A coligação eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL) informou, em resposta à intimação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, que não vai incluir no pedido de invalidação dos votos computados no segundo turno em urnas eletrônicas antigas a anulação dos votos dados também no primeiro turno.
As urnas em questão são contestadas por serem de modelos antigos e supostamente não permitiriam a auditagem da votação. Na terça-feira (22), a defesa de Bolsonaro ingressou com uma representação no TSE alegando “desconformidades irreparáveis de mau funcionamento” nos dispositivos com base no relatório final de uma auditoria independente contratada pelo Partido Liberal (PL).
Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (23), o advogado da coligação, Marcelo Bessa, disse que o pedido de invalidação dos votos apenas do primeiro turno foi uma "opção" para garantir o "devido processo legal". "Fizemos a opção de pedir apenas a verificação extraordinário [de votos] no segundo turno até porque entendemos, pela transparência e pelo devido processo legal, que seria impossível que todas as pessoas [candidatos] eventualmente atingidas por um processo no TSE viessem aos autos para se manifestar", explicou.
Segundo ele, uma eventual inclusão dos votos do primeiro turno nesse questionamento é uma decisão que cabe ao TSE, "uma vez constatado o mau funcionamento e a quebra de confiabilidade dos dados extraídos de parte das urnas eletrônicas utilizadas no pleito".
A eventual contestação dos votos computados também no primeiro turno colocaria em xeque não só a eleição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas também dos 513 deputados federais, 27 senadores e 15 governadores eleitos no primeiro turno.
Sendo assim, o objetivo inicial da ação de Bolsonaro é questionar apenas a vitória do candidato petista, sob alegação de que 279.336 urnas dos modelos de 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 geraram “logs” (arquivos digitais, que registram todas as atividades da máquina) com o mesmo número de identificação, quando deveriam gerar códigos individualizados. A coligação alega que essa falha de funcionamento também torna incertos os resultados que apresentaram.
Na representação ao TSE, a coligação eleitoral de Bolsonaro considera válidos somente os resultados gerados por 192.691 mil urnas do modelo mais recente, fabricado em 2020, que correspondem a 40,8% do total das 472.027 máquinas usadas na eleição. Nessas urnas, segundo auditoria contratada pelo Partido Liberal, Bolsonaro teria vencido a disputa do segundo turno, com 51,05% dos votos, contra 48,95% de Lula. No resultado geral, com todas as urnas, Lula venceu com 50,9% dos votos, contra 49,1% de Bolsonaro.
Na terça-feira (22), logo após a apresentação da ação no TSE, Alexandre de Moraes despachou no processo intimando o PL a ajustar o pedido para incluir a invalidação dos votos no primeiro turno, “sob pena de indeferimento da inicial”, ou seja, de arquivamento do processo. “As urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas tanto no primeiro turno, quanto no segundo turno das eleições de 2022”, justificou o ministro, que deu 24 horas para o aditamento. O prazo se encerrou por volta de 16 horas e o ministro pode se manifestar nos autos a qualquer momento.
O despacho de Moraes foi visto como um meio de desestimular o avanço do processo, pois a coligação de Bolsonaro estaria colocando em risco praticamente toda a eleição deste ano, inclusive de seus aliados, já que as urnas antigas foram distribuídas por todo o país. Desse modo, a invalidação de todos os votos registrados nesses equipamentos questionados poderia levar, no limite, a uma nova totalização dos votos para todos os cargos, inclusive dos 99 deputados federais e dos 8 senadores eleitos pelo PL, partido de Bolsonaro.
Em entrevista coletiva desta quarta, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou que o partido não está pedindo a realização de uma nova eleição, mas sim que o TSE decida sobre a questão levantada por "técnicos sérios" e com "profundo conhecimento" contratados para auditar as urnas.
"Não pode haver dúvidas sobre o voto, o voto tem de ser seguro. E se isso for uma mancha na nossa democracia, nós temos que resolver isso agora, porque isso é muito sério", afirmou Costa Neto.
Políticos do PL veem poucas chances de a ação prosperar
Desde antes da eleição, o presidente lançava suspeitas sobre as urnas eletrônicas e mobilizou também as Forças Armadas para analisar o sistema de votação eletrônico. Após o segundo turno, o Ministério da Defesa emitiu um relatório em que não apontou fraude na votação, mas não excluiu essa possibilidade, em razão de supostos riscos no processo de preparação das urnas no TSE.
