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Meio ambiente

Com Marina Silva isolada, agenda ambiental de Lula patina antes da COP-30

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do governo Lula 3, enfrenta embates e tem atuação apagada
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do governo Lula 3, enfrenta embates e tem atuação apagada em meio a crises (Foto: Fernando Donasci/MMA)

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A gestão de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente tem sido marcada por embates internos, resultados tímidos e derrotas em temas que vão das queimadas à criação da Autoridade Climática. Em 2025, ano em que o Brasil sedia a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), o governo terá o desafio de apresentar avanços em sustentabilidade e evitar um fiasco na cúpula internacional do meio ambiente, enquanto a ministra luta para conquistar protagonismo dentro do próprio governo.

Marina foi alçada ao cargo pelo reconhecimento internacional e mantém seu prestígio em fóruns globais. Internamente, porém, continua sofrendo reveses: 2024 foi marcado pelos incêndios florestais recordes na Amazônia e pelas enchentes no Rio Grande do Sul que mataram 183 pessoas; uma greve no Ibama gerou prejuízos na fiscalização ambiental; e o Ministério trava uma constante queda de braço com outras pastas do governo que querem mais agilidade na liberação de grandes obras de infraestrutura, como a pavimentação da rodovia BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO).

As dificuldades também aparecem no relacionamento com o Congresso, que neste ano se colocou como uma barreira para impedir a criação da Autoridade Climática – além dos desentendimentos que o tema causou entre Marina e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Marina quer que a Autoridade Climática fique sob seu comando e não na esfera do Palácio do Planalto.

Em passagem pela Câmara dos Deputados em outubro, a ministra também reclamou do orçamento aprovado para combate às queimadas em 2024, reduzido até mesmo pelo governo e que só foi recomposto com ajuda do Supremo Tribunal Federal (STF), que ordenou a liberação de créditos extraordinários para a emergência.

Os resultados da pasta comandada por Marina Silva têm sido considerados incipientes, diante da expectativa gerada antes de assumir.

Diante do cenário controverso, a ministra teve pouco a apresentar à comunidade internacional na COP-29, realizada no Azerbaijão em novembro. Ela focou seu discurso na redução do desmatamento na Amazônia Legal – em 30% entre agosto de 2023 e julho de 2024 – e reforçou compromissos para os próximos anos, colocando mais expectativas sobre a COP-30, que ocorrerá em novembro de 2025 em Belém, no Pará.

O governo vê o evento como uma oportunidade histórica para o Brasil reafirmar seu papel de liderança nas negociações sobre mudanças climáticas e sustentabilidade global. No entanto, até lá, precisará garantir a estrutura para realização do evento, cuja logística já preocupa diplomatas, e terá que se esforçar para mostrar avanços no combate às queimadas e na gestão ambiental como um todo.

Além da COP-30, em 2025, Marina terá que se debruçar sobre o Plano Clima, que vem sendo construído desde o segundo semestre de 2023. Sua elaboração, no entanto, está atrasada. A expectativa era que já se conhecesse mais detalhes sobre o plano que deve mapear todas as grandes fontes de emissão de carbono do Brasil. o gerente de relações governamentais, Leon Norking Rangel, explica que é por meio do Plano Clima que poderão ser estabelecidas as metas de descarbonização previstas no mercado de crédito de carbono, sancionado em 2024.

Greve do Ibama expôs crise na gestão ambiental 

Servidores do Ibama e de outros órgãos ambientais federais passaram mais da metade do ano em paralisação ou em greve, protestando por aumento salarial e reestruturação de carreiras. A mobilização acabou impactando negativamente no combate às queimadas e ao desmatamento e atrasou a liberação de licenças para investimentos.

As multas e ações do Ibama despencaram no primeiro semestre. Sem realizar os trabalhos de campo, os servidores deixaram de emitir licenças e a fiscalização de ilícitos ambientais também ficou comprometida.

Segundo a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), entre janeiro e julho os autos de infração lavrados pelo Ibama na Amazônia Legal haviam caído 70% na comparação com o mesmo período em 2023, passando de 5.178 para 1.560. Os valores de multas aplicadas pelo Ibama em todo o país tiveram redução na mesma proporção, de R$ 3 bilhões para R$ 910 milhões. A paralisação fez com que pelo menos 40 grandes empreendimentos em todo o país tivessem atrasos por falta de licenças. 

Uma das diversas manifestações realizadas por servidores ambientais ocorreu em março, durante a visita do presidente da França, Emmanuel Macron, ao Brasil. Em Belém, o meio ambiente foi a pauta central do francês no encontro com Lula, o que tornou o protesto ainda mais embaraçoso para o governo.

