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Apesar de manter diálogo com o grupo de presidenciáveis de centro na busca de uma candidatura única para a disputa presidencial de 2022, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) segue num sentido oposto em relação aos dois pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas. Assessorado por João Santana, marqueteiro que já trabalhou com petistas, Ciro tem apostado em subir o tom das críticas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
João Santana foi responsável pela campanha de reeleição de Lula, em 2006, e pela estratégia de comunicação das duas eleições de Dilma Rousseff, em 2010 e 2014.
Segundo aliados de Ciro, a avaliação é de que, se o pedetista se posicionar como terceira via de forma antecipada, terá mais chances de chegar ao segundo turno na disputa.
O que Ciro Gomes falou sobre Lula
Na segunda-feira (17), em entrevista publicada pelo jornal Valor Econômico, Ciro criticou tanto Lula quanto Bolsonaro. “Eu vou pra cima dele [Lula], é o maior corruptor da história brasileira”, disse.
Lula respondeu as críticas de Ciro sem citar diretamente as acusações. “Eu adoraria dizer que o Ciro é um amigo, mas infelizmente ele não quer. Ele quer brilhar e só gosta dele mesmo. Mas nunca passou de 12% numa pesquisa. Não farei jogo rasteiro”, afirmou o ex-presidente em entrevista à Rádio Folha de Pernambuco.
Antes da entrevista ao Valor, Ciro Gomes havia publicado um vídeo em seu perfil do Twitter no qual fez outras críticas a Lula. A gravação chegou a ficar entre os assuntos mais comentados na rede social, o que foi comemorado por aliados do pedetista.
“Eu gostaria que você tivesse paciência de escutar coisas que não está acostumado. Uma delas: o governo Lula deu pouco aos pobres e muito aos ricos. #VerdadesobreLula”, escreveu Ciro na legenda do vídeo. Na gravação, Ciro disse que o governo de Lula deu “pouco para os pobres” e “muito para os ricos”. “É preciso um novo modelo que crie oportunidades de verdade para os pobres e para a classe média.”
A publicação causou reação do PT. O perfil oficia do partido em São Paulo ironizou o fato de Ciro ter feito parte da equipe de Lula no primeiro mandato, como ministro da Integração Nacional: “Pra quê isso, Ciro? Você fez parte do governo Lula, foi ministro”.
A publicação também chamou atenção de alguns perfis bolsonaristas, que aproveitaram a gravação para atacar o governo petista. O deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) chegou a compartilhar a postagem, concordando com Ciro. “Governo Lula não ajudou os pobres, beneficiou apenas alguns empresários que mantinham relações espúrias com seu governo”, afirmou.
Em outra frente, Ciro Gomes ataca Bolsonaro
Além de antagonizar com Lula no campo da esquerda, Ciro Gomes também tem apostado nas críticas ao presidente Jair Bolsonaro como forma de adensar novos apoiadores.
Na mesma entrevista ao Valor em que chamou Lula de "corruptor", Ciro afirmou que Bolsonaro está "derretendo", numa referência à queda de popularidade do presidente.
Durante ato virtual do dia Internacional do Trabalhador, em 1.º de maio, o pedetista criticou o bolsonarismo é uma "tragédia" e que é resultado de uma série de equívocos especialmente na área econômica, política e moral.
“Só sairemos mais rápido dessa tragédia se todos nos unirmos na busca das melhores soluções para o Brasil. Não podemos nos enganar. Só chegamos ao ponto em que chegamos porque os sucessivos fracassos de modelo econômico, modelo político e práticas morais nos arrastaram para essa tragédia odienta chamada bolsonarismo”, disse o pedetista.
Pedetista quer se aproximar do setor produtivo
Aliados do pedetista admitem que a estratégia de Ciro Gomes em avançar nas críticas a Lula e a Bolsonaro tem como foco a parcela do eleitorado que não pretende votar nem no petista tampouco no atual presidente.
Pesquisa eleitoral Exame/Ideia, divulgado no fim de abril, mostrou que 27% dos brasileiros apostam em uma candidatura de terceira via. De acordo com a pesquisa, Lula aparece na liderança com 33% das intenções de voto. Empatado tecnicamente com o petista, Bolsonaro tem 32%. Ciro Gomes teria 9%, na terceira colocação.
Segundo interlocutores do PDT, a estratégia de Ciro Gomes também prevê que ele vai se posicionar sobre assuntos econômicos para atrair novas alianças e apoios, especialmente do setor produtivo. Como a Gazeta do Povo mostrou, o pedetista é o nome que mais diverge entre os presidenciáveis de centro na área econômica e por isso desagradaria parte do mercado financeiro.
Como forma de aceno a empresários, Ciro Gomes tem defendido que os projetos de reforma tributária que estão em tramitação no Congresso seriam insuficientes para atender o mercado. Durante debate com o setor no último mês, o pedetista afirmou que o Brasil vive a “pior hora, sob o ponto de vista fiscal e por isso seria inadiável” uma reforma mais ampla.
Ingresso de João Santana pode custar o apoio de Marina Silva
Até então apoiadora declarada da candidatura de Ciro Gomes, a ex-senadora Marina Silva (Rede) sinaliza que pode deixar a aliança por causa do ingresso do marqueteiro João Santana na campanha do pedetista.
Marina alega que Santana, que foi preso pela Operação Lava Jato, “representa a antítese do debate, é a política vista como um produto a ser vendido a qualquer custo e sem limite ético”. “Digo isso com conhecimento de causa por ter sido vítima desse tipo de estratégia em 2014, em ataques do PT, produzidos e operacionalizados por Santana. Portanto, jamais cometeria a incoerência de aceitar trabalhar com ele”, alegou Marina Silva por meio de nota.
Candidata à presidência em 2014 pelo PSB, Marina Silva liderava as pesquisas de intenções de votos quando virou alvo de propagandas produzidas por Santana, que na época fazia a comunicação da campanha de reeleição da então presidente Dilma Rousseff. Um dos vídeos do horário eleitoral a petista falava sobre a proposta de Marina de promover a independência formal do Banco Central. No vídeo, a consequência era a retirada de comida da mesa de trabalhadores. Marina acabou em terceiro lugar na eleição e não foi para o segundo turno.
Metodologia da pesquisa citada na reportagem
A pesquisa Exame/Ideia ouviu 1.200 pessoas entre os dias 19 a 22 de abril por telefone. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.