Pelo menos 67 terras indígenas, em 17 estados do Brasil, estão a um passo de serem homologadas, por meio de decreto presidencial, passando a ser constituídas para essa designação. A possibilidade de andamento dos processos ganhou força com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que rejeitou a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Com a derrubada da tese do marco temporal, qualquer área em território brasileiro poderia ser alvo de reivindicação para demarcação.
Em reação à decisão, no entanto, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) conseguiu articular a aprovação do PL do marco temporal no Senado. O texto segue agora para a sanção, podendo ter trechos vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Se houver vetos, o texto retorna ao Congresso, que poderá derrubá-los e promulgar a lei.
Independente dos resultados, pode ainda haver questionamento da futura lei ao STF. Sendo assim, a solução trazida pelo projeto de lei ainda pode levar algum tempo para, de fato, resolver a questão.
Além do projeto de lei, há ainda a possibilidade de o tema ser debatido por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) sinalizou que deve apostar na PEC 48, do senador Hiran Gonçalves (PP-RR), que coloca claramente na Constituição que o Marco Temporal de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, precisa ser cumprido.
“Penso que a solução definitiva passaria pela aprovação de uma PEC. Ante a essa injustificável mudança do STF, a PEC se faz necessária nesse sentido”, salientou o advogado Albenir Querubini. A afirmação é reforçada pelo advogado Paulo Roberto Kohl. “A melhor opção seria uma Emenda à Constituição. Porém, uma lei tem mais alcance em regulamentar questões específicas que em uma PEC não caberiam”, acrescentou Kohl.
Neste ano, Lula já assinou a homologação da demarcação de oito terras indígenas, seis em abril e duas em setembro. Em janeiro, a então recém-empossada ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, afirmou que o governo Lula demarcaria pelo menos 14 terras indígenas em 2023. Em entrevista para a Folha de S. Paulo, a ministra disse que a promessa será cumprida. "A expectativa é terminar com essas outras seis até o fim do ano. É uma questão mais de alinhamento de datas", afirmou a titular da pasta dos Povos Indígenas.
Lula, por sua vez, prometeu, durante discurso feito para indígenas em Brasília, que demarcará todas as terras indígenas possíveis, em seu mandato. Durante os últimos 5 anos, o Brasil não havia registrado nenhuma nova demarcação. Com as demarcações recentes e as promessas, que já estão em processo de homologação, o Brasil pode ver um dos maiores números de demarcações de terras indígenas em um mandato desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Veja o número de homologações de terras indígenas por presidente:
- José Sarney (1985 a 1990) – 67
- Fernando Collor (1991 a 1992) – 121
- Itamar Franco (1992 a 1994) – 18
- Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) – 145
- Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) – 79
- Dilma Rousseff (2011 a 2016) – 21
- Michel Temer (2016 a 2018) – zero
- Jair Bolsonaro (2019 a 2022) – zero
Sete terras indígenas podem ser homologadas em breve
A Gazeta do Povo teve acesso a um documento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que aponta as áreas em processos de demarcação no Brasil. Dentre elas, sete das áreas já declaradas estão com o processo de homologação mais avançados. São elas:
- Aldeia Velha: Porto Seguro/BA
- Yvy-katu: Japorã/MS
- Manoki: Brasnorte/MT
- Uirapuru: Campos de Júlio/MT e Nova Lacerda/MT
- Potiguara de Monte-Mor: Marcação/PB e Rio Tinto/PB
- Boa Vista – Sul: Laranjeiras do Sul/PR
- Ribeirão Silveira: Bertioga/SP, Salesópolis/SP e São Sebastião/SP
A expectativa é que Lula anuncie a assinatura dos decretos de homologação no mês de novembro, quando ocorre a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023 (COP 28). A demarcação de terras indígenas é um dos trunfos que Lula tem usado para chamar a atenção da comunidade internacional e a COP 28 pode ser o palco para publicizar as ações de seu governo neste sentido.
Além disso, a pressão internacional sobre pautas legislativas e ações do governo brasileiro que envolvem as questões indígenas têm se intensificado. Recentemente, deputados de países como Alemanha e Holanda se manifestaram em cartas ao Senado Federal após a aprovação do projeto que prevê o marco temporal na Câmara dos Deputados. Para os deputados europeus, a demarcação de terras indígenas contribui para a preservação da Amazônia.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, relacionou os indígenas à preservação do meio ambiente. "Só posso encorajar todos os atores institucionais no Brasil a trabalharem juntos para proteger a Amazônia, bem como as comunidades indígenas que vivem lá", que "desempenham papel central na preservação e no uso sustentável da floresta e no desenvolvimento do potencial de superpotência verde do Brasil", disse von der Leyen.
Número de novas reivindicações também ganha força sem marco temporal
A demarcação de terras indígenas, em geral, tem início com a reivindicação das terras por povos indígenas. A partir disso, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é a responsável por designar grupos técnicos que identificam as áreas reivindicadas por indígenas e acompanham os processos.
Após a reivindicação, as áreas passam por um processo administrativo com cinco etapas: estudos, delimitação, declaração, homologação e regularização. Os dados disponibilizados pela Funai apontam que 132 áreas estão em estudo, 48 estão delimitadas, 67 foram declaradas e 12 estão homologadas. As terras indígenas já regularizadas somam 477.
De acordo com a Funai, há ainda cerca de 490 reivindicações de povos indígenas em análise no órgão. No entanto, esse número pode aumentar após a decisão do STF. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) avalia que sem marco temporal não há parâmetros objetivos para identificação das áreas que são ou não de posse da população indígena. "Não teremos mais um parâmetro objetivo para considerar se a terra poderá ser reconhecida. Sem esse padrão objetivo e sem indenização, teremos expropriação e subtração do direito de propriedade dos produtores", argumentou o diretor Jurídico da CNA, Rudy Ferraz Ferraz, em entrevista para a Jovem Pan.
Para a advogada Samanta Pineda, os processos tendem a se tornar ainda mais conflituosos após a decisão do STF. “O que a gente percebe com esse julgamento que como o processo - da demarcação até a homologação - é longo, não tem sido respeitado pelos indígenas que reclamam aquela área. Não tem sido respeitado o processo todo. Eles entram, colocam placas e depois que se conclua a demarcação. Então, eu não acho que vai ser uma coisa que será pacífica. Eu acho que vai ser realmente complicado. Questão conflituosa”, explicou a advogada.
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