Ao completar cinco meses desde sua posse no Supremo Tribunal Federal, o ministro André Mendonça tem buscado se firmar entre os pares tentando adotar posições de equilíbrio entre as diferentes alas da Corte e também em relação ao Congresso e ao Executivo.
É o que se depreende de um conjunto de votos e decisões em casos relevantes julgados no período e também na avaliação de observadores ouvidos pela Gazeta do Povo.
Embora em algumas ações e manifestações públicas, Mendonça tenha ficado com a pecha de governista, muito em razão do passado recente de proximidade com Jair Bolsonaro, em alguns processos ele frustrou a expectativa de apoiadores do presidente.
O exemplo mais notório do desapontamento veio do pastor Silas Malafaia, amigo de Bolsonaro e que batalhou pela aprovação de Mendonça durante os mais de quatro meses em que a indicação foi boicotada no Senado, no segundo semestre do ano passado.
“Terrivelmente decepcionado com o ministro André Mendonça, que se rende ao ditador da toga e envergonha o povo evangélico”, disse Malafaia, em referência ao voto pela condenação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) no STF, capitaneada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Diante das críticas, Mendonça adotou ato nunca visto entre ministros: foi às redes sociais justificar seu voto. No Twitter, postou que “como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja”.
Depois, segundo notícias de bastidores, ainda ligou para Bolsonaro para explicar seu voto, no qual propôs uma pena bem mais branda para o deputado, de 2 anos de prisão no regime aberto, em vez dos 8 anos e 9 meses fixados pela maioria do STF.
As posições de Mendonça em relação ao governo
Em outras questões que tocam mais diretamente em interesses do governo, André Mendonça tem tentado manter uma posição intermediária, apontando questões técnicas.
No fim de março, por exemplo, ele foi muito criticado por pedir vista no julgamento de ações de sete partidos de oposição que acusam o governo Bolsonaro de “omissão estatal generalizada e atuação insuficiente” na proteção da Amazônia Legal, o que estaria contribuindo para o agravamento da mudança climática.
Nas semanas anteriores, uma enorme pressão por parte de ativistas ambientais sobre a Corte sinalizava uma decisão dura contra o Executivo por parte dos ministros. Após o voto da relatora, Cármen Lúcia, para obrigar o governo a reforçar a fiscalização do bioma, Mendonça interrompeu o julgamento, alegando que é relator de outras ações quase idênticas, mas que ainda precisam ser instruídas com pareceres do governo e outros órgãos envolvidos.
Depois, chamou a atenção para outros fatores que pesam para a devastação da floresta: obstáculos administrativos que ocorrem desde 2010; ocupação do solo sem registros de posse, o que dificulta a identificação de infratores; omissão dos estados da região; e presença do crime organizado internacional, sobretudo para extração e exportação ilegal de madeira.
Depois, em outros dois julgamentos da chamada “pauta verde”, voltadas à questão ambiental, Mendonça seguiu a maioria em decisões contrárias ao governo, embora menos significativas. Votou, por exemplo, para reincluir ONGs e outras entidades da sociedade civil no conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, que define a alocação de verbas públicas em projetos de preservação. Mendonça também votou pela derrubada de uma medida provisória de Bolsonaro que concedia licença ambiental automática para empresas com atividades de risco médio.
Por outro lado, no último julgamento na seara ambiental, votou contra a maioria do STF, que impôs ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão ligado ao governo, a edição de novas regras para aferição da qualidade do ar – Mendonça disse que tais definições técnicas cabem apenas ao Executivo, não ao Judiciário.
Ao fim e ao cabo, nas ações ambientais, que interessam diretamente ao Executivo (e também ao Legislativo, principalmente na bancada do agronegócio), Mendonça adiou uma decisão provavelmente contrária ao governo, em outras duas votou contra atos de Bolsonaro e, num último caso, pela manutenção de regras em vigor.
Em outro caso mais recente, o ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União decidiu a favor de um pleito do governo Bolsonaro de forma monocrática. Mendonça suspendeu liminarmente parte da política dos estados relacionada à cobrança do ICMS sobre o óleo diesel horas depois de o governo entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Apesar de uma lei complementar aprovada em março prever mudanças na cobrança do imposto para baixar o preço do combustível, uma manobra dos estados via Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) acabou por anular os efeitos da medida. Para a Advocacia-Geral da União (AGU), o movimento é inconstitucional.
Pela nova lei, a cobrança do ICMS sobre combustíveis deve ser feita na forma de um valor fixo por litro, não mais como um porcentual sobre o custo final da compra. Além disso, os estados deveriam estabelecer, no âmbito do Confaz, uma alíquota única do tributo, deixando para trás o modelo anterior, em que cada unidade federativa estabelecia sua taxa.
