Delação premiada de Mauro Cid teve o sigilo derrubado após a PGR denunciar Bolsonaro e mais 33 por suposta tentativa de golpe.| Foto: Isaac Fontana/EFE
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O tenente-coronel Mauro Cid afirmou na delação premiada que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha certeza que encontraria uma fraude nas urnas eletrônicas ou que, não conseguindo, tentaria convencer as Forças Armadas a participarem de uma suposta tentativa de golpe de Estado.

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A delação foi tornada pública nesta quarta (19) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciar Bolsonaro e mais 33 pessoas – sendo 23 militares – por planejar um plano para se manter no poder após perder a eleição de 2022 para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“QUE o ex-Presidente JAIR BOLSONARO tinha certeza que encontraria uma fraude nas umas eletrônicas e por isso precisava de um clamor popular para reverter a narrativa: QUE o ex-Presidente estava trabalhando com duas hipóteses: a primeira seria encontrar uma fraude nas eleições e a outra, por meio do grupo radical, encontrar uma forma de convencer as Forças Armadas a aderir a um Golpe de Estado”, disse Cid em um dos depoimentos à Polícia Federal.

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A delação de Cid consta em um processo dividido em quatro longos volumes que somam mais de 800 páginas e relatam, ainda, a suposta operação para adulterar o cartão de vacinação contra a Covid-19 a mando de Bolsonaro; a venda de joias recebidas de presente de autoridades estrangeiras; e o alegado “gabinete do ódio” para a “criação e repercussão de notícias não lastreadas ou conhecidamente falsas com o objetivo de atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização”.

Cid também relata o que tinha conhecimento da suposta tentativa de interferência no deslocamento de eleitores do Nordeste no segundo turno da eleição de 2022 pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), a atuação do hacker Walter Delgatti para encontrar vulnerabilidades na urna eletrônica, entre outros assuntos.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro afirmou que o planejamento de todo o suposto golpe de Estado se deu em "praticamente dois meses desde o final da eleição, até quando o presidente Bolsonaro deixou o país, deixamos o país por término de mandato".

Mauro Cid afirmou que um empresário do agronegócio financiou a permanência de Bolsonaro nos Estados Unidos após o fim do mandato, em 2022, mas sem se recordar do nome. "Confirmo, sim, que ele financiou todos os custos. Mas não posso, inclusive eu nunca vi ele pessoalmente, nunca estive com ele", pontuou.

“Grupo radical”

No que se refere à suposta tentativa de golpe de Estado, o “grupo radical” citado por Cid era formado, entre outras pessoas, pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), pelo ex-ministro Onyx Lorenzoni, pelos senadores Jorge Seif (PL-RJ) e Magno Malta (PL-ES) e pelo o general Mario Fernandes – este é apontado como autor do plano para assassinar Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes na operação intitulada “Punhal Verde e Amarelo”.

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Mauro Cid revelou na delação que, em uma reunião em novembro de 2022, o então assessor Felipe Martins e um jurista apresentaram a Bolsonaro um documento que retratava o que seriam interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo – ou seja, da Justiça na presidência da República – e que, ao final, foi apresentada uma minuta de decreto para prender Moraes e Gilmar Mendes; o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e a realização de novas eleições “devido a supostas fraudes no pleito”.

Ele relata que Bolsonaro pediu a Martins para realizar algumas alterações na minuta e que, após a modificação, teria concordado apenas com a prisão de Moraes e a realização de novas eleições. Após isso, chamou os comandantes das três Forças Armadas para apresentar as alegadas interferências do Judiciário no Executivo, e teria tido a concordância apenas do então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier.

“QUE o ALMIRANTE GARNIER, comandante da Marinha, era favorável a uma intervenção militar, afirmava que a Marinha estava pronta para agir”, disse emendando que a adesão foi condicionada à participação do Exército, através do general Freire Gomes, que comandava a tropa, pois “não tinha capacidade sozinho”.

“QUE o Brigadeiro BATISTA JUNIOR, comandante da aeronáutica, era terminantemente contra qualquer tentativa de golpe de Estado; QUE afirmava de forma categórica que não ocorreu qualquer fraude nas eleições presidenciais; QUE o GENERAL FREIRE GOMES, era um meio-termo dos outros dois Generais; QUE ele não concordava como as coisas estava sendo conduzidas; QUE no entanto, entendia que não caberia um golpe de Estado, pois entendia que as instituições estavam funcionando”, seguiu Cid.

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Em outro trecho da delação, Cid relata uma reunião no dia 9 de dezembro de 2022 em que foi apresentada uma minuta de decreto de estado de defesa pelo general Estevam Theófilo, que diz que “reverteria o resultado das eleições presidenciais”, e que as Forças Armadas iriam cumprir a determinação.

