A Câmara dos Deputados pode votar nas próximas semanas a reformulação do Código Penal Militar (CPM), conjunto de regras de conduta para membros das Forças Armadas e também para policiais e bombeiros militares vinculados aos governos estaduais. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara aprovou o relatório do deputado General Peternelli (PSL-SP) sobre o tema, na última terça-feira (26), e agora o texto está pronto para ser votado em plenário.
O projeto atualiza o Código, que foi instituído em 1969, na época da ditadura militar. A proposta adequa o CPM à Constituição de 1988 e torna hediondos também para militares os crimes previstos na Lei de Crimes Hediondos. Além disso, o Código moderniza a linguagem do texto atual, que está ultrapassado – há punição prevista, por exemplo, para quem disseminar "material mimeografado" contrário às normas das instituições.
Um dos principais destaques do texto de Peternelli é a ampliação do conceito de legítima defesa, um dos cenários previstos no Código Penal comum em que se aplica a polêmica excludente de ilicitude. A redação atual do CPM determina que está em legítima defesa "quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".
Na proposição de Peternelli, a legítima defesa é compreendida em dois casos: quando o militar "em enfrentamento armado ou em risco iminente de enfrentamento armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem" e quando o militar "previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes".
A abordagem é inspirada no projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e promete gerar polêmica quando for discutida no plenário da Câmara.
A proposição é contestada por parlamentares de esquerda e pela Rede Justiça Criminal, entidade que congrega organizações de direitos humanos como o Instituto Sou da Paz e o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. "A proposição corresponde a uma licença para matar civis, supostamente em prevenção de ilícitos, à legalização de homicídios não justificados pelas regras atuais praticados pelas forças militares do país", afirmou a Rede em nota.
A atualização do CPM conta também com uma proibição expressa a policiais que fazem "bicos" de segurança em suas horas vagas. A situação, comum em todo o país, gera controvérsias por dificultar o estabelecimento de fronteiras entre a vida particular e a função pública do profissional.
"O exercício da atividade de vigilância privada é recorrente entre os membros das instituições militares, os quais, valendo-se dos cargos que ocupam, prestam serviços particulares, em nítida confusão entre o seu dever como militar e o decorrente de sua contratação privada", aponta o texto de Peternelli. A punição ao militar condenado pela prática pode chegar a dois anos de detenção.
Relator nega contato com Moro e diz que proposta "não é do governo Bolsonaro"
O relator General Peternelli diz que "dialogou com todos os setores possíveis" na elaboração do texto. "Recebi a missão de relatar o projeto e não tive pressa nenhuma. Falei com todos os atores envolvidos. Acionei todos os parlamentares que tinham ligação com a área de segurança. Também procurei membros do Ministério da Defesa, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica", afirmou à Gazeta do Povo.
O ministro Sergio Moro, entretanto, não foi um dos diretamente consultados, segundo o parlamentar. "Não procurei Moro porque ele não faz parte dessa estrutura", declarou. Peternelli disse ainda que não considera a atualização do Código Penal Militar "um projeto do governo Bolsonaro".
O deputado reconheceu que o projeto pode passar por novas modificações no plenário da Câmara, mas se mostrou confiante na aprovação da proposição pelo conjunto dos parlamentares.
Atualização do Código Penal Militar inclui feminicídio
Na linha de adequar o CPM à Constituição de 1988, o texto elaborado por Peternelli também extingue a possibilidade de punição a menores de 18 anos, presente no texto atual do código. A redação adiciona ainda ao CPM a ideia de redução de pena quando o criminoso manifestar "arrependimento posterior", desde que o delito não envolva violência ou grave ameaça. A situação já está descrita no Código Penal aplicado à população geral.
A atualização contempla também punições a militares envolvidos em casos de feminicídio e crimes de cunho sexual, e dá sanções mais rigorosas a criminosos ligados ao tráfico e uso de drogas. O militar que se apresentar para o serviço "sob o efeito de substância entorpecente" pode ser punido com reclusão de até cinco anos. No caso do tráfico, cinco anos é a pena mínima, que pode chegar até 15.
Ideia vem de 2017 e foi resgatada por Eduardo Bolsonaro
A proposição original de reestruturação do Código Penal Militar foi apresentada na Câmara em 2017, de autoria da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da casa. Na época, o colegiado era presidido por Bruna Furlan (PSDB-SP).
Naquele ano e no seguinte, a proposta foi debatida pelos parlamentares e chegou a ganhar um relatório, que ficou a cargo do deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG). Porém, como não foi avaliada a tempo pela CCJ, acabou arquivada, em virtude da regra que determina o arquivamento automático de propostas quando há a troca de legislatura na Câmara, o que ocorreu entre 2018 e 2019.
A proposta acabou resgatada por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que assumiu a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da casa, e passou a ser movimentada na CCJ a partir de abril.
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