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O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, afirmou à Gazeta do Povo nesta terça-feira (19) que fará uma série de viagens para países da América Latina e espera poder visitar o Brasil. Essa é uma sinalização de que o governo de Kyiv está tentando melhorar a relação diplomática com Brasília após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter feito uma série de declarações polêmicas, no ano passado, responsabilizando a Ucrânia e nações do Ocidente pela invasão russa de 2022.
"Eu tenho um contato muito bom com o ministro de Relações Exteriores do Brasil [Mauro Vieira]. Sempre que precisamos falar, nós falamos. Minha equipe está organizando minha viagem para países latino-americanos e claro que eu espero que o Brasil seja parte disso, então as discussões sobre os dias da minha visita ainda estão acontecendo", disse Kuleba em uma videoconferência internacional com órgãos de imprensa.
Ele não divulgou datas para sua viagem à América Latina. O deslocamento de autoridades do governo ucraniano é considerado uma questão militar, pois eles são alvos potenciais do Kremlin. Por isso, reuniões e encontros envolvendo autoridades ucranianas costumam ser divulgados publicamente apenas na última hora ou quando já estão ocorrendo.
Após evitar encontrar o presidente ucraniano por meses em 2023, Lula e Volodymyr Zelensky apertaram as mãos na Assembleia Geral da ONU em setembro e acordaram um encontro entre seus chanceleres. Mas, desde então, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil vem postergando a marcação desse encontro. A reunião de chanceleres seria um passo anterior a uma possível visita do presidente Zelensky ao Brasil.
A relutância brasileira pode ter uma explicação: desde o início de seu mandato, Lula vem se aproximando do ditador russo Vladimir Putin e chegou a dizer publicamente em mais de uma ocasião que a Ucrânia tinha culpa por ter sido invadida pela Rússia em fevereiro de 2022. Por causa desse tipo de declaração, ainda antes de chegar à presidência, Lula chegou a ser colocado em uma lista de apoiadores de Moscou elaborada pelo governo de Kyiv.
O apoio de Lula ao ditador Putin tem rendido descontos na importação de combustíveis. Em 2023, o Brasil importou aproximadamente US$ 5,3 bilhões em combustíveis da Rússia, sendo grande parte do volume óleo diesel.
Mas a motivação do petista pode ser mais política do que econômica, segundo analistas. Lula aposta em ter mais projeção internacional e por isso aderiu ao discurso de "mundo multipolar" da Rússia e da China. Essa bandeira política, no entanto, não visa deixar o mundo mais igualitário e sim diminuir a influência política das democracias liberais do Ocidente, enquanto aumenta a força das ditaduras de Moscou e de Pequim.
No último domingo, Putin se consolidou como ditador na Rússia sendo "eleito" para mais seis anos de mandato em um pleito de fachada.
Vieira disse que não há impeditivos para a visita
A declaração de Kuleba ocorre cinco dias após o chanceler brasileiro Mauro Vieira ter sido questionado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado sobre pedidos de visitas ao Brasil de Kuleba e do próprio presidente Volodymyr Zelensky. Vieira disse no último dia 14 aos senadores que "não há nem um impeditivo e nem negativa em recebê-los".
Não está claro ainda se a sinalização de Vieira na ocasião foi apenas discurso diplomático ou se há uma intenção verdadeira de reconstruir as relações entre o Brasil e a Ucrânia. A declaração desta terça-feira dada por Kuleba mostra que há boa vontade e disposição para esquecer desavenças por parte do lado ucraniano.
Depois de ouvir negativas de Lula sobre propostas bilionárias para comprar ambulâncias blindadas do Brasil para evacuação de civis da frente de combate no ano passado, a Ucrânia oferece agora ao governo brasileiro parcerias na área de agricultura, aviação e exploração espacial, entre outras.
Algumas das ideias são formar uma parceria agrícola para ajudar no desenvolvimento de países africanos, retomar o programa de lançamento de foguetes e satélites da Base de Alcântara, encerrado pelo governo de Dilma Rousseff em 2015, e até fazer parcerias para a construção de aviões. A Ucrânia é uma das maiores potências agrícolas da Europa e herdou do período soviético a tecnologia do programa de construção de foguetes para exploração espacial. Também é conhecida pelas fábricas da Antonov, que produziam os maiores aviões de carga do mundo.
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Apoio do Sul Global à Ucrânia depende de vitórias no campo de batalha, diz chanceler
Questionado pela reportagem sobre que tipo de apoio a Ucrânia espera receber das nações do Sul Global (países em desenvolvimento), Kuleba afirmou que a boa vontade desses governos vêm variando de acordo com o desempenho das tropas ucranianas na guerra.
"O padrão geral é bem simples, quando a Ucrânia está demonstrando sucessos significantes no campo de batalha, nós vemos mais países do Sul Global inclinando-se para a posição ucraniana. Quando a situação fica mais estável em termos da Rússia manter o terreno, nós vemos o apoio dos países do Sul Global ficando mais desequilibrado. Então, a dinâmica da boa relação política depende da dinâmica na frente de batalha", afirmou o chanceler.
A frente de batalha na Ucrânia tem cerca de 1.200 quilômetros de extensão e se estabilizou em 2023 em um cenário em que apenas pequenos ganhos de território são feitos a um grande custo de vidas de combatentes por ambos os lados. Em 2024, apenas a Rússia tem obtido pequenas vitórias, especialmente porque a ajuda militar fornecida pelos Estados Unidos está sendo barrada por uma pequena parte dos parlamentares do Partido Republicano na Câmara dos Representantes.
Enquanto isso, Moscou investe em ações diplomáticas para conseguir apoio político de países na África, América Latina e Ásia. Só o Brasil foi visitado duas vezes em menos de um ano pelo chanceler russo Sergei Lavrov.
O ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, alerta que o discurso conservador e de mundo multipolar da Rússia, que tem seduzido muitos países em desenvolvimento, é ilusório. Ele afirma que, se a Rússia não for contida agora, o recado que será passado para o resto do mundo é que vale a pena usar a força para conquistar territórios de países vizinhos.
"A mensagem geral para o Sul Global é simples: se a Rússia prevalecer na Ucrânia, os países e as regiões do Sul Global serão os primeiros a experimentar o aumento da violência e das agressões transfronteiriças em suas regiões. Por essa razão, faz muito sentido que eles apoiem a Ucrânia", afirmou.
Ele lembrou que um documento oficial assinado pelo ditador Putin em 2021 diz que a Rússia só ficaria satisfeita se a Otan (aliança militar ocidental) se retraísse para as fronteiras da década de 1990, o que deixaria vulneráveis países da antiga cortina de ferro, como Polônia, República Tcheca, Romênia, Eslováquia, todos os países bálticos, entre outros.
A teoria de Kuleba é de que o expansionismo russo poderá inspirar outras potências regionais a iniciar conflitos para anexação territorial, principalmente nas regiões mais pobres do mundo.