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A aproximação entre o presidente Jair Bolsonaro e o chamado Centrão do Congresso Nacional tem sido um dos assuntos mais comentados da política nas últimas semanas. As articulações incluem cargos distribuídos a pessoas ligadas ao bloco em troca de apoio no Parlamento, incluindo negociações para que o presidente elimine possibilidades de sofrer impeachment. Estima-se que façam parte do Centrão cerca de 200 dos 513 deputados.
A expressão "Centrão" é utilizada desde a época da Assembleia Constituinte para definir um grupo de parlamentares com pouca identidade ideológica, e que poderia apoiar qualquer governo. É também um grupo muito associado à prática do "toma-lá-dá-cá" – ou seja, que faria a sustentação de um governo no Congresso desde que recebesse em troca benefícios, como cargos na estrutura federal e o pagamento de emendas do orçamento.
A versão atual do Centrão começou a se constituir a partir de 2015, quando o então deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) ganhou a eleição para a presidência da Câmara. Ele próprio era um oriundo do Centrão, e sua vitória representava a chegada ao poder de um político que não necessariamente estaria alinhado com o governo. De fato, ao longo de sua gestão Cunha aceitou o pedido de impeachment de Dilma Rousseff (PT), o que culminou no afastamento da petista.
O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez uma especial referência ao Centrão quando a reforma da Previdência foi aprovada pela Casa em primeiro turno, no ano passado. “O Centrão é essa coisa que ninguém sabe o que é, ‘mas é do mal’. Mas é o Centrão que está fazendo a reforma da Previdência, esses partidos que se dizem do Centrão", destacou.
Quais partidos fazem parte do Centrão?
Apesar do indiscutível peso do Centrão dentro do cenário político da Câmara, definir o bloco não é tarefa das mais fáceis. Diferentemente do que existe em relação a governo e oposição formalmente constituídos, o Centrão não está consolidado em um grupo oficial. Além disso, o rótulo Centrão, por conta do "toma-lá-dá-cá" e de denúncias de corrupção que afetam alguns de seus membros, tornou-se pejorativo. São poucos os políticos que admitem pertencer ao Centrão.
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, negou em recente entrevista à Folha de S. Paulo que sua legenda integre o grupo: "Se um colega seu nos procura e pergunta se nós somos do Centrão e a resposta é não, é porque é não. Os outros partidos sabem que não integramos o Centrão", disse. Apesar da negativa, o PSD é frequentemente mencionado por deputados como sendo um dos partidos que faz o Centrão.
A instância mais próxima de uma "formalização" do Centrão hoje é um bloco na Câmara que une PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros e Avante. A agremiação, porém, não resume o Centrão – há membros desse bloco que efetivamente não integram o Centrão, e há integrantes de outros partidos que podem ser caracterizados como participantes do Centrão. Republicanos e Podemos são duas legendas que não fazem parte do bloco e são associadas ao Centrão. Em especial a primeira, atual partido de dois filhos de Bolsonaro, o senador Flávio e o vereador Carlos.
O DEM – de Rodrigo Maia e também do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP) – é também mencionado como integrante do Centrão atual. Mas, durante as gestões do PT, que perduraram entre 2003 e 2016, o partido esteve na oposição – contrariando a lógica de adesão a qualquer governo. A mesma coisa vale para o PSDB, que foi a maior força de oposição aos governos petistas.
Membro de um partido do Centrão, o deputado Ricardo Izar (PP-SP) diz não identificar a coesão do grupo. Para ele, a existência de um Centrão unificado é um mito: "Os acordos são feitos por partido. Não existe um único bloco, a ideia de que 'o Centrão sozinho' tomou uma decisão. São partidos de ideologias semelhantes, mas que têm suas diferenças".
Já o oposicionista Pompeo de Mattos (PDT-RS) tem visão oposta. "É um grupo que se junta não para ajudar, e sim para se locupletar. Ficam esperando os governos entrarem em crise para pedirem favores", diz. O pedetista, que é deputado federal desde 1999, identifica que o Centrão tem conseguido se moldar diante das diferentes circunstâncias. "Eles parecem formigas da terra: a gente pode destruir o formigueiro de noite, mas quando amanhece o formigueiro está lá de novo. A capacidade de reinvenção deles é muito forte", afirma.
Quem são os líderes do Centrão?
Os principais expoentes do Centrão são:
- Arthur Lira (PP-AL): deputado em terceiro mandato, é hoje a referência maior do grupo. É filho do ex-senador Benedito de Lira, que não conseguiu se reeleger em 2018. Lira é o atual líder do bloco de nove partidos e também já comandou a sua legenda. Antes de chegar à Câmara, foi deputado estadual e vereador.
- Aguinaldo Ribeiro (PP-PB): também em terceiro mandato, Ribeiro é um bom exemplo do político que transita em diferentes grupos. Foi ministro de Dilma Rousseff, líder do governo de Michel Temer e líder da Maioria na Câmara durante a gestão de Jair Bolsonaro.
- Marcos Pereira (Republicanos-SP): apesar de estar em seu primeiro mandato na Câmara, Pereira é um "peso-pesado" no Congresso por ser presidente nacional de seu partido e também por ter sido ministro no governo Temer. É o atual vice-presidente da Câmara e do Congresso.
- Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (Solidariedade-SP): outro presidente nacional de seu partido, Paulinho é deputado federal desde 2007. Integrou o PDT antes de fundar o Solidariedade, em 2013. Foi um dos líderes do impeachment de Dilma.
- Wellington Roberto (PL-PB): é deputado federal desde 2003 e lidera seu partido desde o ano passado. É também vice-líder do bloco comandado por Arthur Lira.
- Baleia Rossi (MDB-SP): o parlamentar é lider do seu partido na Câmara e também presidente nacional da legenda, a maior do Brasil em número de filiados.
- Efraim Filho (DEM-PB): oposicionista durante as gestões de Lula e Dilma, o deputado é o líder do seu partido, função que já exerceu em outras ocasiões. É deputado federal desde 2007.
Controvérsias e fracassos
A aproximação com o Centrão pode trazer ganhos políticos para Bolsonaro, mas tem também efeitos negativos. O histórico de corrupção de alguns membros do grupo tem sido mencionado por antigos apoiadores do ex-presidente como algo que retira a credibilidade da gestão. O senador Major Olímpio (PSL-SP) mencionou a aliança em um áudio que foi divulgado na terça-feira (26), no qual fez duras críticas ao também senador Flávio Bolsonaro.
O principal líder do Centrão, Arthur Lira, é um dos investigados na Operação Lava Jato. Ele e seu pai foram acusados de receberem propinas derivadas de contratos superfaturados da Petrobras. O envolvimento de Lira com casos investigados pela Lava Jato levou o Judiciário a determinar, em março, o bloqueio de 10% do salário do parlamentar.
O PP de Lira foi um dos "protagonistas" do escândalo do mensalão, o esquema de compra de votos na Câmara durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outras legendas do atual Centrão, como PL e PTB, também estiveram envolvidas no caso – este último é o partido do ex-deputado Roberto Jefferson, delator do esquema, pelo qual foi preso, e atual aliado do presidente Bolsonaro.
Centrão quer a presidência da Câmara
O Centrão tende a ter importância na disputa pela presidência da Câmara, marcada para o próximo mês de fevereiro. Arthur Lira, Aguinaldo Ribeiro e Marcos Pereira estão entre os cotados para o cargo. Lira e Pereira esperam contar com o apoio de Bolsonaro.