O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, nesta terça-feira (28), abrir um processo disciplinar e afastar do cargo o juiz federal Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro e responsável pelos processos da Operação Lava Jato no estado. O procedimento foi instaurado por unanimidade entre os 15 integrantes do CNJ, e o afastamento aprovado por 12 deles, com 3 votos contrários.
A decisão foi tomada numa sessão secreta. Antes do início da análise, o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso e corregedor-nacional de Justiça, disse que algumas acusações fazem parte de delações premiadas sigilosas e, por isso, não poderiam ter trechos divulgados publicamente.
Bretas é alvo de representações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Corregedoria Nacional de Justiça e do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD-RJ). As acusações da OAB são as mais abrangentes e foram apresentadas ao CNJ em junho de 2021, em reação a uma investigação autorizada por Bretas em 2020 que mirou 26 advogados de elite, que atuam principalmente em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, e suspeitos, à época, de tráfico de influência em tribunais superiores.
A OAB acusa Marcelo Bretas de, na condução de vários processos da Lava Jato, “negociar penas, orientar advogados e combinar estratégias com o Ministério Público, em descumprimento aos deveres de imparcialidade, tratamento urbano com as partes, desrespeito às prerrogativas dos advogados”.
Boa parte das acusações tem como base o acordo de delação premiada do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, que defendia alguns réus em processos conduzidos por Bretas. Alguns desses réus diziam que Nythalmar agia sob orientação de Bretas, mas que, depois, passou a acusá-lo após ser, ele mesmo, alvo de uma busca e apreensão. Ele negociou um acordo de delação na Procuradoria-Geral da República (PGR), para denunciar supostas irregularidades do magistrado.
Marcelo Bretas nega todas essas acusações e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) já disse que as imputações contra o juiz fazem parte de um movimento “orquestrado por alguns detentores de poderes político e econômico, atingidos por investigações” de corrupção.
A decisão do CNJ representa mais um revés contra a Lava Jato do Rio de Janeiro, que investigou, entre outros casos, o esquema de corrupção montado pelo ex-governador Sergio Cabral, condenado a mais de 400 anos de prisão, e solto recentemente; desvios da Eletronuclear, principalmente das obras de retomada da construção das usinas de Angra dos Reis; além de rede de lavagem de dinheiro e evasão de divisas com o envolvimento de 47 doleiros.
Quais as acusações da OAB e o que alega Bretas
A OAB apontou, em sua representação, uma série de suspeitas sobre a atuação de Bretas na condução das ações da Lava Jato, envolvendo o ex-governador Sergio Cabral e sua mulher, Adriana Anselmo; o prefeito do Rio, Eduardo Paes; o empresário Fernando Cavendish; e dezenas de advogados investigados, em 2020, na Operação E$quema S.
A representação da OAB tem como base uma reportagem da revista Veja, publicada em junho de 2021, com detalhes da delação de Nythalmar. Para comprometer Bretas, o advogado disse ter uma gravação em que conversa com o juiz e um procurador da República em 2017 para tratar da delação de Cavendish. No diálogo, o juiz teria dito que poderia aliviar a pena do empresário, sendo que a lei proíbe que o magistrado negocie o acordo. Bretas nega participação, e diz que na época, ligou para o procurador a pedido do advogado, que teria se queixado por causa de uma demora na formalização da colaboração.
Com base nas acusações de Nythalmar, a OAB ainda acusa Bretas de atuar para livrar Adriana Anselmo de investigações por corrupção. O advogado diz que, em 2018, procurou o juiz “a pedido do filho de Cabral”, para poupar a ex-primeira-dama. Bretas teria acertado detalhes com um procurador e o acerto envolveria que Adriana e o filho abririam mão de bens. Sobre isso, Bretas diz que “reunião, acordo ou conversa nesse sentido jamais existiu”.
