Se o Brasil tivesse o mesmo nível de percepção de corrupção que o Chile nos trinta anos que se passaram entre 1975 e 2005, teria experimentado um aumento de 23% no nível médio de renda per capita. O cálculo, feito pelo delegado da Polícia Federal Felipe Eduardo Hideo Hayashi em uma monografia apresentada para o mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), confirma que o combate à corrupção tem efeitos diretos na renda dos cidadãos.
Estimativas semelhantes, comparando países de diferentes desempenhos no combate à corrupção, são frequentes: outra monografia, esta apresentada à Universidade Federal do Paraná (UFPR) por Pedro Hauer Gottschild, explica: “Caso houvesse em Bangladesh uma melhoria da integridade e da eficiência de suas instituições para um nível equivalente ao do Uruguai, o nível de investimento privado aumentaria em 5%, e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) aumentaria em 0,5%”.
Existe uma série de dificuldades em medir a corrupção – afinal, trata-se de um ato ilícito, e medir apenas os resultados das investigações pode ser improdutivo na medida em que as próprias instituições de controle podem estar contaminadas.
Em geral, o indicador mais utilizado, produzido pela Transparência Internacional, considera a percepção da corrupção, ou seja, o quanto os cidadãos de um determinado país acreditam que suas instituições funcionam na base de favores e propina. Mas uma coisa é certa: com base nos indicadores disponíveis, não há a menor dúvida de que a corrupção tem impacto direto no desenvolvimento econômico e social de uma nação.
Corrupção atrapalha o desenvolvimento ou baixo desenvolvimento gera corrupção?
Transparência e desenvolvimento econômico e social caminham juntos, não há dúvida. Quando se coloca lado a lado o Índice de Percepção de Corrupção, o Índice de Liberdade Econômica e o Índice de Desenvolvimento Humano (veja ao fim da reportagem), dois países estão entre os dez melhores posicionados nos três rankings: Dinamarca e Suíça. Outros seis aparecem entre os dez melhores no ranking da percepção de corrupção e em pelo menos um outro ranking: Nova Zelândia, Suécia, Noruega, Alemanha, Holanda e Singapura.
Por outro lado, quatro das dez nações mais corruptas também estão em menos um outro ranking dentre as dez piores: Coreia do Norte, Venezuela, Sudão e Sudão do Sul.
Em termos de liberdade econômica, o Brasil se arrasta na parte final da lista. Nos outros dois indicadores, ocupa, há anos, uma posição intermediária.
Mas o que vem primeiro? A liberdade econômica e o desenvolvimento humano reduzem a corrupção? Ou é o combate a práticas ilícitas que gera qualidade de vida para os habitantes de um país?
Neste típico dilema entre o ovo e a galinha, os especialistas debatem respostas. Lembram que a corrupção também existe em economias pujantes, como a da China.
“O Reino Unidos enfrenta desafios ligados à corrupção, tanto quanto a Somália. Mas a natureza dos desafios é diferente. Assim como outros países, que eram pobres e enriqueceram em poucas décadas, como a China e a Coreia do Sul, que cresceram de forma consistente, mesmo encarando grandes desafios na área da corrupção”, afirma, por exemplo, Dan Hough, diretor do Centro para Estudos da Corrupção da Universidade de Sussex, no Reino Unido.
Mas os especialistas lembram que o senso comum é que primeiro vem o ataque à corrupção. Os benefícios são decorrentes dessas práticas – que, para alcançar resultados, precisam se sustentar por décadas. “Países que são vistos como menos corruptos no índice de percepção de corrupção tendem a ter notas melhores no Índice de Desenvolvimento Humano”, lembra Esteban Ortiz-Ospina, pesquisador da Escola de Governo Blavatnik, da Universidade de Oxford.
“Há muitos fatores que simultaneamente afetam tanto a corrupção quanto o desenvolvimento. A educação é importante nesse caso. Em geral, eleitores mais educados tendem a monitorar e cobrar mais os funcionários públicos para que eles não violem a lei”, diz ele.
