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Indígenas acompanharam o julgamento do marco temporal no plenário do STF
Indígenas acompanharam o julgamento do marco temporal no plenário do STF.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais rápido do que o Congresso Nacional e decidiu nesta quinta-feira (21) pela inconstitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A decisão acentua a insegurança jurídica no campo e coloca em risco o futuro de milhares de famílias. Parlamentares da bancada do agro reagiram e prometem a aprovação de duas emendas constitucionais e de um projeto de lei que estabeleçam de forma clara na legislação brasileira a validade da tese e o pagamento de indenizações aos produtores que eventualmente tenham suas terras demarcadas.

A partir da decisão do STF, a bancada do agro diz que pode até obstruir votações na Câmara e no Senado para que a agenda avance. Depois da decisão do STF, a FPA agora terá que mostrar coesão e a força da maior bancada do Congresso. A partir da derrubada do marco temporal, as demarcações devem ganhar fôlego e os 226 processos que estão no STF devem levar em conta a definição tomada pela Corte.

Desde a promulgação da Constituição, o debate sobre a demarcação de terras indígenas esteve em voga por diversas vezes no Congresso Nacional. Em especial, com a PEC 215/2000, que acabou arquivada, e posteriormente com o PL 490/2007 (hoje PL 2903/2023), do marco temporal. No entanto, uma decisão do STF, em 2009, fez com que as propostas sobre o marco temporal não fossem o foco da bancada do agronegócio no Congresso, já que o entendimento era que a questão estava pacificada.

Produtores rurais criticaram a decisão do STF sobre o marco temporal, classificando-a como irresponsável. “O STF, pressionado por este governo atual, está pedindo que tenha um derramamento de sangue. Estão jogando vidas para a morte”, disse o presidente da Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia (Agronex), Mateus Bonfim. Eles também expressaram sua decepção com a bancada do agro e lamentaram que os parlamentares tenham deixado isso acontecer. “O Congresso deixou esse assunto [do marco temporal] correr por 35 anos”, lamentou o presidente do Sindicato Rural de Ribeirão Preto, Paulo Maximiano Junqueira Neto.

Convicção sobre entendimento do STF no marco temporal fez com que Congresso não legislasse  

Convictos de que a decisão do STF sobre a Raposa Serra do Sol garantia o marco temporal, parlamentares da bancada do agro entendiam que a questão estava pacificada. Apesar de propostas como a PEC 215 e o PL 490, por exemplo, terem abordado o assunto no Congresso Nacional, ambas acumularam reveses e pouco andaram até que o STF julgou o caso de Raposa Serra do Sol. “A PEC 215 esteve pronta para análise do Plenário da Câmara dos Deputados simultaneamente com a decisão do caso Raposa Serra do Sol. Portanto, quando o STF julgou o caso e consolidou sua jurisprudência, iniciada com a Súmula 650/STF, entendeu-se que a questão estava pacificada”, afirmou a assessoria técnica da FPA.

A PEC 215/2000, arquivada em 2023, pretendia incluir dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras indígenas e a ratificação daquelas já homologadas. Ela tinha ainda o objetivo de estabelecer que os critérios e procedimentos de demarcação seriam regulamentados por lei. A proposta chegou a ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em 2012, e em uma Comissão Especial em 2015.

A Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, considerada a maior do mundo em área contínua, foi homologada em 2005, mas foi questionada no STF. Somente em 2009, os ministros da Corte bateram o martelo pela demarcação e imediata retirada dos ocupantes não indígenas.

Junto com a decisão, foram apresentadas 19 condicionantes para a demarcação. Entre elas a definição de que só são terras indígenas as ocupadas na data da promulgação da Constituição e a proibição de expandir as áreas demarcadas. É importante lembrar, que quatro anos depois, em outubro de 2013, o STF decidiu, em embargos de declaração, que, embora a decisão sobre a Raposa Serra do Sol tenha sido um precedente importante, não tinha caráter vinculante. Ou seja, que só se aplicava àquele caso específico, e não a todos os casos sobre o mesmo tema.

Já em 2017, o então presidente Michel Temer aprovou Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União que mandava a União seguir a decisão do STF sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol em todos os processos de demarcação de terra indígena feitos pelo governo federal.

No entanto, o julgamento do Recurso Extraordinário 1017365, iniciado em 2017, retomou o tema e os ministros reconheceram sua repercussão geral. Isso significa que a decisão tomada neste julgamento terá consequências para todas as demarcações de terras indígenas no país.

