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A Câmara dos Deputados discute em uma comissão especial a possibilidade de implantar no Brasil o chamado “ciclo completo da polícia”, que permitiria a todas as polícias do Brasil fazer investigação. Atualmente, essa é uma competência exclusiva da Polícia Civil e da Polícia Federal. O objetivo do grupo é elaborar um relatório que possa servir como ponto de partida para uma discussão no Congresso sobre reformas na estrutura das polícias do Brasil.
Presidente da comissão, o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG) afirma que a missão do colegiado é resolver um problema crônico da segurança pública brasileira: a baixa elucidação de crimes. “Nos crimes de homicídio temos uma média de, no máximo, 10% de solução. Nos demais crimes é abaixo disso”, justifica. Em países vizinhos, onde todas as polícias podem investigar, o índice de elucidação passa dos 50% e, no caso do Chile, chega a 80%.
“Temos oito agências [responsáveis pela segurança pública], duas agências têm a competência da investigação, que é a Polícia Federal e a Polícia Civil. As outras têm competência do ostensivo, mas sem competência de investigação. Tudo que essas polícias produzem em termos de informação que possa colaborar com a elucidação do crime, ela não pode colocar isso no processo, no papel, e levar para a Polícia Federal ou para a Polícia Civil, muito menos para a Justiça”, argumenta Gonzaga.
O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) concorda com o diagnóstico. “Nosso modelo hoje acaba trazendo uma grande dificuldade. Em todos os estados, a Polícia Militar tem um contingente muito maior do que a Polícia Civil. O que acontece, ela tem um volume de trabalho infinitamente maior, porque são mais homens trabalhando. Ocorre que o trabalho da polícia ostensiva não conclui em si e depois é todo remetido para a Polícia Civil, e aí acontece essa distorção. Uma polícia de 50 mil homens mandando volume de trabalho para uma polícia de 8 mil, que em tese é um trabalho que exige mais, gasta mais tempo, é a investigação, a burocracia, a oitiva. Então o peso é desigual. É um caminhão pipa derramando água em uma xícara de café, não dá vazão”, diz o parlamentar.
Ciclo completo pode ser implantado a partir de vários modelos
Apesar de concordarem com o diagnóstico, os deputados discordam da solução. Gonzaga defende um modelo em que as polícias ostensivas, como a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária, por exemplo, teriam competência de investigação com base em dois critérios: flagrante e território. “Uma das propostas é as que as polícias ostensivas, aquilo que ela atendeu no flagrante, feche o procedimento e leve tudo para o Ministério Público e a Justiça”, explica.
“No município em que tenha mais de uma agência, as polícias ostensivas que atenderem flagrante levam para Justiça, o que não for [flagrante] faz o registro com todas as informações possíveis e isso passa a ter validade na investigação, e ele encaminha para a Polícia Civil ou para a Polícia Federal, dependendo do crime”, completa o deputado.
Para Lafayette, ex-secretário de segurança pública de Minas Gerais, o melhor modelo é o que envolve a criação de uma polícia única. “Eu penso que o melhor modelo é a polícia unificada, a polícia única, e ela determina aos seus membros determinadas funções de acordo com a necessidade”, explica. “Vamos criar uma terceira polícia. Abre-se a possibilidade dos atuais policiais da PM e da Civil migrarem para essa polícia nova. E a partir de então inicia-se um processo de transição em que os novos concursos serão sempre para as polícias novas”, sugere o deputado.
Terceiro vice-presidente da comissão especial, o deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG) é contra o ciclo completo. Ele foi delegado da Polícia Federal por 20 anos, corporação que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apresenta índice de solução dos inquéritos em 94% dos casos. Para ele, muitas das deficiências das polícias estaduais são por falta de estrutura.
Para os opositores do ciclo completo da polícia, o problema não está no modelo de investigação policial, mas na falta de recursos. “É preciso reestruturar as organizações policiais para que se possa cobrar a competência que se espera delas. Muito há que ser feito aqui”, disse Freitas.
“Em qualquer investigação que você colocar recursos materiais e humanos dedicados, vai dar certo. A Lava Jato é uma grande demonstração disso. Foi colocado um foco num tipo de investigação e foi direcionado recurso para aquela investigação, material e humano, e ela dá certo. Agora, sem investimento é impossível”, observou o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir de Paiva, em uma audiência pública da comissão no ano passado.
Tramitação do tema na Câmara
A comissão especial não tem data para finalizar os trabalhos na Câmara dos Deputados. A partir de um consenso no colegiado sobre o tema, a proposta ainda precisa ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
Para Lafayette, um dos deputados cotados para assumir o comando da CCJ em 2020, a proposta de adoção do ciclo completo é uma “gambiarra”. “Há como fazer o ciclo completo, mas é uma gambiarra. Já que é para fazer o ciclo completo, então vamos fazer a unificação”, defende.
Depois de aprovada na CCJ, a proposta precisará passar por uma comissão especial antes de ser votada no plenário e, em seguida, ser enviada para tramitação no Senado.
O tema vem sendo debatido na Câmara há quase cinco anos. Houve 12 seminários em 2015 sobre o tema, mas a proposta de emenda à Constituição (PEC 430/09) sobre o assunto não avançou porque não havia clima político, com a crise que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Um relatório sobre a proposta chegou a ser apresentado, mas não foi votado. E em 2018 a intervenção federal no Rio de Janeiro impediu a votação de mudanças na Constituição. A PEC prevê a criação de uma polícia única nos estados e a extinção da PM e da Polícia Civil.
Segundo Gonzaga, a comissão que debate o tema pode decidir fazer adequações ao texto da PEC ou criar uma nova proposta ao final dos trabalhos.