Países mais corruptos vivem num círculo vicioso
“A corrupção afeta de forma negativa o crescimento econômico, os direitos civis, os investimentos sociais e privados, e a ineficiência na alocação de recursos”, afirma Pedro Hauer Gottschild em sua tese. “Países com altas taxas de corrupção tendem a ter recursos naturais abundantes, maior desigualdade na educação, baixa média de anos de estudo secundário e distribuição de terras desigual”, diz o estudo. Além disso, ele afirma que “a corrupção diminui o crescimento da economia e, por conseguinte, aumenta a taxa de pobreza”.
Mas de que maneira exatamente a corrupção mina o potencial econômico e a distribuição e renda? O pesquisador explica que países com altas taxas de corrupção possuem, em geral, menor estoque de capital. “Dessa maneira”, explica Gottschild , “a corrupção pode influir diretamente na alocação de recursos, diminuindo investimentos internos e externos em um determinado país, visto que os investidores se preocupam com a credibilidade das políticas governamentais e receiam realizar investimentos incertos”.
Esse círculo vicioso limita a capacidade de financiar grandes obras e valoriza empresas locais ineficientes – afinal, mais importante do que entregar o melhor serviço pelo menor preço passa a ser a capacidade de pagar as propinas certas para conseguir os maiores contratos superfaturados. Em outras palavras, “a corrupção resulta na promoção de firmas muitas vezes ineficientes, e a alocação de talento, tecnologia e capital fica distante de seu uso mais produtivo”. Países assim, aponta o pesquisador, são mais frágeis diante de crises econômicas.
O resultado pode ser sentido no cotidiano das pessoas comuns. “O aumento de práticas corruptas impacta positivamente na desigualdade de renda e pobreza, e negativamente no desenvolvimento humano dos municípios brasileiros”, afirma Flavius Raymundo Arruda Sodré na tese Os impactos da corrupção no desenvolvimento humano, desigualdade de renda e pobreza dos municípios brasileiros, apresentada para a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“Um aumento do número médio de irregularidades pode impactar negativamente em 4,5% o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] dos municípios, aumentar em cerca de 6,5% o índice de Gini [que mede a desigualdade] e em 5% a proporção de pobres dos municípios brasileiros. Além disso, verificou-se uma diminuição de 7% na renda familiar per capita dos indivíduos mais pobres”, diz trecho da pesquisa de Sodré. Esses resultados, afirma o autor, “reforçam a importância de instituições fortes e agentes fiscalizadores eficazes para que se possa alcançar níveis maiores de prosperidade econômica”.
Os rankings que mostram os estragos da corrupção
Na comparação entres os mais respeitados indicadores internacionais, menos corrupção significa mais desenvolvimento.
Índice de Percepção da Corrupção 2020 (Transparência Internacional)
Dez melhores
1. Dinamarca
1. Nova Zelândia
3. Finlândia
3. Singapura
3. Suécia
3. Suíça
7. Noruega
8. Holanda
9. Alemanha
9. Luxemburgo
Cinco piores
171. Haiti
172. Coreia do Norte
173. Líbia
174. Guiné Equatorial
175. Sudão
176. Venezuela
177. Iêmen
178. Síria
179. Somália
180. Sudão do Sul
Posição do Brasil: 94.º
Índice de Liberdade Econômica (Heritage Foundation)
Dez melhores
1. Singapura
2. Nova Zelândia
3. Austrália
4. Suíça
5. Irlanda
6. Taiwan
7. Reino Unido
8. Estônia
9. Canadá
10. Dinamarca
Dez piores
169. Suriname
170. Timor Leste
171. Quiribati
172. Bolívia
173. Eritreia
174. Zimbábue
175. Sudão
176. Cuba
177. Venezuela
178. Coreia do Norte
Posição do Brasil: 143.º
Índice de Desenvolvimento Humano (Organização das Nações Unidas)
Dez melhores
1. Noruega
2. Irlanda
2. Suíça
4. Hong Kong
4. Islândia
6. Alemanha
7. Suécia
8. Austrália
8. Holanda
10. Dinamarca
Dez piores
180. Eritreia
181. Moçambique
182. Serra Leoa
182. Burkina Faso
184. Mali
185. Burundi
185. Sudão do Sul
187. Chade
188. República Centro-Africana
189. Níger
Posição do Brasil: 84.º
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