Em sua decisão, Mendonça considerou "ser patente a violação dos dispositivos constitucionais apontados pelo governo federal, em especial o princípio da uniformidade, em razão do estabelecimento do fator de equalização, previsto na cláusula quarta do Convênio ICMS 16/2022".
O aceno ao Congresso na questão da imunidade
Em seu voto sobre Daniel Silveira, ao contrário da maioria dos outros ministros, que simplesmente aderiu sem maiores questionamentos ao voto de Moraes, Mendonça procurou fazer uma análise mais minuciosa das acusações contra o deputado.
Absolveu-o, por exemplo, do crime previsto na antiga Lei de Segurança Nacional (LSN) de incitar a população a “tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União” – no caso, o Judiciário.
Esse delito foi revogado junto com a LSN, mas, seguindo Moraes, outros oito ministros do STF enquadraram o deputado num novo tipo penal semelhante, de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
A maioria dos ministros considerou que ocorreu, no caso, uma “continuidade típico-normativa”, ou seja, a conduta não deixou de ser criminosa, apenas foi incorporada em outro artigo da lei penal que também pune sua prática.
Mendonça discordou do enquadramento de Silveira no novo tipo. Disse, basicamente, que uma coisa é incitar à tentativa de impedir o livre funcionamento de um Poder, outra é efetivamente impedir ou restringir seu exercício.
“O novo dispositivo tipifica a tentativa de abolir o Estado Democrático a partir de um impedimento ou restrição já ocorridos (ou em curso) contra algum Poder da República. Assim, a chave para interpretação do dispositivo está na sua parte final: ‘(...) impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais’. Em verdade, as falas do Deputado, embora temerárias, não chegaram a, efetivamente, impedir ou restringir o exercício livre do Poder Judiciário. E não há, na denúncia, descrição quanto a impedimento ou restrição que as falas do acusado tenham efetivamente causado a algum Poder da República”, afirmou no voto.
Mendonça foi além e defendeu, no caso de Silveira, uma das prerrogativas constitucionais mais caras aos congressistas, a imunidade parlamentar, segundo a qual deputados e senadores são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Num claro aceno ao Legislativo, disse que Silveira não poderia ser punido por suas palavras.
“Não se está aqui a endossar a forma ou mesmo o conteúdo das manifestações do acusado, seu decoro ou sua adequação, mas se está a delimitar devidamente a questão, a fim de se garantir um bem maior, qual seja, a indispensável imunidade parlamentar como garantia de pilares fundamentais da democracia”, afirmou Mendonça.
No voto, ele apenas condenou Silveira por atos que, segundo ele, extrapolavam as críticas que fez aos ministros e ao STF. Ele entendeu que o deputado deveria ser condenado por falas que, não tendo relação com o mandato, expressavam uma tentativa, ainda que sem sucesso, de se livrar de inquéritos no STF, conduta que caracteriza o crime de “coação no curso do processo”.
Para Mendonça, isso ficou demonstrado nas declarações em que Silveira exortava o povo a agarrar Moraes pelo colarinho e o jogar em uma lixeira; na que falava que, se as coisas continuassem daquela maneira, o STF e a Justiça Eleitoral não iriam mais existir "porque nós não permitiremos"; e na que dizia imaginar o ministro Edson Fachin “levando uma surra”.
“Tais falas não se enquadram no âmbito das opiniões, palavras e votos relacionados à atividade parlamentar”, disse Mendonça, para justificar o afastamento da imunidade neste caso. “Entendo haver a prática de grave ameaça de violência física contra autoridade judicial, bem como grave e indisfarçável manifestação no sentido de que o réu passaria a perseguir Ministros do STF [...] A fala de que o STF e a Justiça Eleitoral não mais iriam existir, está claramente associada a um contexto de ameaça, e não a um debate ideológico ou político”, disse ainda para justificar a condenação por coação no curso do processo.
Ainda que não tenham causado qualquer favorecimento a Silveira, essas palavras, no entender de Mendonça, tinham “essa potencialidade” e houve nelas “nítido o dolo de intimidação”. “Não se exige que os destinatários da violência ou grave ameaça fiquem efetivamente com receio ou se sintam intimidados”, afirmou.
Posição semelhante, restringindo ao máximo as hipóteses de afastamento da imunidade parlamentar, foi reiterada por Mendonça no voto em que rejeitou acusações de injúria e difamação contra o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO). No julgamento, Mendonça disse que xingamentos e insultos proferidos pelo parlamentar contra seus adversários em Goiás, ainda que grosseiras, guardavam relação com o mandato.
