A principal cerimônia do evento de memória dos dois anos dos atos de 8 de janeiro de 2023, realizada na manhã desta quarta (8) no Palácio do Planalto, acabou se transformando em um ato político-partidário com gritos de “sem anistia” de parte dos cerca de 400 convidados, além de falas duras nos discursos.
A possibilidade de isso acontecer já havia sido adiantada por parlamentares da oposição, que afirmaram que o evento seria uma “cortina de fumaça” para encobrir crises que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem vivendo. Ele próprio não poupou críticas aos participantes dos atos de 8/1.
“Os responsáveis pelo 8 de janeiro estão sendo investigados e punidos. Ninguém foi ou será preso injustamente, todos pagarão pelos crimes que cometeram, inclusive os que planejaram o assassinato do presidente, do vice e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral”, disse.
Pouco depois do discurso, Lula e as demais autoridades presentes desceram a rampa do Palácio do Planalto para participar de um "abraço simbólico" a um monumento alusivo à democracia formado por flores, montado na Praça dos Três Poderes.
Durante o discurso no ato, Lula afirmou defender a liberdade de expressão, mas sem ser tolerante a discursos de ódio e fake news “que colocam em risco a vida das pessoas à incitação à violência contra o Estado de Direito”.
“Não é possível que alguém consiga imaginar que há uma melhor forma de governança fora da democracia”, disse afirmando que o regime de governo permitiu a chegada de um operário à presidência do país – ele próprio ainda lembrando que foi eleito três vezes ao cargo.
“Se hoje podemos pensar diferente e expressar livremente os nossos pensamentos, ideias e desejos, é porque a democracia venceu. Ao contrário, a única liberdade de expressão permitida seria a do ditador e de seus cúmplices, usada para mentir, espalhar o ódio e incitar a violência contra quem pensa diferente”, completou.
Lula ainda citou que mais de 700 mil pessoas morreram durante a pandemia da Covid-19 e de supostas fake news, críticas constantes dele à gestão de Jair Bolsonaro (PL) durante a emergência sanitária.
Ele exaltou as Forças Armadas pelos trabalhos que desenvolvem no país, como a proteção das riquezas brasileiras e a soberania do povo, para afastar desconfianças que ainda existem com relação aos militares que teriam apoiado a suposta tentativa de golpe de Estado. Foram pelo menos 25 indiciados pela Polícia Federal durante a investigação.
Ainda durante o discurso, Lula pediu desculpas aos ministros que interromperam as férias a pedido dele para participarem da cerimônia, e brincou com o ministro Alexandre de Moraes, dizendo que nunca conheceu um magistrado com o apelido popular de “Xandão”, e que ele levará isso pelo resto da carreira.
Lula discursou no evento trajando o chapéu que adotou após deixar o hospital em meados de dezembro para tratamento de um sangramento intracraniano que o levou para uma cirurgia às pressas em São Paulo.
Já o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) pontuou que o “ataque à nossa democracia” não começou naquela noite, e sim “sutil e gradual” com ataques às urnas eletrônicas e à Justiça Eleitoral, mas sem citar diretamente os questionamentos feitos anteriormente por Bolsonaro sobre a segurança do sistema de votação.
“Vimos todos o discurso de ódio e a disseminação de notícias falsas crescerem, alimentando a polarização e criando a narrativa de ‘nós contra eles’. Vimos surgir um nacionalismo exacerbado e anacrônico com o disfarce de combater a corrupção ou defender a segurança nacional, abrir o espaço para práticas que atacavam o próprio coração da democracia”, disparou.
Entre os cerca de 400 convidados da cerimônia – a terceira do dia – estavam diversas autoridades, menos os presidentes das duas casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que preside o Senado, enviou o senador Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) como representante, e Luís Roberto Barroso, que preside o STF, foi representado pelo ministro Luiz Edson Fachin. Já a Câmara dos Deputados foi representada pela segunda secretária da mesa diretora, Maria do Rosário (PT-RS), pela falta do presidente Arthur Lira (PP-AL).
“Gostaríamos que o 8 de janeiro jamais tivesse existido, como horror, como a manifestação de ódio e a tentativa de destruir não apenas espaços físicos, mas a própria Constituição. [...] Não podemos ser intolerantes com os intolerantes, não podemos homenagear o fascismo e o ódio político”, disparou a deputada.
Rego também foi incisivo, se dirigindo ao ministro José Múcio Monteiro (Defesa) afirmando que “houve aqueles [militares] que não se predispuseram a subjugar-se à infâmia dos que tentavam e tramavam contra as vidas como a de Lula, Alckmin e Moraes”, em referência à descoberta pela Polícia Federal de um suposto plano para executá-los no final de 2022.
Também estiveram presentes os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, do STF; os comandantes general Tomás Paiva (Exército), brigadeiro Marcelo Damasceno (Aeronáutica) e almirante Marcos Olsen (Marinha), das Forças Armadas; ministros de Estado, embaixadores, parlamentares da base governista, artistas, entre outros.
Moraes, Fachin e Cármen foram os primeiros a cumprimentar Lula pouco antes do início do ato.
“Os atentados de 8 de janeiro foram a face visível de um movimento subterrâneo que articulava um golpe de Estado. Foi a manifestação de um triste sentimento antidemocrático agravado pela intolerância e pela agressividade”, disse Fachin ao ler uma carta escrita por Barroso.
Ele emendou afirmando que “no Brasil e no mundo está sendo insuflada a narrativa falsa de que enfrentar o extremismo e o golpismo dentro do Estado de Direito constituiria autoritarismo. É o disfarce dos que não desistiram das aventuras antidemocráticas”.
“O STF teve e tem papel decisivo na defesa da lei e da ordem democrática junto dos demais poderes e com as instituições de Estado aqui representadas e como vivenciamos recentemente”, completou Fachin em suas próprias palavras.
Este ato da cerimônia foi precedido por uma menor e mais reservada para a entrega de 21 obras de arte restauradas que foram vandalizadas durante a invasão ao Palácio do Planalto, com discursos inflamados da primeira-dama Janja da Silva e da ministra Margareth Menezes (Cultura).
Ainda durante a cerimônia no Planalto, Lula assinou um decreto que institui o "Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia". O nome é uma alusão à esposa do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido e assassinado durante a ditadura militar.
A família Paiva foi protagonista do filme "Ainda Estou Aqui", de produção nacional dirigido por Walter Salles. O longa foi interpretado por Fernanda Torres e Selton Mello. A produção rendeu a Torres, que interpretou Eunice na trama, o Globo de Ouro na categoria de melhor atriz em filme de drama.
“Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ainda estamos aqui vivos ao contrário do que planejavam os golpistas”, emendou Lula em referência ao filme.
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