A imposição de cláusula de barreira e o financiamento público continuam produzindo profundas mudanças no quadro partidário do país. Agora, até mesmo o partido Novo está considerando uma flexibilização de dois dos pilares de seu estatuto, que o tornam distinto das demais agremiações: o autofinanciamento e o trabalho voluntário.
Sem recursos para estrutura partidária no Congresso, consequência de não ter atingido a cláusula de barreira nas eleições do ano passado, a ideia do Novo é flexibilizar a regra relacionada à abdicação do fundo partidário para usar os rendimentos dos valores recebidos do Tesouro e que nunca foram gastos desde a fundação do partido, em 2011, pois vinham sendo integralmente depositados em juízo. O dinheiro passaria então a ser sacado mensalmente para custear a legenda e remunerar (profissionalizar) seus dirigentes.
A decisão a ser tomada pela Executiva Nacional do Novo, além dos presidentes e vices dos diretórios estaduais, acerca do começo ou não do uso recursos públicos a que tinha direito reflete a nova realidade partidária do país e a preocupação com as eleições futuras.
O partido que elegeu oito deputados em 2018, assistiu ao recuo deste número para três no ano passado. Sem ter superado a cláusula de barreira, o partido foi excluído do fundo e perdeu estrutura legislativa de cargos e gabinetes de liderança.
Devido às restrições atreladas ao desempenho eleitoral, 14 das 31 partidos em atividade, entre as quais o Novo, não terão mais, a partir deste mês, acesso aos recursos dos fundos partidário e eleitoral e à propaganda partidária.
Pela lei, para continuar utilizando os recursos, eles precisariam ter obtido no último pleito ao menos 2% dos votos válidos em todo o país, com no mínimo 1% da votação em nove estados ou, ainda, a eleição de ao menos 11 deputados federais distribuídos em nove estados.
Sem acesso aos recursos do fundo e outros do próprio Parlamento, restritos aos partidos que superaram a cláusula de desempenho ou se refugiaram em federações, restou ao Novo debater uma questão de natureza quase existencial, que é a vedação ao uso de dinheiro público.
“O contexto político e eleitoral mudou muito desde quando o partido foi fundado. O fundo partidário aumentou consideravelmente, as doações de pessoas jurídicas foram proibidas, as doações de pessoas físicas foram limitadas, e o fundo eleitoral, que sequer existia, corresponde hoje a quase R$ 6 bilhões”, ponderou o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro.
Ele reconhece que essas mudanças tiveram impacto gigantesco nas últimas eleições, o que levou as lideranças do Novo a refletirem sobre “qual grau de competitividade” o partido quer ter.
Quanto à profissionalização dos dirigentes, o líder acrescenta que não se trata de tema recente nos debates internos e tem apoio de boa parte dos seus membros.
“Essa é uma questão partidária que está sendo conduzida pelos nossos dirigentes, que já debateram bastante sobre o assunto e caminham para uma decisão”, disse Eduardo Girão (CE), o único senador do partido, à Gazeta do Povo. Girão era filiado ao Podemos e migrou para o Novo no início de fevereiro.
Outro nome de destaque da legenda, o deputado Marcel Van Hattem (RS) disse ser contrário ao uso do financiamento público e promete seguir coerente com a norma original. O estatuto do partido, porém, impede a participação dos detentores de mandato nas decisões da convenção.
A possibilidade de uso dos recursos do fundo partidário foi criticada por João Amoêdo, ex-presidente do Novo que deixou a legenda em novembro de 2022, depois de ser alvo de críticas internas ao anunciar apoio a Lula no segundo turno da última eleição presidencial.
Por meio das redes sociais, Amoêdo atribuiu o desempenho eleitoral do Novo nas últimas eleições ao trabalho da atual gestão do partido e à tentativa de aproximação com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "Sem identidade, sem relevância e com poucos filiados, resta trazer políticos insatisfeitos com seus partidos e usar dinheiro público, obtido em gestões anteriores", afirmou.
A filiação de Amoêdo à legenda está suspensa liminarmente desde outubro de 2022 por decisão da Comissão de Ética Partidária (CEP) do Novo. O motivo foi a declaração de apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições 2022. O pedido de expulsão feito pelo deputado Marcel Van Hattem ainda será julgado pela sigla.
