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O despacho do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, em reação ao pedido do Partido Liberal (PL) para invalidar os votos computados em 279 mil urnas eletrônicas, causou críticas, desconforto e apreensão em parte da base do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso.
Moraes solicitou ao PL que a representação protocolada nesta terça-feira (22) abranja os dois turnos das eleições deste ano, já que as urnas que teriam tido problemas foram usadas em ambas as votações. O recurso do partido contesta apenas os votos do segundo turno. Isso colocaria em xeque não apenas a eleição de candidatos da legenda de Bolsonaro, mas de toda a sua base aliada, e inclusive de candidatos independentes e de oposição.
"O pessoal só queria mexer na eleição presidencial, não querem mexer no cargo deles. E aí, desmorona o resto. É um xeque-mate do Alexandre de Moraes", afirmou um deputado federal do PL reservadamente à reportagem.
Para o deputado Aluísio Mendes (PSC-MA), vice-líder do governo na Câmara, há um sentimento de "perplexidade" em relação à decisão do PL de contestar o resultado da eleição. "Ouvi hoje a maioria dos partidos da base e não da base, e estão todos assoberbados com uma decisão e anúncio tão despropositado", disse.
Essa opinião, porém, não é uma unanimidade na base. Outras lideranças avaliaram de positiva a iniciativa do PL. "É uma representação séria, de empresas de conceito internacional, que devem ser respeitadas e têm que ser ouvidas e respeitadas. Acatar a representação é o mínimo para dirimir dúvidas", disse o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), vice-líder do partido na Câmara.
Uma parcela da bancada do PL é favorável à contestação, ainda que isso possa impactar na eleição e reeleição de candidatos. Deputados como Filipe Barros (PL-PR) e Bia Kicis (PL-DF), ambos vice-líderes do partido na Câmara, publicaram nas redes sociais as frases: "Queremos transparência nas eleições mesmo que isso custe o mandato dos já eleitos. Não há democracia sem transparência".
À Gazeta do Povo, Barros reforçou o posicionamento do partido e entende que o despacho de Moraes não divide a bancada do partido, nem a base governista. "Não discutimos isso ainda, nem posso falar pela bancada, mas posso dizer que o clima do plenário é o mesmo que coloquei no Twitter. Pelo menos da nossa parte, dos deputados que aqui estão e que conversamos sobre isso", afirmou.
Que análise a base de Bolsonaro faz da decisão de Moraes
Filipe Barros disse que a decisão de Moraes é política e não jurídica. "Tanto é que a coletiva [de imprensa convocada pelo presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto] não havia nem acabado e já estava com a decisão pronta", disse. O parlamentar reforçou essa percepção ao ressaltar que a decisão ignora o histórico sequencial dos logs, o registro de eventos que ocorrem em cada urna eletrônica.
"Ele pede para incluirmos os dados do primeiro turno, que já estão, pois o log da urna é um sequencial e único, tem o histórico de tudo que aconteceu para cada urna específica, o que demonstra tudo do primeiro ao segundo turno. Os relatórios já estão constados na ação do PL. Ele saberia que o que está pedindo já está lá, se tivesse lido", afirmou.
Barros entende que a determinação de Moraes tem por objetivo constranger Costa Neto e o próprio Congresso Nacional, a fim de incentivar "inúmeros parlamentares" a deixarem de apoiar a demanda por "mais transparência nas eleições". "O pedido é político e muito frágil, pois o juiz tem que julgar o que foi pedido dentro das partes. Se ele deu prazo para responder, então também posso entender que ele concorda com nossa premissa, e aí, tudo bem, então vamos até as últimas consequências", argumentou.
Crítico à contestação do PL, o deputado Aluísio Mendes chamou de "correta" a decisão de Moraes. "É uma leviandade questionar [as eleições] quando não tem resultado de que houve fraude concreta. Se está questionando o resultado baseado nessas 280 mil urnas, nada impede a decisão do TSE. Será que estão todos dispostos a participar de um novo processo eleitoral? É o preço a se pagar por uma irresponsabilidade dessas", argumentou.
O vice-líder do governo classifica como "equivocada" a tentativa de contestação do resultado e entende que o processo eleitoral é comprovadamente confiável. "O presidente Bolsonaro e o PL perdem a oportunidade de aceitar o resultado das urnas e sair com uma grande oposição. Questionar sem fundamentação e prova considero até irresponsável e espero que a razão volte a pairar e que as pessoas entendam que é preciso respeitar o resultado das urnas", destacou.
Mendes defende que o momento para os candidatos derrotados é discutir o futuro político-partidário para 2024 e pavimentar o caminho para as eleições de 2026. "Não é questionando que vamos mudar o resultado desta eleição. Que assumam a derrota e se preparem para disputar as próximas eleições", disse.
Qual é a chance de Moraes acatar o pedido do PL
O prazo exíguo de 24 horas para o PL incluir as urnas usadas no primeiro turno no pedido de anulação de votos no segundo turno é considerada na base de Bolsonaro um prazo exíguo. Alguns aliados sustentam que o caminho natural é entrar com um recurso de extensão de prazo.
Ainda assim, a possibilidade de sucesso na reivindicação do PL é avaliada como improvável na base política. "A expectativa de que o TSE dê qualquer decisão a favor de Bolsonaro é zero", disse à CNN o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que não questiona o resultado das eleições.
O parlamentar considera, porém, importante a manifestação para "questionar a conduta da Justiça eleitoral". "O TSE tomou lado contra ele, claramente, nas suas resoluções, nas suas decisões durante a campanha, fez tudo que pôde para prejudicar Bolsonaro", disse. " "Não há expectativa minha, pelo menos, de que o TSE vá acatar documentos, mas é importante que o partido apresente os seus argumentos para que não fique apenas o lamento de quem perdeu a eleição", acrescentou.
O deputado Aluísio Mendes reforçou essa análise. "Ninguém acha que vai adiante. Apenas observei dois ou três convalidando". Por esse motivo, o vice-líder do governo sequer vislumbra a possibilidade um racha na base governista em razão da contestação do resultado eleitoral. "Não tem como rachar, há apenas um sentimento de perplexidade e total descrença que vai resultar em alguma coisa", disse.
O deputado Filipe Barros reforça o intuito de recorrer até as "últimas consequências", mas diz que é preciso aguardar. "Vamos ver qual vai ser o desenrolar disso, pois é o TSE investigando o próprio TSE", comentou.