Um dos impactos mais relevantes da Tempus Veritatis, operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) na quinta-feira (8) e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), poderá ser verificado sobre as estratégias do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e o maior da oposição, voltadas às eleições municipais. O cerco judicial ao ex-mandatário e aos aliados próximos dele também pode afetar a correlação de forças no Congresso, sobretudo na Câmara.
Como repercussão imediata, Bolsonaro foi impedido de deixar o país e de se comunicar com outros investigados, incluindo o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. Na prática, a operação da PF interferiu no ritmo da agenda do partido para 2024, com meta ambiciosa de eleger mil prefeitos, na medida que sua rotina foi tumultuada. Ainda na quinta-feira, o senador Rogério Marinho (PL-RN) alertou para “sérios riscos à democracia” quando se suspeita que a associação direta de Bolsonaro e do presidente do PL a uma suposta tentativa de golpe de Estado teria visado instabilizar os planos do partido.
Marinho teme haver ações coordenadas entre Executivo e Judiciário, lembrando que, não por acaso, o senador Humberto Costa (PT-PE) acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir investigação sobre participação do PL em suposta tentativa de golpe de Estado em 2022 horas após da operação da PF e, sendo confirmada, proceder à cassação do registro do partido. Citando reportagens, Costa escreveu no pedido à PGR que Valdemar Costa Neto pode ter sido o “principal fiador” de questionamentos contra a lisura do processo eleitoral de 2022.
Segundo advogado especializado em Direito Eleitoral ouvido pela Gazeta do Povo, os fatos relacionados à operação da PF em si não interferem exatamente nos direitos do PL garantidos para as eleições municipais, como registros de candidaturas e acesso a fundos partidário e de financiamento das campanhas. Contudo, ele, que preferiu não ser identificado nesta matéria, receia que a dinâmica dos tribunais superiores tem surpreendido e “qualquer coisa pode ocorrer” em termos de decisões, sobretudo do TSE. Na avaliação do especialista, apenas a menção da possibilidade de cassação de registro, por exemplo, serve para despertar insegurança àqueles que se filiaram ou vão se filiar ao partido de Bolsonaro e Costa Neto.
Oposição pressionará por reação do Congresso a abusos do STF
De acordo com o cientista político Ismael Almeida, a oposição tende a intensificar seus protestos contra o cerco judicial a Bolsonaro, associando essas ações não só ao STF, mas também ao Executivo, responsável pela PF. "Isso pode resultar em maiores obstáculos para o governo avançar em suas pautas, agravados pela irritação do Centrão com complicações relacionadas ao corte das emendas parlamentares", disse. O especialista prevê que também aumentará a pressão por respostas legislativas à percepção de poder ilimitado do Judiciário, tal qual se percebe desde o início do ano.
Sobre a expectativa de governistas de um enfraquecimento do PL na Câmara, em prejuízo do poder do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), Almeida considera a situação incerta. Mas ele destaca que, mesmo que isso ocorra, a tendência mais provável para o caso de desprestígio ao partido de Bolsonaro ainda é favorecer Lira. O especialista explica que o PL, em busca de proteção institucional, poderá se aliar a Lira, abrindo mão de uma candidatura própria para enfrentar um possível candidato apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), provavelmente Marcos Pereira (Republicanos), cuja legenda estava na base da gestão Bolsonaro. Nessa perspectiva, os quase 100 deputados do PL se tornariam o verdadeiro fiel da balança na sucessão de Lira, fortalecendo a legenda na Câmara, apesar de pressões judiciais.
Lula vem nos últimos meses redobrando esforços para isolar Bolsonaro e o PL. Ele consolidou a aliança com o STF, fortaleceu a relação com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e se aproximou dos principais governadores de oposição, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo. A mais nova operação da PF contra o grupo político de Bolsonaro proporcionou ao presidente da República munição extra para confrontar o ex-presidente e tentar enfraquecer a direita. O chefe do Executivo não esconde o desejo de consolidar em sua base de apoio parlamentar o PP e o Republicanos, legendas que apoiaram Bolsonaro na campanha à reeleição. Em paralelo, ele busca formalizar alianças e diminuir a dependência de Arthur Lira.
Oposição vê série de operações como sinal claro de perseguição
Dias após dois deputados, Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Carlos Jordy (PL-RJ), ambos candidatos a prefeito das maiores cidades fluminenses, terem sido alvo de buscas e apreensões de agentes federais, as operações seguiram tomando o noticiário até a véspera do carnaval. Para parlamentares oposicionistas, o objetivo mais imediato da série de procedimentos autorizados pelo Judiciário é enfraquecer os candidatos mais facilmente associados a Bolsonaro e tirar poder de barganha das legendas oposicionistas, começando pelo PL.
“Estamos vivendo uma ditadura e o Senado é corresponsável por ela, pois é o único poder autorizado pela Constituição a parar abusos de ministros do STF, por meio de impeachments”, disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE). Ele vê “jogo combinado” entre atores dos Três Poderes para “calar a oposição”, com operações da PF e até súbita inclusão na pauta do Senado de projeto para barrar candidaturas de militares.
Nos bastidores, a oposição avalia que sugestões de punições mais severas ao PL, a exemplo do pedido de cassação de registro, não deverão prosperar à medida que eles poderiam provar "excessos" da Justiça, deixando evidente a tese de "perseguição injustificada".
Oposicionistas também acreditam que as operações policiais podem até causar efeito oposto ao esperado pelos governistas, com estímulo à filiação de simpáticos à causa dos “injustiçados e perseguidos”. Eles citam o exemplo do próprio PT no passado recente, que vendeu a ideia de que era perseguido pela Justiça, juntamente com o seu maior líder, Lula, e acabou observando crescimento no número de filiados nos últimos anos.
Desde que deixou a Presidência da República, Bolsonaro vem sendo alvo de vários inquéritos e decisões judiciais. Ele já foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por colocar em dúvida o sistema eletrônico de votação, viu avançar investigações sobre supostas fraudes em cartões de vacina e apropriação de presentes do Estado, além de seguir em compasso de espera pelas consequências da delação do seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, entre as quais as que levaram à Tempus Veritatis.
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