Países devem estar atentos para mudar a estratégia de combate ao coronavírus, quando confirmada a transmissão comunitária. A medida evitaria erros vistos na Itália, que demorou para perceber a circulação da doença, o que sobrecarregou o sistema de saúde, afirma o médico brasileiro Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“É preciso manter a estratégia de hoje, mas acelerar a de amanhã. Para não ocorrer como na Itália. Lá, infelizmente, não perceberam que havia transmissão. Só começaram a notar quando estavam chegando casos graves e mortes”, disse Barbosa. Para ele a primeira etapa de enfrentamento à doença deve ser de contenção, preparando a rede de assistência para receber pacientes e isolando pessoas que tiveram contato com casos confirmados, por exemplo. Em fase seguinte, quando há confirmação de transmissão do vírus, o trabalho é para “salvar vidas”, com foco em grupos de risco: idosos e doentes crônicos. Nessa etapa, são avaliadas medidas de distanciamento social, por exemplo.
Barbosa afirma que não há “bala de prata” para resolver o surto da doença, mas um “conjunto de ações”. Medidas como cancelar aulas, afirma, têm de ser muito bem pensadas. “Quando não há transmissão comunitária disseminada, você está prevenindo o quê (ao determinar afastamento social)?”. “Mas também não pode demorar, senão a transmissão sobrecarrega o serviço de saúde”, diz ele, que foi secretário do Ministério da Saúde e presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
O que muda com a doença classificada como pandemia?
É o reconhecimento de que a dispersão geográfica está consolidada. Não significa que haverá mais casos graves ou mais mortes. Na América Latina e no Caribe ainda vamos ter um mosaico de situações. O que estamos chamando a atenção, reforçando, apoiando tecnicamente para isso, é a preparação para possível transmissão comunitária disseminada. Tem de ser acelerado. Estamos falando de organizar serviços de saúde, identificar bem quem são as referências.
O senhor poderia dar exemplos de medidas para preparar os sistemas de saúde?
Primeiro, é ter claro quem vai fazer o quê. Definir estratégias. Quando você tem transmissão comunitária, não faz sentido pessoas com quadro leve irem para os serviços de saúde. Tem país que diz: “Olha, fica em casa”. São medidas para não sobrecarregar o sistema de saúde para que grupos de maior vulnerabilidade sejam atendidos. Também envolve medidas que a gente chama de aumento rápido de capacidade. Por exemplo, adiar procedimento cirúrgico que não é de emergência.
Alguns países têm tomado medidas mais restritivas. É o momento correto?
Cada país tem de fazer uma avaliação bem criteriosa. Não é só aumento do número de casos que importa. É o tipo de transmissão. Uma decisão dessa não pode ser tomada muito precocemente; quando não há transmissão comunitária disseminada, você está prevenindo o quê? Nem pode demorar, senão a transmissão muito forte pode sobrecarregar os serviços de saúde. É importante tomar a decisão no momento que faça efeito. Para também não estressar as pessoas.
"Quando você tem transmissão comunitária, não faz sentido pessoas com quadro leve irem para os serviços de saúde"
No Brasil é recomendável tomar já medidas restritivas?
Não posso fazer esta análise. Ela é da autoridade sanitária, que tem a riqueza de dados. O Brasil tem atuado com total transparência. Fazemos uma recomendação geral para cada país adaptar à sua realidade.
Há discussão sobre cancelamento de aulas em escolas. Qual é a leitura da Opas/OMS?
Este debate era grande já na época do H1N1. Quando há nitidamente casos em escolas, se as unidades estão sendo elemento de transmissão, pode fazer sentido. Sabemos que alguns países da região tomaram medidas de cancelar voos. Tem de avaliar bem se é efetivo, se o impacto econômico não é maior que o desejado.
"Não é só aumento do número de casos que importa. É o tipo de transmissão"
Alguns países estão isolando pessoas que estiveram em locais com transmissão comunitária. A medida pode ser efetiva?
Essas medidas de contenção, por mais rigorosas que sejam, dependendo do grau de transmissão que países vizinhos apresentarem, não serão efetivas para impedir que ocorra transmissão. Elas podem retardar. É bom quando retarda, você ganha mais tempo para preparar o seu serviço de saúde. Mas não há evidência de uma medida de contenção que, até aqui, tenha sido capaz de impedir transmissão em um país. Não estamos falando de uma bala de prata que resolve tudo, estamos falando de um conjunto de medidas. É preciso manter a estratégia de hoje, mas acelerar a de amanhã. Para não ocorrer como na Itália. Lá, infelizmente, não perceberam que havia transmissão. Só começaram a notar quando estavam chegando casos graves e mortes. Os serviços na Itália, em grande parte, ficaram sobrecarregados.
Quais erros já foram notados neste surto de coronavírus e podem ser evitados?
Principalmente ter estratégia de contenção, mas preparar para a fase de mitigação. Quem não faz ao mesmo tempo vai perder tempo. São dias preciosos para evitar sobrecarga do serviço. O erro é o sistema de vigilância não dar informação, e você demorar a perceber que tem de mudar de estratégia. Continuar com contenção, quando já há transmissão na comunidade. Foi o que aconteceu na Itália.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião