo a ABIAMB, em 2022 o segmento recolheu quase R$ 3 bilhões em impostos. Em 2023, com as restrições, esse número não chegou a R$ 500 milhões.

“O texto corrige algumas distorções apresentadas no decreto 11.615, que tornavam a prática do tiro esportivo quase impossível no país. Como há diálogo para o encaminhamento de um acordo, acredito que não existam impedimentos para que o texto seja votado e aprovado sem problemas no Senado”, disse o deputado Ismael Alexandrino.

Obrigatoriedade de treinamentos

O texto também corrige outra distorção trazida pelo decreto 11.615/23 quanto à obrigatoriedade de treinamentos mínimos para cada atirador esportivo. O decreto do presidente Lula dividiu os CACs em níveis, de acordo com a quantidade mínima de treinamentos e competições exigidas. Esses níveis, que vão do um ao três, também estabelecem a quantidade de armas, munições e insumos que cada atleta pode adquirir ao longo de um ano.

Já de cara todos os atiradores foram considerados nível I, independentemente do tempo de prática. Para mudar de nível para o II, por exemplo, é preciso comprovar junto ao Exército a participação em pelo menos 12 treinamentos no estande de tiro e 4 competições (por calibre que o atirador possuir). Além disso, essas participações devem ocorrer em eventos diferentes ao longo de um período de doze meses.

Já para chegar ao nível III, é necessário apresentar comprovantes de participação em pelo menos 20 treinamentos em clubes de tiro e 8 competições, sendo ao menos duas delas nacionais ou internacionais.

“Imagine o atirador que tenha 10 calibres diferentes apostilados [registrados]. Para chegar ao nível III e poder manter seus equipamentos, ele vai precisar comprovar ao menos 280 idas ao estande, levando todas essas armas. Além do custo absurdo para o atleta, tem o risco de que ele seja abordado e todo esse armamento vá parar nas mãos do crime, uma vez que o cidadão não tem nem mesmo o direito de usar uma dessas armas para defender o seu acervo”, disse André Luís Pinheiro, atirador esportivo em João Pessoa (PB).

“Nossa esperança para manter o esporte vivo é que a proposta do Ismael seja aprovada Ainda aproveitando o espírito olímpico, é bom lembrar que a primeira medalha olímpica conquistada pelo país na história veio do tiro esportivo, com Guilherme Paraense, nos Jogos da Antuérpia, em 1920”, lembrou o atleta.

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