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A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência da República no ano passado foi considerada “indesejada” pela maioria dos militares, de acordo com um áudio do comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, divulgado na segunda (27) e tornado público nesta terça (28).
A gravação foi feita durante uma reunião de oficiais do Comando Militar do Sudeste no dia 18 de janeiro, dias antes do presidente nomeá-lo para o cargo máximo da Força no lugar do general Júlio César de Arruda, demitido em meio às desconfianças após os atos de 8 de janeiro em Brasília.
No áudio gravado por um dos presentes e tornado público nesta semana pelo podcast Roteirices (ouça na íntegra), Paiva afirma que a eleição presidencial de 2022 transcorreu conforme o planejado, com transparência e sem sinal de fraude. E que a eleição de Lula em vez de Jair Bolsonaro (PL), mesmo que com uma “diferença mínima, muito pequena”, foi legítima.
"Não dá para falar com certeza que houve qualquer tipo de irregularidade. Infelizmente, foi o resultado que, para a maioria de nós, foi indesejado, mas aconteceu", disse.
Paiva ressaltou que as Forças Armadas participaram da fiscalização de todo o processo eleitoral, com a elaboração de relatórios, e que não se constatou fraude. “Eu estou falando para vocês, pode acreditar. Teve fraude? A gente constatou fraude? Não”, completou.
No entanto, o general reconheceu que o Exército teve dificuldade em fazer a auditoria no código-fonte das urnas eletrônicas, que foi disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto do ano passado.
“Tinha coisas que a gente não pode ver? Sim. Por exemplo, ver o código-fonte era possível? Não. Por que não era possível? Porque ia levar uma montanha de tempo”, afirmou.
Segundo o general, o processo eleitoral que elegeu Lula foi o mesmo que “elegeu majoritariamente um Congresso conservador. Elegeu majoritariamente governadores conservadores”, como Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, Ratinho Junior (PSD) no Paraná, parlamentares como Sérgio Moro (União Brasil) e Damares Alves (Republicanos), entre outros.
No entanto, ele afirma ainda que o processo em si pode ter falhas que precisam ser apuradas, mas sem explicar quais são elas.
Acampamento em frente ao QG
Durante a reunião com os subordinados, Paiva utilizou uma apresentação de slides com reportagens publicadas na imprensa para ilustrar algumas das falas. Em uma delas, o general comentou sobre os acampamentos montados em frente aos quartéis do Exército em várias cidades brasileiras, entre eles o Quartel-General em Brasília, em que não houve qualquer pedido do governo anterior e do atual para desmobilizar.
"Havia um entendimento do comandante em chefe das Forças Armadas, que era o presidente da República, que não era para mexer, que aquilo ali era legítimo. Não teve nenhuma intercorrência de ninguém pra nada, ninguém se manifestou, Justiça não se manifestou, Ministério Público não se manifestou. Não teve nada, ninguém pediu pra tirar e ficou lá. [...] E de 1º a 8 [de janeiro], qual foi a ordem recebida para tirar? Nenhuma, não teve ordem. Porque a expectativa era que o movimento ia naturalmente se dissolver. Era de se esperar, e não ocorreu. Estava diminuindo, mas não ocorreu”, afirmou.
Paiva condenou os atos de invasão e vandalismo contra as sedes dos Três Poderes e disse que quem participou do quebra-quebra “é vândalo, é maluco, cara que entrou numa espiral de fanatismo e extremismo que não se sustenta”.
“O que que produziram? Nada. Iam derrubar o governo assim?”, disparou seguindo com uma série de críticas aos manifestantes.
O general exibiu ainda a imagem de um manifestante que pedia uma “intervenção militar com Bolsonaro presidente”, que ele classificou como “impossível de acontecer”. “A gente não sobreviveria como país”, pontuou.
“A moeda explodiria, a gente ia levar um bloqueio econômico jamais visto. Aí sim iria ficar um pária e o nosso povo ia sofrer as consequências. Ia ter sangue na rua. Ou vocês acham que o pessoal ia ficar parado, ia intervir e tá tudo bem? Não ia acontecer. [...] Mergulharíamos o país num caos”, disse.
Segundo Paiva, o Exército precisa continuar sendo uma “instituição de Estado”, e ressaltou que a Força “não tem partido”. “Se a gente permitir que o Exército fique partidário, é o começo da nossa derrocada”, completou afirmando que a Polícia Militar do Distrito Federal tomou partido e está sofrendo as consequências, com trocas de comandantes.
O Exército não se pronunciou sobre a divulgação do áudio.
Paiva foi tido como mais “alinhado” ao governo petista
A substituição do general Júlio César de Arruda por Tomás Paiva no comando do Exército foi apontada por integrantes do Planalto como um nome mais alinhado ao governo petista. Durante a viagem à Argentina, o presidente Lula afirmou que ele o novo comandante pensam da mesma forma sobre a necessidade de haver “apartidarismo” nas Forças Armadas.
"Tive uma boa conversa e ele [Tomás] pensa exatamente com tudo que tenho falado sobre as Forças Armadas. Elas não servem a político, elas não existem para servir um político. Existem para garantir a soberania do nosso país, sobretudo contra possíveis inimigos externos e para garantir tranquilidade ao povo brasileiro", disse Lula.
A sinalização de punição aos militares que colaboraram com os atos de vandalismo em Brasília dada pelo general Tomás foi um dos pontos que agradou os aliados de Lula. Depois da invasão ao Palácio do Planalto, Lula chegou a dizer que havia perdido a confiança nos militares que atuam na segurança do prédio da sede do Executivo.