“As falas se deram dentro de renhidas disputas por protagonismo político, de validação do próprio discurso, e de ânsia de apresentar aos eleitores postura fiscalizatória combativa e crítica dos adversários partidários quanto à forma de se fazer política e de se conduzir na vida pessoal”, afirmou o ministro. “Não é a grosseria ou deselegância das palavras, o mal gosto, a temeridade ou mesmo a não veracidade delas, que afasta a imunidade. Ainda que as manifestações sejam de extremo mau gosto ou mesmo temerárias podem estar protegidas”, completou depois.
Ainda assim, Mendonça acabou vencido, uma vez que Gilmar Mendes, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski tornaram Kajuru réu, por não verem nas falas dele ligação com o mandato de senador.
Ao final do voto, Mendonça arrematou deixando claro que, se em qualquer manifestação suspeita de um parlamentar, houver qualquer possibilidade de ligação dela com o mandato, há de se inocentá-lo pelo princípio do in dubio pro reu (na dúvida, a favor do réu), para “que se prestigie a independência entre os Poderes e a própria razão de existir da imunidade parlamentar”.
Posição dividida também na Lava Jato
Foco de maior apreensão no mundo político durante o período em que Mendonça ficou na geladeira do Senado, sua posição sobre a Lava Jato dentro do STF ainda gera dúvida.
A decisão mais importante dele quanto à operação foi o recente voto pela absolvição do ex-senador Valdir Raupp (MDB-RO). Ele já havia sido condenado em 2020 pela Segunda Turma do STF por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de receber R$ 500 mil em 2010 para apoiar a manutenção no cargo do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
No fim de abril, porém, Mendonça juntou-se a Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques para reverter a condenação no julgamento de um recurso. Considerou que havia recibo do pagamento da quantia ao diretório do MDB em Rondônia por parte da construtora Queiroz Galvão e, por isso, tratar-se-ia de uma doação eleitoral, não de propina.
“Ausentes dos autos contundentes elementos externos às colaborações que as ratificassem no sentido de comprovar efetivamente o ‘pacto do injusto’ entre os envolvidos, isto é, o elemento subjetivo de dolo do réu Valdir (e sua assessora) de pedir e receber valores para, como contrapartida, tentar auxiliar na manutenção de Paulo Roberto Costa na Petrobras”, afirmou Mendonça em seu voto. Raupp se livrou de uma pena de 7 anos e 6 meses de reclusão.
Anteriormente, porém, Mendonça havia acenado à ala do STF, hoje minoritária, que ainda tenta defender o que resta da Lava Jato. Em fevereiro, votou contra a proibição de uso das provas entregues pela Odebrecht, em seu acordo de leniência, numa ação que ainda restava contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mendonça seguiu o relator da operação, Edson Fachin, mas ambos perderam para Gilmar Mendes, Lewandowski e Nunes Marques, que entenderam que a atuação do então juiz Sergio Moro, anteriormente declarado parcial, contaminou o acordo.
Em março, Mendonça evitou, ao menos por ora, uma dura derrota da Lava Jato. Na mesma Segunda Turma, pediu vista num julgamento que caminhava para anular uma pena de 8 anos a que havia sido condenado o ex-ministro petista José Dirceu.
Lewandowski queria declarar a prescrição do caso, por considerar que a contagem do tempo de um crime de corrupção parte do pedido de propina (no caso de Dirceu, em 2009) e não do último pagamento do suborno (2012). Mendonça disse que uma decisão nesse sentido poderia anular uma série de outras condenações e pediu mais tempo para analisar a questão.
Ainda em março, Mendonça votou com Fachin contra um pedido do empresário Fernando Moura, apontado como lobista e operador de propinas do PT dentro da Petrobras, para retirada da tornozeleira eletrônica. Alegou que ele não agiu com lealdade ao mentir em sua delação premiada e não devolver R$ 5 milhões, como havia prometido no acordo. Mendonça acabou vencido nesse caso pelo trio Gilmar, Lewandowski e Marques.
No mesmo dia, porém, acabou vencendo, ao votar contra o trancamento de uma ação penal de David Muino Suarez, um espanhol, ex-vice-presidente do banco suíço BSI, que foi condenado por lavar US$ 21,7 milhões de propina, oriunda da compra de um campo de petróleo no Benim pela Petrobras – um dos condenados por corrupção nesse esquema foi o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB).
A defesa de Suarez queria enterrar o caso com o argumento de que os crimes não foram cometidos no Brasil e, por isso, ele não poderia ser processado pela Justiça brasileira. Junto com Fachin, Mendonça rebateu a tese e ganhou adesão dos demais ministros.
“Embora se encontrasse na Suíça, a movimentação dos valores aconteceu a partir de ordens originadas do Brasil. A abertura das contas teve início a partir de acordos entabulados no Brasil. Isso nos dá tranquilidade necessária para acompanhar o ministro Edson Fachin”, disse na sessão.
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