O ministro do STF, Alexandre de Moraes| Foto: Carlos Moura/SCO/STF
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), poderá bloquear contas bancárias e impedir transações envolvendo bens de uma pessoa – como carros e imóveis – quando começar a aplicar as multas pelo uso do X, dentro do Brasil, durante o período de suspensão da plataforma. Medidas como essa já foram determinadas por ele em outros casos em que investigados descumpriram suas ordens judiciais, inclusive de acesso a redes sociais.

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Em um dos casos notórios em que atuou com maior rigor, o ministro mandou bloquear as contas e recolher todos os valores que fossem encontrados nos bancos em nome da mulher de um réu – no caso, o ex-deputado federal Daniel Silveira, cuja mulher, Paola, foi atingida, a partir da informação, prestada por um banco, de que ele havia transferido para ela dinheiro que seria recolhido para quitar multas que ele recebeu por desligar a tornozeleira eletrônica.

“A conduta de Paola da Silva Daniel objetivou colocar obstáculos à ação do Supremo Tribunal Federal, autoridade competente, para a cobrança das multas impostas a Daniel Lúcio da Silveira”, escreveu o ministro na decisão de agosto de 2022. Em razão disso, ele apontou que ela também teria cometido crime.

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"A conduta de Paola da Silva Daniel, ao auxiliar o réu e investigado a subtrair-se à autoridade pública, pode configurar, em tese, o crime de favorecimento pessoal previsto no art. 348 do Código Penal (Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão).”

Além de recolher dinheiro de Paola para pagar as multas de Daniel Silveira, Moraes ainda impôs nova multa diretamente a ela, de R$ 15 mil por dia, ao constatar que o então deputado havia usado perfis dela nas redes para criticar Moraes numa postagem de campanha – o ministro havia proibido que ele publicasse “ataques” aos ministros do STF.

Advogados que já lidaram com as cobranças de multa por parte de Moraes na Corte queixam-se de um rigor excessivo, que mal dá às partes a possibilidade de contestar a medida.

“Não tem ampla defesa. Você sequer é notificado, ele já manda bloquear a conta logo e quando acontece, ele manda depois manda a PF te notificar, e aí já não tem como fazer nada”, diz Paulo César Faria, advogado de Silveira, que também chegou a ser multado por Moraes por apresentar muitos recursos contra suas decisões na ação penal do deputado.

Além de esvaziar a conta bancária, Moraes também pede aos bancos e instituições financeiras informações sobre valores em poupança ou investimento. Quando não há saldo suficiente, ele costuma lançar mão da indisponibilidade de bens, que podem incluir carros e imóveis. Com essa ordem, a pessoa fica impedida de vender o bem. “Em alguns anos esse bem vai a leilão”, diz Paulo Faria, acrescentando que objetos menores também podem ser apreendidos.

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No caso de imóvel, se ficar provado que se trata do único local para residência do indivíduo, a venda não pode ser realizada pela Justiça, segundo o entendimento predominante na Justiça.

Instância para reclamar das multas de Moraes não tem revertido decisões do ministro

Tudo isso está previsto Código de Processo Civil, mas a crítica recorrente a Moraes é que, na Justiça comum, para serem decretadas, essas medidas são amplamente discutidas ao longo de um processo à parte – de execução de título – e no qual a parte tem diversas oportunidades de contestar e se defender, não só ao próprio juiz, mas a uma instância superior.

No caso de Moraes, a instância superior é a Primeira Turma do STF, da qual ele faz parte e que nunca reverte suas decisões nos inquéritos que envolvem “fake news”, “atos antidemocráticos”, “ataques às instituições”, entre outros.

No atual caso do X, o acesso no Brasil à plataforma por meio de “subterfúgios tecnológicos” – via VPN (ferramenta que permite acessar sites bloqueados), por exemplo – já sujeita a pessoa à multa diária de R$ 50 mil. Na semana passada, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), Moraes mandou a Polícia Federal investigar quem burlou a proibição.