A OAB também acusa Bretas de divulgar depoimento de Alexandre Pinto, um ex-assessor de Eduardo Paes, para prejudicá-lo na disputa eleitoral pelo governo do Rio de Janeiro, em 2018. No depoimento, Pinto acusava o prefeito de fraudar licitações e receber propina. O juiz diz que o depoimento foi tomado em audiência pública.
Outra acusação da OAB diz que Bretas teria tentado transferir de São Paulo para sua vara, no Rio, a investigação contra Paulo Preto, ex-diretor da Dersa. Segundo a OAB, o objetivo seria “conseguir um elo entre o investigado e o ministro Gilmar Mendes, por razões políticas. O intuito da ‘manobra’ seria, além de constranger o ministro, a mudança de jurisdição e a escolha de um novo relator para os casos da Lava Jato no Rio de Janeiro”. Bretas nega e diz que partiu da Justiça Federal de São Paulo a decisão de transferir o caso para o Rio.
Gilmar Mendes é o relator da Lava Jato do Rio no Supremo Tribunal Federal e já fez diversas críticas à atuação de Marcelo Bretas na condução da operação no estado.
Em 2020, a pedido da OAB, o ministro suspendeu ações penais, abertas por Bretas, contra dezenas de advogados famosos em Brasília, no Rio de Janeiro e São Paulo, investigados por suposto desvio de ao menos R$ 151 milhões da Fecomércio.
Entre os advogados estariam Cristiano Zanin, que defende o presidente Luiz Inácio Lula da Silva; Frederick Wassef, que trabalha para a família do ex-presidente Jair Bolsonaro; além de filhos de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A investigação tratava do suposto recebimento de recursos da entidade com a hipotética finalidade de influenciar julgamentos nos tribunais superiores de Brasília.
Em agosto de 2021, a Segunda Turma do STF anulou toda a investigação, batizada de Operação E$quema S, por considerar que Bretas não tinha competência para analisar o caso. Ela foi transferida para a Justiça Estadual do Rio de Janeiro.
No CNJ, a OAB acusa Bretas de violar prerrogativas dos advogados ao autorizar busca e apreensão em seus escritórios e residências, em 2020.
A OAB pediu o afastamento de Bretas em junho de 2021, após a revista Veja publicar reportagem com as denúncias de Nythalmar. Na época, a então corregedora-nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, que é ministra do STJ, rejeitou o pedido. Afirmou que faltavam provas robustas de todas as acusações. O processo agora está sob a responsabilidade do ministro do STJ Luís Felipe Salomão, hoje titular do cargo de corregedor-nacional. No ano passado, ele mesmo determinou uma correição na vara de Bretas, para averiguar as suspeitas.
Em 2021, quando a representação da OAB contra Bretas foi apresentada ao CNJ, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) defendeu a atuação do magistrado.
“A entidade manifesta ainda sua preocupação com as sucessivas tentativas de atacar e desqualificar o trabalho que vem sendo feito por Juízes e Juízas Federais em todo Brasil contra a corrupção. A Ajufe entende, no entanto, que esse movimento vem sendo orquestrado por alguns detentores de poderes político e econômico, atingidos por investigações. A Ajufe espera que as acusações sejam apuradas rigorosamente e que os fatos sejam esclarecidos dentro da legalidade e com total transparência. O Juiz Federal Marcelo Bretas, que é titular da 7ª vara federal do Rio de Janeiro, refuta, de forma veemente, todas as ilações e inverdades desferidas pelo advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho contra a sua reputação”, disse, em nota.
CNJ mantém punição a Bretas por participar de evento com Bolsonaro
No final da sessão, em julgamento aberto, os conselheiros rejeitaram um pedido de Marcelo Bretas para anular a pena de censura imposta a ele em 2020, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), pelo fato de ter participado, em fevereiro daquele ano, de eventos de caráter político e religioso no Rio com o então presidente Jair Bolsonaro e o ex-prefeito Marcelo Crivella. A punição impediu que ele fosse promovido na carreira pelo período de um ano.
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