“STF usurpou funções”, afirma presidente da FPA 

A decisão do STF foi recebida com indignação pelos parlamentares da bancada do agro. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) classificou o julgamento como um ato de desrespeito. “O atrevido julgamento do marco temporal, justamente no momento em que o Senado analisa esse tema, viola a separação dos poderes. É ato de desrespeito institucional”, disse o senador por meio de suas redes sociais.

Já o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) disse que a decisão do STF abre um precedente perigoso no direito de propriedade. “Quem deveria zelar pela Constituição, na verdade, gera mais insegurança jurídica e fere frontalmente a divisão entre os poderes”.

Ainda sobre o Supremo, o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion, foi categórico ao dizer que ele extrapola o seu papel no sistema democrático. "O STF tem se colocado como legislador, usurpando funções do Congresso Nacional. Nós, deputados e senadores, somos os legítimos legisladores. Eu não consigo entender que isso seja acaso. O Congresso precisa ter o direito de exercer o seu papel de legislar", afirmou Lupion. O presidente também disse que a FPA deve entrar com embargos de declaração no STF contra a decisão sobre o marco temporal.

Em mudança de estratégia, FPA tentará obstrução para garantir votação de PECs 

Para resolver a questão do marco temporal, a FPA tem foco agora em três propostas legislativas. A aprovação do PL 2903/2023, que define o marco temporal, é o primeiro passo. A proposta foi aprovada em maio na Câmara dos Deputados, após 16 anos em tramitação, mas ainda precisa passar por uma comissão, pelo plenário do Senado e pela sanção presidencial para se tornar lei.

De acordo com Lupion, em paralelo, a bancada do agro estará focada na tramitação e na aprovação das PECs 132/15, do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) e do ex-senador Paulo Bauer (PSDB-SC), que trata de indenizações prévias em terras utilizadas para demarcação, e PEC 48, do senador Hiran Gonçalves (PP-RR), que coloca claramente na Constituição que o Marco Temporal de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, precisa ser cumprido.

Para que as propostas tenham rapidez na tramitação, o presidente da FPA sinalizou que a bancada poderá obstruir os trabalhos nas duas Casas. "Iremos até as últimas consequências pelo direito de propriedade no Brasil. Quem está dizendo isso não é o Pedro Lupion sozinho. É a maior e mais organizada bancada do Congresso, respaldada por 55 entidades que defendem os produtores rurais [...] Asseguro que vamos adotar todas as estratégias regimentais para aprovar as PECs e acabar com esse desmonte constante do direito de propriedade", disse Lupion.

“Antes tarde do que nunca”, afirma produtor rural sobre atuação da FPA na questão do marco temporal 

“Antes tarde do que nunca”, foi assim que o presidente do Sindicato Rural de Ribeirão Preto, Paulo Maximiano Junqueira Neto, definiu a reação da FPA diante da decisão do STF sobre o marco temporal. “Já temos 35 anos desde a promulgação da Constituição e as pessoas estão nestas propriedades desde muito antes. Elas estão tituladas e elas têm documento público, registro [...] Agora, depois de cerca de 15 anos em discussão, o STF diz que o marco temporal é inconstitucional?”, disse Junqueira Neto.

Wilson de Souza, que é o advogado dos agricultores que podem ser atingidos pela ampliação da demarcação da Terra Indígena Toldo Pinhal, em Santa Catarina, afirma que a ação da FPA é tardia. “O Congresso foi omisso ao não legislar sobre a causa durante todos esses anos”, afirmou Souza.

Ele participa há pelo menos 15 anos de discussões sobre o marco temporal. O advogado destacou ainda que, embora as propostas apoiadas pela FPA sejam importantes, a tramitação demorada pode causar uma tragédia até que seja resolvida. “Na verdade, não foi tomada providência nenhuma [até agora]. É só pensar nos 15 anos que nós estamos aí, vendo isso. Uma insegurança jurídica, um terror ao campo”, acrescentou Souza.

O presidente da Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia (Agronex), Mateus Bonfim, por sua vez, disse que a decisão do STF foi irresponsável. “O STF, pressionado por este governo atual, está pedindo que tenha um derramamento de sangue. Estão jogando vidas para a morte”, disse o presidente da associação. Bonfim ressaltou também que os produtores não querem indenização, mas esperam permanecer em suas propriedades.

De acordo com o presidente da Agronex, a região do extremo sul da Bahia abrange 21 municípios. Na região, há cerca de 200 propriedades que estão em estudos para demarcação de terras indígenas. São cerca de 50 mil hectares de área produtiva que podem ser demarcados. “Nós temos aqui pelo menos 50 propriedades invadidas por indígenas que dizem estar fazendo uma autodemarcação”, afirmou Bonfim.

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