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Sessão da CCJ em 2019, com Bia Kicis na mesa diretora: deputada do PSL deve assumir comando da comissão.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

"Não tem imbróglio, só não tem acordo". A frase do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dita na última quinta-feira (4), reflete a dificuldade vivida por ele e pelos líderes partidários para definir os comandos das comissões permanentes da Casa.

As disputas pelas presidências dos colegiados envolvem temas como o cumprimento de promessas estabelecidas há mais de dois anos, o apoio ou não ao governo de Jair Bolsonaro, a possibilidade de exercer influência em todos os destinos da Casa e até mesmo uma espécie de "redenção" de um personagem político. Comissões como a de Educação, a de Relações Exteriores e a de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), a mais importante da Câmara, estão no alvo das disputas.

O imbróglio — ou falta de acordo — levou Lira a adiar a instalação das comissões para a terça-feira (9), sendo que a previsão inicial era de formalização na própria quinta. Os colegiados estiveram inativos durante todo o ano passado, por conta da pandemia de coronavírus, o que amplia a expectativa em torno da retomada dos trabalhos.

“É o tempo necessário para que os líderes organizem os últimos detalhes da distribuição proporcional das presidências”, disse o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), primeiro vice-presidente da Câmara.

As presidências das comissões da Câmara são distribuídas de acordo com o tamanho das bancadas dos partidos. As legendas com mais deputados têm direito a mais comissões, e também a escolher as que desejam comandar. A distribuição, porém, não é feita unicamente de modo numérico; os partidos costumam fazer acordos, em que podem ceder espaço em um colegiado para obter destaque em outro.

Há ainda os cenários de disputa dentro de um mesmo partido, que ocorrem quando não há consenso sobre o nome de uma legenda que deve presidir a comissão.

Trilha aberta para Kicis no "plenarinho"

Uma das situações que se desenhou como um dos principais impasses para a instalação das comissões em 2021 está, aparentemente, solucionada. Arthur Lira pavimentou o caminho para que a deputada Bia Kicis (PSL-DF) seja a presidente da CCJ. Na quinta, ele disse não ver "nenhum óbice" para que a parlamentar assuma a função. A nomeação de Kicis vinha sendo contestada por conta de seus posicionamentos tidos como radicais e também pelo fato de ela ser investigada no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura os atos antidemocráticos.

A indicação de Kicis finaliza um acordo firmado ainda em 2019, no início da legislatura atual. Na ocasião, a bancada do PSL — então partido do presidente Bolsonaro — foi contemplada com o comando da CCJ no período entre 2019 e 2022 e definiu quem seriam os presidentes da comissão a cada ano. Kicis ficaria com a chefia em 2021.

De lá até os dias atuais, porém, o partido quase implodiu e viu sua ala mais simpática a Bolsonaro, grupo do qual Kicis faz parte, romper com o comando nacional da legenda. Isso fez com que a parlamentar enfrentasse um processo de expulsão do partido. Nesse contexto, o deputado Delegado Waldir (GO), do grupo do PSL que está mais distante do presidente da República, apresentou seu nome para comandar a comissão, tentando angariar o apoio da oposição.

"Ela defendeu atos antidemocráticos, manifestações contra o STF. É contra vacina e uso de máscara. O Brasil não precisa disso, ainda mais na comissão mais importante. Ela é de extrema-direita e eu sou de direita. Temos perfis diferentes. As posições políticas que ela adotou não são adequadas para o país", afirmou o goiano ao site Congresso em Foco.

Outra iniciativa contra Kicis foi movida pela deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), que entrou na Justiça com uma ação contra a chegada da integrante do PSL ao comando da CCJ. Na requisição, a gaúcha chama Kicis de "um perigo para o país" e "propagadora de mentiras, aliada do vírus, inimiga das liberdades democráticas e do povo".

A probabilidade de sucesso das estratégias de Melchionna e Waldir é diminuta, principalmente após o aval de Lira. Assim, Kicis deve mesmo estar à frente do "plenarinho", apelido dado à CCJ pelo ex-deputado Osmar Serraglio (PP-PR), que presidiu a comissão em 2016.

"É um plenarinho. Muitas vezes, por exemplo, uma pessoa acompanha pela TV uma sessão completa do plenário da Câmara, e não vê uma discussão de um projeto sobre meio ambiente. No dia seguinte, abre o jornal e vê que a Câmara aprovou aquele projeto sobre o meio ambiente. Então acha que a Câmara aprovou o projeto 'embaixo do balcão'. Não é isso. É que a CCJ tem o poder de dar a palavra final em 70% a 80% dos projetos que passam pela Câmara", colocou o ex-parlamentar.

Quando foi presidente da CCJ, Serraglio integrava o PMDB, então maior partido da Câmara. Era também o partido de Eduardo Cunha, que naquele mesmo ano conduziria o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e teria seu mandato cassado. "Foi um ano bastante pesado", resumiu.

Relações Exteriores: importância renovada

Outra disputa que contribui para o atraso na instalação das comissões se deu em torno da presidência da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Os principais interessados no comando do órgão são os deputados Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) e Aécio Neves (PSDB-MG).

A briga entre Aécio e Bragança traduz, inicialmente, a complexidade do rearranjo de forças que elegeu Lira em fevereiro. O PSDB de Aécio apoiou, ainda que de modo informal, o alagoano, e o comando de mais uma comissão estaria entre as compensações pelo voto. Já Bragança acabaria prejudicado pelo posicionamento de Lira em defesa de Kicis na CCJ — ao assegurar o comando da principal comissão ao PSL, o presidente da Câmara teria dado sua contribuição ao partido.

A chegada de Aécio ao comando de uma comissão serviria ainda para um retorno do tucano aos holofotes. Aécio foi de presidenciável em 2014 para quase expulso da vida pública nos anos seguintes, após ser flagrado em conversas comprometedoras com o empresário Joesley Batista, da JBS. Conseguiu se eleger deputado federal com pouco mais de 106 mil votos (teve 7,5 milhões em 2010, quando concorreu ao Senado, e 51 milhões no segundo turno de 2014) e exerce, até um momento, um mandato na Câmara de pouca presença pública, mas de constante articulação nos bastidores.

A Comissão de Relações Exteriores em disputa passou, na última década, por um fortalecimento de sua relevância na Câmara. A era Bolsonaro se iniciou com o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no comando do colegiado — e ele permanece no posto até os dias atuais, em virtude da inoperância das comissões em 2020. Antes, na época dos governos do PT, a comissão era palco de debates que se encaixavam nos projetos internacionalistas das gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, como ações no Mercosul, diálogos com países da África e com os membros dos "Brics".

"A partir do crescimento do papel do Brasil na esfera global, a comissão passou a ter um papel mais relevante", explicou a ex-deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), que foi presidente da comissão em 2015, o primeiro ano do segundo mandato de Dilma. A ex-parlamentar cita que, com o aumento da atenção, cresceram também discussões sobre temas caros à oposição da época, como os controversos regimes de Venezuela e Cuba. "Foi um grande desafio da presidência manter o debate e um ambiente democrático ao mesmo tempo", acrescentou.

A briga pela Comissão de Relações Exteriores pode ainda respingar na Comissão de Educação. Segundo reportagem do jornal O Globo, o PSL pode reivindicar a Educação se realmente ficar sem a chefia do colegiado sobre assuntos internacionais. A previsão inicial é de que a Comissão de Educação seja destinada à deputada Dorinha Seabra (DEM-TO).

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