Cid confirmou ainda, em outro ponto, que Bolsonaro não aceitou o resultado da conclusão da auditoria das Forças Armadas nas urnas eletrônicas, e determinou que o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, "demonstrasse a existência de supostas fraudes". Ele relatou que houve uma "busca incessante", mas que nada foi encontrado.

"O relatório final, segundo o próprio colaborador, ficou no meio termo dessas posições, uma vez que o Ministério da Defesa alterou sua conclusão para afirmar que não era possível dizer que jamais poderia ocorrer uma fraude. A alteração dessa conclusão se deu exclusivamente pela determinação e insistência do então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro", pontuou.

Mauro Cid cita, ainda, que Bolsonaro não determinou a desmobilização dos acampamentos em frente aos quartéis do Exército para gerar a expectativa de que "algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe".

"O colaborador [Mauro Cid] também se recorda que os Comandantes das Três Forças assinaram uma nota autorizando a manutenção da permanência das pessoas na frente dos quartéis por ordem do então Presidente Jair Bolsonaro", emendou citando a mesma expectativa pelo general Walter Braga Netto, então candidato a vice na chapa derrotada na eleição daquele ano.

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Cid afirmou que o militar era o principal interlocutor entre os manifestantes, o "pessoal do agro" e o governo. Ele pontuou, ainda, que se discutiu, em vários momentos, ações para provocar um "caos" de modo a pressionar o presidente a decretar um "estado de defesa, de sítio ou algo semelhante" para "causar um caos institucional".

Carta aos Comandantes

Também pontuou ter conhecimento sobre a “Carta ao Comandante dos Oficiais Superiores da Ativa do Exército” antes mesmo da publicação no dia 28 de novembro para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderirem ao plano.

“QUE teve conhecimento de que a carta, antes mesmo da publicação, já estaria circulando em grupos militares; QUE estavam pedindo que os militares assinassem; QUE seria uma forma de pressionar os comandantes militares a tomar uma medida mais enérgica pela situação que estava acontecendo no país; QUE não mexeu na carta; QUE não participou da elaboração nem da divulgação; QUE todos sabiam que quem assinasse a carta seria punido, pois o militar não pode participar de abaixo-assinado; QUE acredita que os militares que assinaram foram punidos”, relatou.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro afirmou, ainda, que os envolvidos no suposto plano de golpe de Estado estavam “romantizando” o conhecido artigo 142 da Constituição, de que as Forças Armadas teriam a atribuição de “restaurar a ordem” sob o comando do presidente da República.

Apoio de CACs

Mauro Cid também relatou na delação que Bolsonaro “não queria que o pessoal saísse das ruas”, em referência aos acampamentos montados em frente aos quartéis do Exército após o final das eleições de 2022, supostamente estimulados pelo que ficou conhecido como “gabinete do ódio”.

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“No intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal comandado pelos forças militares, sob o pretexto de aturarem como uma espécie de Poder Moderador”, anotou a Polícia Federal na delação.

Cid diz que Bolsonaro não interferia diretamente nos manifestantes, e que pediu apenas para os caminhoneiros não parassem o país. No entanto, relata que ele era frequentemente instigado a dar um golpe de Estado pelo “grupo radical” e que teria o “apoio e dos CACs”.

"Tanto que, quando ele ficou sabendo, que, possivelmente podia ter alguma ação de caminhoneiros pra fechar o país, alguma coisa. O presidente: 'não, não faz isso, não faz isso, porque parar o país é horrível; já tá ruim, vai cair no meu colo o problema econômico'. Então, é tanto que ele gravou um vídeo, sei lá, para parar", emendou.

Hacker no Ministério da Defesa

Ele confirmou, ainda, que Delgatti se encontrou com Bolsonaro no Palácio da Alvorada a pedido da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e que, posteriormente, foi levado ao Ministério da Defesa para se encontrar com um general que fazia parte da Comissão de Transparência Eleitoral.

“QUE o Presidente deu ordem para DELGATTI ir ao Ministério da Defesa em seu próprio nome; QUE o ex-Presidente questionou DELGATTI sobre qual seria a vulnerabilidade da uma eletrônica; QUE o Presidente enviou DELGATTI ao Ministério da Defesa para que ele explicasse qual seria essa vulnerabilidade”, disse o tenente-coronel.

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Mauro Cid afirmou que Bolsonaro “queria que o hacker mostrasse as vulnerabilidades da uma e por onde um hacker poderia invadi-las”.