Multa para "discurso de ódio"

A PGR propôs que sejam multados apenas quem postou no X,de forma reiterada, mesmo após notificação, manifestações que expressem “discurso de ódio” ou com "maliciosas inverdades". Ainda não está claro o que exatamente poderá ser enquadrado nessas categorias. Pode incluir críticas duras ao STF e a Moraes, e também publicações que envolvam as eleições e o TSE.

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No pedido de apuração, a PGR recomendou que, inicialmente, usuários que tenham postado conteúdos assim sejam notificadas da proibição dessa conduta e, se repetirem publicações do tipo, aí sim seja aplicada a multa, sempre por decisão de Moraes.

"Constitui explícito acinte à autoridade da deliberação do STF postar na plataforma banida materiais repulsivos à liberdade de expressão, ao regime democrático e à dignidade das pessoas, sobretudo no período eleitoral, para serem adiante divulgados alhures para fins de insistência em discurso de ódio e que pode indicar a divulgação de maliciosas inverdades" diz trecho do pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet.

"A situação indica a oportunidade de monitoramento pela PF desses casos extremados, para que, identificado o usuário, seja, em um primeiro momento, notificado da decisão da Corte, dando margem a que, mantido ou reiterado o comportamento, a multa referida no acórdão seja aplicada", continua Gonet.

O mero acesso à rede, sem postagens, dificilmente levará à multa, em razão da dificuldade técnica para descobrir todos que entraram na plataforma de forma oculta, com VPN.

Legalidade da multa é questionada

Advogados que acompanham o caso e já conhecem a forma como Moraes atua em seus inquéritos, no entanto, veem problemas não apenas na forma de cobrança, mas na própria legalidade da multa.

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A principal objeção, já manifestada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo ministro Luiz Fux, é a possibilidade de um juiz multar quem não é parte no processo. A previsão de multa faz parte da decisão de suspensão do X e envolve a recusa de operadores da plataforma em cumprir determinações de Moraes para bloquear alguns perfis.

Os demais usuários não têm qualquer relação com esse litígio e, por isso, juristas entendem que nunca poderiam ser alvo de uma multa, ainda mais por uma conduta – acesso a rede social – que não é proibida por nenhuma lei do país.

“É difícil prever como o ministro imporá sanções a pessoas que não são partes no processo”, diz o advogado Ezequiel Silveira, que defende alguns réus do 8 de Janeiro. “Quando o STF, capitaneado pelo ministro Alexandre de Moraes impõe, com a cumplicidade da PGR, uma multa a que podem estar sujeitos todos os brasileiros, torna-se tarefa difícil prever como se dará a aplicação desta medida, uma vez que não há previsão legal para esta conduta.”

Pedro Henrique Coelho, que assina um pedido da Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais) para participar da ação da OAB que contesta a multa, observa que tudo está sendo feito em sigilo, o que dificulta ainda mais a defesa de quem poderá ser multado.

“A situação ainda é muito nebulosa, até porque o processo em que se originou a multa, a PET [petição] 12404, tramita em segredo de Justiça, então a gente não sabe o que está sendo determinado.”

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Em sua ação para derrubar a multa, a OAB argumentou que Moraes criou uma proibição e uma penalidade não prevista em lei.

“Uma decisão judicial não pode criar um ato ilícito e nem prever a punição correspondente, sob pena de violação à separação dos poderes (art. 2º, Constituição Federal), visto que a tipificação de condutas é tarefa própria do poder legislativo. Além disso, da forma como prescrita pela decisão, a imposição da multa ocorreria de forma automática pelo simples fato de uma pessoa acessar o X por meio de subterfúgios tecnológicos. Ou seja, as condutas não seriam formalmente individualizadas em procedimento judicial próprio, o que impediria o direito de defesa, em violação ao devido processo legal e aos princípios do contraditório e da ampla defesa”, afirmou a entidade.

Essa ação foi sorteada para relatoria do ministro Kassio Nunes Marques. PGR e Advocacia-Geral da União (AGU) pediram a ele para arquivar a ação, mas ele tem o poder de suspender esse trecho da decisão de Moraes numa decisão individual. Até o momento, ele não decidiu o que fazer.