As paralisações encerraram em agosto, quando a categoria assinou um acordo com o governo federal, garantindo um reajuste salarial de até 23% em dois anos. Mesmo assim, ativistas e organizações não governamentais não culparam nem Lula nem Marina pelo apagão na fiscalização. Lula deve concretizar as negociações dos servidores ambientais e de outras áreas por meio de uma Medida Provisória que entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2025.

Marina Silva aumentou embates com ministros do governo 

Outro problema interno de Marina Silva são os desentendimentos com os colegas da Esplanada dos Ministérios. No primeiro ano à frente da pasta do Meio Ambiente, ela protagonizou embates com o ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Marina é contra a exploração de petróleo na margem equatorial, área que vai do litoral do Amapá até Rio Grande do Norte e que vem sendo chamada de “novo pré-sal”.

Os problemas mostram que a ministra do Meio Ambiente é fraca politicamente, segundo analistas. Ainda no primeiro ano de governo, quando o Congresso votou a reestruturação dos ministérios proposta por Lula, ela não foi capaz de garantir a articulação para manter sob o seu comando estruturas como a da Agência Nacional de Águas (Ana) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Além dessas quedas de braço, Marina tem sido cada vez mais pressionada por alas do governo e por parlamentares do Norte do país a conceder licenças para obras como a da repavimentação da BR-319, que é a única ligação terrestre de Manaus com o restante do país. Em setembro, durante uma visita à capital do Amazonas, Lula se apoiou na crise gerada pela seca e prometeu reconstruir a rodovia (já que a seca prejudica o transporte fluvial e é necessário construir uma alternativa rodoviária). O Ministério dos Transportes tem afirmado que a obra é prioritária para o governo. Marina, no entanto, é contrária alegando impactos ambientais.

A ministra tem tido dificuldades até para fazer avançar pautas que foram promessas de campanha do governo Lula, como a criação da chamada Autoridade Climática. Nesta disputa, Marina mede força com os ministros palacianos das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da Casa Civil, Rui Costa. 

A ministra espera a criação de uma “instituição de formulação de política, proposição de regras, de fiscalização e punição”, que esteja sob comando técnico em seu ministério, mas Padilha e Costa querem que o comando da autoridade climática fique no Palácio do Planalto. O Congresso, por sua vez, pretende barrar qualquer iniciativa de nomear uma pessoa de perfil mais ideológico para o cargo. Diante do impasse, a proposta não avançou, mesmo em meio a um aumento de queimadas.

Marina Silva tem um histórico de relações interministeriais complicado. Em sua passagem pelo governo Lula 2, em 2008, ela pediu demissão após se irritar com a designação do então ministro de Assuntos Estratégicos, ministro Mangabeira Unger, para comandar o comitê gestor do Plano Amazônia Sustentável (PAS).

COP-30 no Brasil reforça pressão sobre Marina Silva

Ao sediar a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), o Brasil será anfitrião de representantes de mais de 190 países e tem o compromisso de garantir que tudo ocorra bem, desde a infraestrutura, a logística e a diplomacia do evento. No que diz respeito à infraestrutura, a capital do Pará não possui estrutura hoteleira adequada e precisa passar por uma série de obras para receber o evento. Neste sentido, o governo federal afirma que já investiu quase R$5 bilhões por meio do BNDES, de Itaipu e do Orçamento Geral da União em obras de infraestrutura para a cidade de Belém.

Ao sediar a COP-30, cresce a pressão para que haja bons indicativos ambientais no país. A seu favor, Marina deve apresentar os dados de combate ao desmatamento. Na Amazônia, bioma onde está o estado do Pará, o nível de desmatamento de 2024 é o menor dos últimos nove anos, de acordo com dados do Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter). A ministra, no entanto, terá que se antecipar e lidar com a prevenção das queimadas.

Durante o ano que antecede a realização da COP-30 no Brasil, municípios do Pará foram encobertos por fumaça e despontaram entre os locais com maiores números de focos de queimadas registrados pelo Inpe. O estado ocupa o primeiro lugar no ranking por focos de queimadas, sendo responsável por pouco mais de 20% (54.992 focos) do total (273.296 focos) registrado entre 1º de janeiro e 16 de dezembro no país. 

A falta de planejamento é um dos pontos que tem rendido críticas ao governo. O entendimento é que os esforços deveriam ser concentrados em ações de prevenção. Para o consultor ambiental Samuel Souza, as queimadas podem impactar o protagonismo ambiental almejado por Lula e Marina. "Existe uma incoerência entre a alta das queimadas e a queda do desmatamento. As mudanças climáticas têm impactado o aumento das queimadas, mas as ações de prevenção aos incêndios florestais do governo e a articulação com os meios estaduais ainda são muito insipientes", disse Souza, que foi diretor de proteção ambiental do Ibama no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Além disso, desde a COP-28, realizada em Dubai nos Emirados Árabes em 2023, Marina Silva sabia da pressão que enfrentaria com a realização do evento no Brasil em 2025. Na época, a ministra antecipou a possibilidade de pautas se acumularem.