Também por pressão de Bolsonaro, o PL contratou o Instituto Voto Legal (IVL) para uma auditoria no sistema eletrônico de votação. O IVL é comandado pelo engenheiro Carlos Rocha, um dos desenvolvedores do primeiro modelo da urna eletrônica, nos anos 1990. Em setembro, o partido divulgou um resumo da primeira fase do trabalho, em que apontou 24 falhas, especialmente ligadas ao descumprimento de normas de segurança pelo TSE.
Neste mês, o instituto apresentou ao PL um novo relatório, apontando o problema do número único de identificação na maior parte das urnas, inscrito nos arquivos de log emitidos no segundo turno da eleição. É com base nesse relatório que a coligação de Bolsonaro entrou com a ação no TSE.
O processo pede a invalidação de parte dos votos, com “consequências práticas e jurídicas devidas com relação ao resultado do Segundo Turno das Eleições de 2022”. A ação não explicita que consequências seriam essas, mas indica que seriam válidos apenas os votos das urnas mais novas, que dariam a vitória a Bolsonaro. A decisão quanto a isso, no entanto, cabe ao TSE.
Nos bastidores, porém, dirigentes e parlamentares mais experientes do PL, que não são tão próximos de Bolsonaro, admitem que a ação no TSE tem poucas chances de prosperar. Eles consideram impossível que a Corte, em sua atual composição e sob o comando de Alexandre de Moraes, atenda a qualquer pedido que possa gerar ainda mais dúvidas sobre o processo eleitoral e tumultue a transição para o novo governo.
O próprio Moraes já disse várias vezes que a eleição acabou, que Lula será diplomado em dezembro e empossado em janeiro. Qualquer avanço no processo estimulará mais desconfiança e protestos contra o resultado da eleição e fragilizaria ainda mais a credibilidade do TSE na condição de organizador do pleito. Por isso a percepção de que o processo não avançará.
Presidente do PL tenta se equilibrar para agradar a Bolsonaro e ao TSE
Quem tem assumido o protagonismo público de questionar as urnas em nome de Bolsonaro é o ex-deputado e presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto. Valdemar tem tentado se equilibrar para atender aos desejos de Bolsonaro e contemplar boa parte da bancada mais ligada a ele. Se publicamente é ele quem fala sobre a ação da coligação, em conversas reservadas com os ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), evita afrontar a Justiça Eleitoral – que tem o poder de fiscalizar as contas do partido e retirar dele fatias dos fundos partidário e eleitoral, caso considere irregulares suas receitas e despesas.
Do ponto de vista formal, a ação da coligação de Bolsonaro é baseada numa norma interna do TSE que permite a entidades fiscalizadoras do processo eleitoral e a partes interessadas realizar uma “verificação extraordinária” dos resultados de uma eleição. A Resolução 23.673/2021 do tribunal, aprovada em dezembro do ano passado, estabelece que isso é possível, “desde que sejam relatados fatos e apresentados indícios e circunstâncias que a justifiquem, sob pena de indeferimento liminar”. Com isso, Moraes ainda poderá alegar que faltariam esses elementos para arquivar a ação.
A resolução diz que uma ação do tipo deve conter um plano de trabalho descrevendo as verificações pretendidas, como serão aferidas e os objetivos a serem alcançados. É possível verificar os sistemas instalados nos computadores do TSE e nas urnas eletrônicas, inclusive com a exibição de logs e a reimpressão dos boletins de urna – arquivos emitidos por cada máquina com a soma dos votos em cada candidato naquela seção e que são a base oficial da totalização dos votos que geram o resultado oficial da eleição. A resolução permite ao partido fazer um espelhamento dos sistemas, de modo a preservar os originais intactos.
A ação da coligação de Bolsonaro anexou esse plano de trabalho, propondo que seja criada uma comissão técnica de especialistas na área, sem filiação a qualquer partido nem ligados à Justiça Eleitoral, para executar essas tarefas. A coligação listou seis etapas de verificação, basicamente para confirmar o mau funcionamento das urnas na geração dos arquivos de log, inclusive um erro, também relatado na ação, que poderia violar o sigilo do voto de eleitores – o IVL identificou nos logs que várias urnas travaram e tiveram de ser religadas, momento em que o log registrou o número do título ou o nome do eleitor que votava no momento da pane.
Quem vai conduzir a ação da coligação de Bolsonaro no TSE
Apesar de Alexandre de Moraes ter assumido a condução inicial da ação, o processo foi distribuído, por sorteio, para a relatoria da ministra Cármen Lúcia. Em tese, cabe a ela decidir sobre as próximas fases do caso no TSE.
Durante toda a campanha deste ano, a ministra atuou de forma bastante alinhada com o presidente da Corte e, em alguns momentos, em ações delicadas, não fez objeções quando ele decidiu em seu lugar.
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