Ouça este conteúdo
O sistema de votação virtual desenvolvido por Câmara e Senado não evitou que as comissões permanentes das duas casas legislativas ficassem paralisadas desde o início da pandemia de coronavírus, em março. A paralisação não apenas prejudicou o debate público no Congresso, mas interferiu no jogo de poder – que ficou ainda mais concentrado nas mãos de líderes partidários e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Para alguns parlamentares, porém, o não funcionamento das comissões pode trazer efeitos positivos, por permitir reflexões sobre a gestão de colegiados e até mesmo sobre a necessidade da existência de algumas deles.
No Senado, as comissões não fazem reuniões desde a semana do dia 10 de março. Já na Câmara, o quadro ainda é mais grave. Os colegiados permanentes não chegaram a ser instalados em 2020 e não trabalharam durante todo o ano.
As comissões permanentes – como a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e as que abordam temas como economia, saúde, meio ambiente e outros – conduzem algumas das principais atividades do dia a dia do Congresso. Os grupos servem para a análise de projetos de lei e também para a fiscalização de ações do Poder Executivo.
Algumas comissões, por exemplo, têm entre suas atribuições o poder de convocar ministros de Estado para audiências. Já a CCJ sabatina os candidatos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a outros altos postos de Estado.
Presidentes e líderes fortalecidos; debate prejudicado
Durante a controversa votação do projeto das fake news, concluída no dia 30 de junho, senadores contrários à proposta diziam que a iniciativa merecia ser apreciada pelas comissões da Casa. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que a proposição demandava celeridade e, por isso, a submeteu a votação direta ao plenário.
Esse é um exemplo de uma situação que tem caracterizado as recentes votações no Congresso e o período sem o trabalho das comissões.
Na opinião de parlamentares, os colegiados inoperantes fazem com que os presidentes de Câmara e Senado tenham mais poder para pautarem temas de seu interesse e decidirem a agenda legislativa
"Eu não tenho dúvida de que o poder dele [Rodrigo Maia, DEM, presidente da Câmara] está maior do que antes. Ele tem um perfil flexível e agregador. Mas é claro que, com tudo o que está acontecendo, o poder fica mais concentrado nas mãos do presidente", diz a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
"O presidente fica com mais poder do que antes, também por conta de que não há mais votação dos projetos de caráter terminativo", afirma o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), em relação às propostas que tramitam apenas nas comissões, sem necessidade de passar pelo plenário.
O mesmo ocorre no Senado, na opinião do senador Izalci Lucas (PSDB-DF): "Como tudo se concentra no plenário, ficamos dependendo das decisões da presidência".
Além dos presidentes da Câmara e do Senado, quem também tem se fortalecido sem o funcionamento das comissões são os líderes das bancadas.
Como os encontros presenciais típicos das comissões não têm ocorrido, os parlamentares não conseguem mais se influenciar mutuamente. E as reuniões dos líderes com os presidentes ganham mais importância na definição do que será assunto de debate público. "Acaba que só os líderes podem se expressar mais, apresentar questões de ordem. Foi até criada uma sala virtual de líderes, à qual os outros deputados não têm acesso", afirma a deputada do PCdoB.
Presidente de comissão pede retomada gradual
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) está em seu primeiro mandato e é o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara. Ele considera compreensível a paralisação dos trabalhos e o direcionamento das atenções aos projetos relacionados ao combate ao coronavírus. Mas lamenta a ausência dos debates permitidos pelas comissões.
"É uma situação muito ruim. Há um grande número de projetos represados na comissão. E a produção legislativa não está sendo baixa, pelo contrário. A política ambiental precisa avançar, e os projetos estão parados", afirma Agostinho.
O deputado defende que as comissões promovam uma retomada gradual das atividades. Uma primeira medida a ser tomada, defendida por ele, seria a prorrogação do mandato dos atuais presidentes das comissões para evitar a realização de um novo processo eleitoral em meio à pandemia. Na Câmara, os cargos de direção das comissões ainda precisam ser escolhidos.
Uma segunda medida defendida por Rodrigo Agostinho é a retomada dos trabalhos por meio de reuniões virtuais e votações de temas que gerem menos controvérsias – que, segundo ele, não são raros.
A realização de reuniões virtuais para as comissões é uma ideia vista com cautela pela deputada Alice Portugal. Para a congressista, a sistemática atual, que permite as votações em plenário, enfrentaria dificuldades em uma replicação em maior escala para as diferentes comissões.
O que pode servir de aprendizado
O deputado Rodrigo Agostinho vê, porém, uma oportunidade para a Câmara. Segundo ele, os efeitos da pandemia podem motivar a Casa a pensar sobre uma "melhor organização" das comissões.
O parlamentar afirma que um dos piores problemas da Câmara é a possibilidade de que deputados participem de muitas comissões. "Isso faz com que os deputados tenham que se revezar; acabem deixando algumas comissões de lado para atender a outras que considerem mais importantes em um determinado momento. Sem contar que há ocasiões em que as reuniões acontecem ao mesmo tempo. O ideal seria que cada deputado apenas ficasse na comissão que tem mais afinidade."
Marcel Van Hattem é mais incisivo: para ele, "seria bem melhor se fosse reduzido o número de comissões". "É comissão demais. Isso acaba esvaziando a importância de algumas delas, impede o trabalho mais dedicado dos parlamentares. Acaba sendo humanamente impossível acompanhar tudo, tanto para o deputado quanto para os assessores", afirma o deputado do Novo.
Qual é a expectativa de retorno do trabalho das comissões
Parlamentares esperam que as comissões permanentes do Congresso retomem as atividades em agosto, ainda que não em sua integralidade.
O Senado estuda promover reuniões de algumas comissões para atender demandas específicas, como votações sobre indicações de embaixadores brasileiros no exterior.
Já a Câmara, apesar da expectativa de deputados, não estabelece uma data para o retorno de suas atividades. Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Casa informa que "não há previsão para a instalação das comissões permanentes" em 2020.