Efeitos da cláusula de barreira
O advogado especialista em Direito Eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos entende que a adoção da cláusula de barreira já trouxe como efeito prático a redução no número de partidos em atividade no cenário político. Ele acredita que a mudança também vai facilitar a fiscalização das legendas e qualificar melhor os nomes escolhidos como candidatos.
Para Mayer, com menos legendas, os governos municipal, estadual e federal terão mais facilidade em negociar com as bancadas dos respectivos legislativos. “O hiperpartidarismo é danoso à democracia e essa cláusula, com pequenas variações nominais, já vem sendo adotada pela maioria dos sistemas eleitorais democráticos”, pondera.
Segundo outros analistas, o sistema político continuará a ser orientado pela captura e crescente dependência de recursos públicos, consolidando as mudanças trazidas pela minirreforma eleitoral de 2017. Com a proibição do financiamento privado e o enxugamento programado de legendas com assento no Congresso, os caciques políticos exercem pressão ainda maior sobre a agenda do governo e o Orçamento da União.
Os candidatos a cargos legislativos e os partidos políticos passaram por um teste no pleito de 2022, que definiu quais legendas sobreviveriam em razão da cláusula de barreira e da vedação das coligações. As emendas do relator no orçamento secreto entraram na equação como variável externa ao sistema de financiamento eleitoral, favorecendo candidatos de partidos diferentes.
O arranjo das federações foi insuficiente para conter fusões e migrações partidárias, como a do União Brasil, mas também vem sendo usado para fortalecer blocos dominantes. A aproximação de PP e União deu, por exemplo, mostra do esforço para obter protagonismo em verbas, proporcionais ao tamanho das bancadas na Câmara.
A estratégia por consolidar poder na Câmara ficou cristalizada com a esmagadora vitória de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência, com 464 dos 513 votos do plenário. O resultado das votações para romper o teto de gastos e o caráter multipartidário de favorecidos por verbas com pouca transparência ou advindas de irresponsabilidade fiscal também sinalizam para um novo sistema político brasileiro.
Como resultado prático dessas mudanças, a política nacional vem cedendo ao jogo dos líderes partidários, baseado em regras contábeis, cálculos de viabilidade eleitoral e acirrada briga por recursos federais adicionais.
Essa lógica deve se aprofundar com as regras da barreira para a próxima eleição geral, em 2026, quando subirá para 2,5% dos votos válidos, com mínimo de 1,5% em pelo menos nove estados ou 13 deputados distribuídos por nove unidades da federação.
Um ex-deputado federal gaúcho, que desistiu de buscar novo mandato ano passado, justificou a sua decisão com o seu desencanto diante dos rumos da política. Segundo ele, a briga pelo poder em torno de ideais ou projetos de país deu lugar à lógica de se somar o que cada sigla poderá conquistar a partir de fundos públicos e emendas ao Orçamento.
PL recupera direito de acessar maior fatia do bolo partidário
A divisão dos recursos via partidos políticos segue a proporção da bancada de deputados federais, considerando a eleição anterior, no caso mais recente a de 2018. Assim, a estratégia de partidos é a de ampliar suas bancadas, para que se fortaleçam e tenham mais recursos à frente.
O valor do fundo partidário em 2023 é de quase R$ 1,2 bilhão. Terão direito às parcelas mensais 17 legendas. Após eleger 99 deputados federais, o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, ficou com a maior fatia neste ano: R$ 205,8 milhões. Em seguida, veio o PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou mais de R$ 152,9 milhões. Em terceiro lugar, a União Brasil, com R$ 121,4 milhões. Depois desses, os mais beneficiados são PP, Republicanos, MDB, PSD, PSB e PSOL.
O PL estava impedido de acessar o fundo após ter recebido uma multa do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, por litigância de má-fé ao questionar votos depositados em parte das urnas no segundo turno das eleições. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, autorizou o pagamento da multa de R$ 22,9 milhões. No último dia 17, Moraes confirmou a quitação e determinou a liberação do saldo remanescente em contas partidárias da legenda que estava bloqueado, assim como o repasse mensal do fundo partidário.
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