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O avanço de propostas que limitam os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF) e a adoção de um novo modelo de emendas que favoreça os parlamentares em detrimento do Executivo têm sido algumas das principais demandas dos deputados do Centrão para condicionar seu apoio a candidatos a sucessor do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A expectativa é que esses temas ganhem ainda mais destaque por parte dos parlamentares após as eleições municipais deste ano, segundo políticos e analistas ouvidos pela reportagem.
Até o momento, Antônio Brito (PSD-BA), Elmar Nascimento (União-BA) e Hugo Motta (Republicanos-PB) figuram como os principais candidatos na disputa pelo comando da Câmara. Parlamentares de partidos do Centrão ouvidos pela Gazeta do Povo dizem, reservadamente, que os postulantes ao cargo de Lira vão precisar demonstrar a capacidade de negociar a manutenção da autonomia dos deputados sobre o Orçamento.
A avaliação nesse grupo é de que essa capacidade de articulação fez com que Lira fortalecesse a Câmara ao longo dos últimos anos e, consequentemente, viabilizasse sua reeleição para o comando da Casa em 2023. À época, Lira conseguiu 464 votos após reunir apoio de partidos de diferentes posições políticas.
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Desde o ano passado, Congresso e governo estão em uma queda de braço pelo controle das verbas do Orçamento da União. As emendas são uma forma dos parlamentares transferirem dinheiro do orçamento para estados e municípios onde mantém suas bases eleitorais. Hoje elas totalizam R$ 49 bilhões, um quarto do Orçamento da União. O montante à disposição do Legislativo vinha crescendo ao menos desde 2015. O governo tenta agora recuperar o controle sobre essas verbas e encontrou no STF um aliado para fazer isso.
O ministro Flávio Dino determinou em agosto a suspensão do pagamento de todas as emendas impositivas, aquelas que o governo é obrigado a pagar, até que o mecanismo de transferência de verbas seja tornado mais transparente. O argumento do STF é que não havia transparência suficiente sobre quem mandou cada emenda e como elas foram usadas.
Aliados das três candidaturas à Presidência da Câmara admitem que os deputados têm cobrado que eles se comprometam a dar vazão a medidas que limitem a ingerência do Judiciário sobre as pautas discutidas pelo Legislativo, especialmente após a decisão de Dino. Isso porque a suspensão das emendas parlamentares afeta indiretamente o poder dos deputados e senadores de se reelegerem após investirem em suas bases eleitorais.
O temor dos deputados é de que o novo modelo de emendas que for estabelecido acabe fortalecendo o Executivo e, consequentemente, enfraqueça o Congresso Nacional. Para essa ala do Centrão, os postulantes ao cargo de Arthur Lira precisam mostrar capacidade de manter o poder dos deputados sobre as verbas que abastecem seus redutos eleitorais sem interferência do Palácio do Planalto.
Neste caso, os deputados admitem que o candidato que aglutinar de forma mais bem-sucedida essa capacidade de negociação será o vencedor da disputa pela Presidência da Câmara, apesar das costuras do Palácio do Planalto e da oposição. A eleição para a sucessão de Lira acontece em fevereiro de 2025, mas as articulações para o pleito já estão a todo vapor.
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Governo tenta reduzir o poder do Congresso sobre o Orçamento
Na contramão dos líderes do Centrão, integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) veem na discussão sobre o novo modelo para as emendas uma oportunidade de frear os poderes do Congresso sobre o Orçamento. O Palácio do Planalto, no entanto, não tem colocado esse ponto nas conversas com os postulantes ao cargo de presidente da Câmara.
Lula tem mantido conversas com todos os candidatos e deixado em aberto um eventual apoio do governo. Depois de se reunir com Motta e Elmar no começo de setembro, Lula esteve com Antônio Brito na semana passada.
A avaliação entre os articuladores de Lula é de que uma interferência direta do governo na eleição na Câmara pode acabar refletindo em retaliações futuras ao Executivo.
"[O presidente Lula] afirmou que os três candidatos, todos eles, têm o apreço por parte do governo e que, para mim, foi uma coisa forte que ele levantou, que ele não iria opinar sobre um ou outro candidato”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
O líder governista, no entanto, admitiu que existe uma cobrança por parte dos parlamentares para uma solução em relação às emendas parlamentares. “É muito importante que o processo de eleição da Câmara termine bem e que quem ganhar a eleição será o primeiro a se reunir com ele [Lula] para reafirmar a colaboração entre Executivo e Legislativo”, disse Guimarães.
Além do fim do mandato de Lira no comando da Câmara, a indicação do senador Confúcio Moura (MDB-RO), tido como um aliado do Planalto, para o posto de relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, ampliou as expectativas dos governistas.
“As contas públicas estão em xeque. Não há uma fartura de recursos. As vinculações são grandes. As despesas obrigatórias [estão] cada vez mais arrochando o governo. Os recursos discricionários (não obrigatórios) [estão] cada vez menores. O bom-senso tem que falar mais alto”, declarou o emedebista.
A LDO de 2025 é a responsável por traçar as diretrizes para o Orçamento de 2025 e será analisada após o primeiro turno das eleições municipais. O governo enviou um texto com a previsão de R$ 39,6 bilhões em emendas impositivas. Ou seja, aquelas que obrigam o Poder Executivo a executar despesas específicas propostas por congressistas.
No ano passado, o Congresso Nacional aprovou a destinação de quase R$ 50 bilhões para todos os tipos de emendas em 2024.
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O que está em discussão sobre as emendas
A remodelagem sobre a distribuição de recursos pelos parlamentares passou a ser discutida depois que o plenário do STF apoiou a decisão do ministro Flávio Dino, que determinou a suspensão das chamadas emendas impositivas. Em um acordo que reuniu representantes dos Três Poderes, ficou acertado que o governo discutiria junto ao Congresso um projeto para dar mais transparência na repartição desses valores.
Muitas lideranças do Congresso defendem o modelo das emendas Pix, por exemplo, como uma forma “desburocratizada” de atender reivindicações de prefeitos aliados para obras. Neste mecanismo, os parlamentares faziam as indicações sem a necessidade de especificar qual seria a obra ou programa atendido pelo recurso.
Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o mecanismo das emendas Pix será "enterrado". “Vamos ter um modelo de repasse fundo a fundo, do governo federal direto para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mas que seja rastreável, que tenha, a priori, o objeto apresentado pelo parlamentar, se é para a saúde, se é para a educação, e o plano de trabalho apresentado pelos municípios”, explicou Padilha.
O governo também pretende discutir para que as emendas não cresçam em proporção maior ao aumento do total das despesas discricionárias (aqueles gastos que não são obrigatórios, como investimento e custeio).
"Houve um avanço das emendas sobre o Orçamento federal. Hoje o valor das emendas corresponde a mais ou menos 23% das despesas discricionárias, que são aquelas que o Poder Executivo pode gastar em obras de custeio e em investimentos e custeio da máquina", defendeu o relator da LDO, Confúcio Moura.
"Então o valor é muito alto e isso distorce muito o que acontece no mundo. Eu sou favorável que o governo promova essas mudanças de uma maneira mais equilibrada e que esses valores sejam não tão elevados", completou o senador da base governista.