“Desde o começo, todo trabalho que o Brasil vem fazendo é no sentido de que a gente possa assimilar esse tema inadiável em relação ao combustível fóssil no percurso das três COPs: a COP28, a COP29 e a COP30. Nós não queremos uma pororoca de pressão na COP-30 de algo que não foi sendo assimilado ao longo do processo”, disse Marina em Dubai no ano passado.

Para frustração de Marina, a COP-28 foi marcada por um acordo global vago sobre a transição dos combustíveis fósseis, permitindo que alguns países se comprometessem apenas com medidas mínimas. 

Já em 2024, durante a COP-29, realizada em Baku no Azerbaijão, uma das principais metas do evento não foi alcançada. Chamada de “COP do financiamento”, havia a expectativa de que os países ricos destinassem US$ 1 trilhão para países em desenvolvimento afetados pelos piores efeitos da mudança climática. No entanto, somente US$ 300 milhões foram anunciados.  

As pautas não esgotadas das cúpulas anteriores engordam a agenda a ser tratada no evento no Brasil. Ao discursar durante a COP-29, Marina Silva chamou a COP-30 de “COP das COPs”. “Que a COP-30 seja um convite para confiar e compreender que solidariedade, sentido de cooperação e confiança é a matéria-prima do sucesso de qualquer cúpula do clima, principalmente nesta que será a COP das COPs”, disse a ministra. 

Queimadas renderam críticas da oposição e cobranças no STF

O número de queimadas no Brasil, que foi alvo de críticas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), agora ultrapassa marcas históricas. Mesmo diante de alertas e previsões sobre os riscos, o governo não empenhou recursos suficientes para o combate às queimadas. Os dados foram questionados, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu ações emergenciais do ministério do Meio Ambiente.

De janeiro a novembro de 2024, 153.277 km² da Amazônia foram consumidos pelo fogo. A área de degradação no bioma foi a segunda maior da série histórica registrada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde 2002. O recorde foi registrado em 2005, quando 156.652 km² da Amazônia foram queimados no mesmo período. Sob Bolsonaro, o maior índice para os mesmos 11 meses foi verificado em 2022, quando o Inpe registrou 75.992 km² de área queimada no bioma.

A ministra tem sido cobrada também pelas críticas que fez ao governo de Jair Bolsonaro. "Isso é um problema, porque o governo foi eleito com várias promessas na questão ambiental e várias críticas ao governo anterior, em especial sobre as queimadas. O governo e Marina Silva não foram vistos agindo num prazo considerado adequado pela sociedade", avalia o gerente de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados, Leon Norking Rangel.

O cenário motivou críticas como a da deputada Julia Zanatta (PL-SC), que sugeriu que a ministra pedisse demissão do cargo. “O povo brasileiro, ministra, está vendo que a senhora é boa de discurso, mas ruim de prática. O povo brasileiro a acha incompetente para gerir as questões em relação aos problemas das queimadas no Brasil. E talvez a senhora devesse fazer igual fez em 2008, quando pediu demissão do governo do PT”, disse Zanatta durante audiência com a presença de Marina na Câmara dos Deputados, em outubro. 

No STF, ações movidas durante o governo de Bolsonaro por omissão no combate às queimadas e ao desmatamento serviram para cobrar respostas do governo Lula. O ministro do STF Flávio Dino tem determinado o empenho de recursos extras para o combate ao fogo, além de requerer planos com ações concretas para a melhoria da gestão ambiental. 

A condução de Marina diante da crise de queimadas gerou ainda pedidos de investigação. Junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), o deputado Sanderson (PL-RS) pediu a instauração de uma investigação para apurar a possível prática de crime de prevaricação por parte de Marina Silva. 

Diante da pressão, a ministra apelou para a tentativa de criminalizar o agronegócio, buscando emplacar o confisco de propriedades em que fossem verificadas queimadas, além de tentar aprovar penas mais duras para quem fosse responsabilizado pelos incêndios.

A tentativa não vingou e gerou ainda mais críticas. Em artigo publicado na Gazeta do Povo, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), apontou para a “ineficiência de quem prometeu ser uma grande liderança ambientalista”.

“Não aceitaremos mais estratégias de discursos e narrativas de quem está sentado na cadeira da Presidência da República. É preciso trabalhar!”, escreveu Lupion.

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