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Depois de amargar a oitava posição na disputa presidencial de 2018 quando recebeu apenas 1% dos votos, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva ainda não se dá por vencida. Agora, ela faz campanha pela candidatura de Ciro Gomes (PDT) para as eleições de 2022. O apoio de Marina é a primeira sinalização pública que o pedetista recebe no campo da esquerda, onde ambos buscam isolar o PT.
Segundo interlocutores, a relação entre Ciro e Marina começou a se estreitar no ano passado durante articulações para as eleições municipais. Na época, o pedetista buscou compor alianças com a Rede, sigla criada pela ex-senadora, no intuito de fortalecer as candidaturas de centro-esquerda em algumas regiões.
No pleito municipal, além do PDT de Ciro e da Rede de Marina, a frente de alianças era composta por outras siglas como PSB, PV e Cidadania. Passada a disputa municipal, todos esses partidos buscam agora viabilizar uma candidatura de terceira via para enfrentar o candidato do PT, possivelmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente Jair Bolsonaro, que irá tentar a reeleição em 2022.
Trabalhando para ser esse nome da terceira via, Ciro Gomes tem apostado nessas alianças de forma que não sobrem brechas para o crescimento de outro nome da esquerda. O pedetista acredita que, derrotando o PT no primeiro turno, terá condições de vencer Bolsonaro em um segundo turno.
“Ele (Ciro Gomes) está fazendo esse diálogo maior, que não é em torno do nome, mas do projeto. O pior dos mundos é criar a velha polarização que existia, entre PT e PSDB, e deixar o tempo todo o brasileiro em terceiro. Agora seria a velha polarização, mas entre Bolsonaro e Lula ou PT”, afirmou Marina Silva ao jornal O Estado de S. Paulo.
Presidente nacional do PDT, o ex-deputado Carlos Lupi afirma que o apoio de Marina é muito bem-vindo. “A Marina tem um prestígio na sociedade e esse apoio é consequência das conversas que estamos tendo ao longo desse período [com integrantes da centro-esquerda] e que agora estão sendo intensificadas”, explicou.
Apoio de Marina a Ciro exerce pressão sobre Huck
Nos bastidores, as declarações de Marina Silva em favor de Ciro Gomes são interpretadas como uma forma de pressionar os demais partidos de centro-esquerda. Enfrentando dificuldades com a cláusula de barreira, a Rede chegou a estudar uma fusão com o PV e o Cidadania, no entanto, a proximidade dessas duas siglas com o apresentador de TV Luciano Huck acabou afastando essa possibilidade.
“Essa sinalização da Marina Silva logo depois de descartar qualquer possibilidade de fusão da Rede com outros partidos é uma forma de pressionar pelo nome do Ciro. Enquanto a candidatura dele vem ganhando espaço, outros partidos como o PSB, PV e Cidadania ficam à espera das escolhas de Luciano Huck, e isso é ruim”, admitiu um integrante do PSB.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Marina afirmou ver com bons olhos o crescimento do apresentador de TV. “É importante que tenha surgido o nome do Luciano e que um jovem de sucesso como apresentador tenha a intenção de contribuir com o processo político do Brasil. Eu advogo a renovação da política não só no discurso, mas também dos quadros", disse.
Ela, porém, analisa que as alianças em torno de uma eventual candidatura Huck são frágeis. "Acho que ele tem alguns problemas claros a serem enfrentados. A fragilidade da articulação em torno da qual a mídia está falando que ele está, com o DEM e o PSDB. O DEM na eleição da (presidência) da Câmara foi para o Bolsonaro. O PSDB tem o Doria. Tem aí um desafio muito grande. Ele (Huck) precisa refletir muito”, afirmou a ex-senadora.
Articulação de Ciro ocorre com todos os partidos, diz Lupi
Carlos Lupi afirma que a interlocução do PDT vem ocorrendo com todos os partidos e de forma pacífica. “A conversa, a gente mantém com todos, mas cada sigla tem seu tempo e a sua avaliação sobre 2022”, disse.
Nesse campo, Ciro Gomes tem inclusive mantido contatos com Luciano Huck. Além da centro-esquerda, o pré-candidato do PDT também faz acenos para outros partidos da centro-direita como o PSD, o PSDB e o DEM. Na disputa municipal, por exemplo, o partido de Ciro compôs chapas vitoriosas em Aracaju (com PSD na coligação), Salvador (com DEM) e Natal (com PSDB).
"Quero sinalizar minha vontade de alargar o diálogo, porque o Brasil necessita de um novo consenso. E aí aparece o DEM, com todas as suas contradições internas e comigo, e o PSD, com contradições mais comigo do que internas. E daí? Quero que isso seja feito à luz do dia, de forma transparente”, afirmou Ciro em entrevista à Folha de S.Paulo.
Fator Lula embola negociações
Apesar das articulações e sinalizações de Ciro e do PDT, a possibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se candidatar mexeu com o jogo político no campo da esquerda, admitem interlocutores desse campo. Lula retomou seus direitos políticos após seus processos na Lava Jato de Curitiba serem anulados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Nesse momento todo o xadrez será reorganizado. O fator Lula é diferente do fator PT. Ele tem um peso muito forte e disse que está disposto a dialogar. Novas possibilidades e alianças poderão se desenhar. Não podemos descartar nada”, admite um integrante da Rede.
Mais resistente, Ciro Gomes já sinalizou que não pretende abrir mão de sua candidatura para apoiar o ex-presidente petista. Em entrevista à revista IstoÉ, o pedetista afirmou que o processo eleitoral se mantém aberto e que não acredita na polarização “Bolsonaro-Lula”.
Lula e Ciro estão rompidos desde as eleições presidenciais de 2018, quando o pedetista acabou se isentando na disputa de segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. Lula e Ciro chegaram a ensaiar uma reconciliação no final do ano passado, mas as conversas não foram retomadas.
No primeiro pronunciamento após a decisão do STF, Lula afirmou que “ainda não tinha cabeça para 2022”, entretanto, admitiu que estava aberto a conversar e tentar formar uma frente de esquerda. Mesmo assim, rebateu críticas feitas por Ciro Gomes.
“O Ciro Gomes precisa assumir a responsabilidade que ele é um homem de 64 anos de idade, ele não pode falar as meninices que achava que era engraçado quando era jovem. Se ele quer ser presidente, ele tem que aprender uma coisa: tem que respeitar as pessoas. Ele não vai ter apoio da esquerda, não vai ter a confiança da direita e vai ter menos votos que ele teve na eleição [passada]”, criticou Lula.