A crise entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se intensificou nos últimos dias diante da resistência de ambos em dar andamento a propostas apresentadas pela outra Casa legislativa. Com isso, congressistas afirmam que o cenário para avançar com as reformas do governo fica cada vem mais improvável. Além disso, propostas envolvendo empresas endividadas e assistência social a pobres podem ser afetadas pela "briga" entre Pacheco e Lira.
Eleitos para o comando da Câmara e do Senado com apoio do Palácio do Planalto no começo deste ano, Lira e Pacheco já não têm a mesma sintonia que demonstravam em entrevistas coletivas e em encontros políticos. Para aliados do presidente do Senado, Lira tentou passar um “trator” em matérias como a reforma eleitoral, mudanças do Imposto de Renda (IR) e mais recentemente com a PEC dos precatórios.
Já os aliados do presidente da Câmara acusam Pacheco de travar as matérias de interesse do governo por causa de suas pretensões eleitorais em 2022. Recentemente o senador trocou o DEM pelo PSD e almeja se lançar na corrida presidencial como um dos nomes da chamada terceira via. Pacheco nega e diz que as matérias não caminham porque não têm consenso entre os senadores.
Reforma do IR era prioridade de Lira
De acordo com o aliados de Arthur Lira, o presidente da Câmara pretendia entregar algumas reformas neste ano, entre elas a do Imposto de Renda, que é uma fatia da reforma tributária. O texto passou pela Câmara em setembro e desde então aguarda votação dos senadores (quem tem de pautar a votação é Pacheco).
“O Senado tem que dar prosseguimento, tínhamos um acordo de procedimento. O Senado não votou o Imposto de Renda”, afirmou Lira em evento da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad). De acordo com o presidente da Câmara, com a aprovação das alterações do Imposto de Renda e da cobrança de dividendos, haveria fonte de custeio para o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, se tornar permanente. Como o texto ainda não foi aprovado pelo Senado, Lira disse esperar que os senadores aprovem com celeridade a PEC dos precatórios para abrir espaço fiscal para o pagamento do Auxílio Brasil.
“Estamos com mais de 20 milhões de famílias passando fome, daí a importância da PEC dos precatórios e do auxílio temporário. O dividendo [do projeto do Imposto de Renda] serviria de fonte para criar um programa dentro do teto de R$ 300 permanente. Sem essa fonte, não é possível", explicou.
Pressionado a pautar a reforma do IR, Pacheco tem rebatido as acusações de Lira e recentemente afirmou que seu compromisso é com os senadores e com a Constituição. “Todos nós cumprimos nossos compromissos. Eu tenho um acordo firmado com os senadores do Senado Federal, que é de cumprir a Constituição, de cumprir de maneira democrática o trâmite dos projetos. O projeto do Imposto de Renda eu estou cumprindo fielmente aquilo que eu me comprometi com os senadores, que é de submeter a eles, através da Comissão de Assuntos Econômicos uma reflexão que possa ter a participação de todos”, disse o presidente do Senado.
Na Casa, a proposta é relatada pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), que tem afirmado aos seus aliados que não será “açodado” pela pressão da Câmara e que seu relatório só será entregue no momento “oportuno”. Recentemente, Coronel afirmou que o texto aprovado na Câmara é "horrível" e "mal escrito", e que não há hipótese alguma de ser votado neste ano.
A perspectiva dos senadores é que o texto só seja finalizado em 2022, e, se pautado, deve enfrentar dificuldades na aprovação por causa do clima eleitoral. Pacheco tem defendido a ideia de uma tramitação mais lenta, mas que propicie "uma reforma ampla".
“O processo legislativo deve ser amadurecido, precisa ser maturado; é preciso ouvir sociedade. Então esse é um caminho normal, eu acho que esse é o principal acordo que deve ser cumprido, é o acordo com a sociedade brasileira”, declarou o presidente do Senado.
Sem perspectiva de aprovação da reforma do IR ainda neste ano, o Planalto passou a apostar todas as suas fichas na aprovação da PEC dos precatórios, que permite que o governo não pague todas as dívidas já reconhecidas pela Justiça.
Lira, que se mantém fiel ao presidente Jair Bolsonaro, cumpriu sua parte. Pautou a PEC – que foi aprovada pelos deputados em dois turnos de votação. Agora a proposta está no Senado, onde enfrenta mais resistências. O relator da PEC no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que é líder do governo na Casa, aceitou modificar o texto da Câmara numa tentativa de convencer mais senadores a votar a favor da proposta. Uma das mudanças foi tornar permanente o Auxílio Brasil – a PEC aprovada na Câmara previa o pagamento apenas em 2022, o que era uma das críticas à proposta.
De autoria de Pacheco, novo Refis deve ser modificado pela Câmara
Com o desgaste entre Lira e Pacheco, outras matérias também passaram a ser motivos para embates entre os presidentes das duas Casas do Legislativo. De autoria de Pacheco, o projeto que cria o novo Refis, programa que prevê prazos e condições para o pagamento de débitos de empresas com a União, está parado na Câmara desde agosto.
A expectativa de Lira era ampliar a pressão sobre o presidente do Senado ao engavetar a proposta. O presidente da Câmara, no entanto, já admite pautar o texto mesmo sem a aprovação da reforma do Imposto de Renda pelos senadores.
Reservadamente, líderes da Câmara admitem que uma manobra regimental para que os deputados tenham a palavra final sobre o projeto vem sendo discutida no colégio de líderes. Uma das propostas é pautar o projeto do deputado Ricardo Guidi (PSD-SC), que tem o mesmo teor do projeto de Pacheco. Com isso, quem terá a palavra final sobre as regras serão os deputados, que analisarão eventuais alterações que os senadores fizerem nesse novo texto. Se fosse votado o projeto de Pacheco, os senadores decidiriam sobre as emendas da Câmara e poderiam rejeitá-las.
O texto estudado pelos deputados concede a todas as empresas o mesmo número de parcelas para quitar as dívidas com a União, valor de entrada e desconto nas multas, independentemente da queda de faturamento durante a pandemia. A versão do Senado estabelece uma gradação: as empresas com mais perdas de faturamento teriam acesso a descontos e a um número maior de parcelas para quitar os débitos com a União.
Para as empresas que não tiveram perdas, o valor pago na entrada será de 25% da dívida, e o parcelamento será de no máximo cinco meses, com possibilidade de quitar até 25% do valor com a utilização de créditos tributários. No Senado, esse texto chegou a ser articulado junto ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que chegou a batizar a proposta de “passaporte tributário”. Eventuais mudanças na proposta já contam com resistências por parte do Palácio do Planalto.
“O Refis todo mundo quer. Então, o que todo mundo quer, geralmente o governo não quer, e nós temos que estar ali fazendo sempre a interface. Pois bem, o Senado não votou Imposto de Renda e o relator anda dizendo que não vai votar. Nós vamos votar o Refis. Talvez não o texto que o Senado aprovou, talvez não o mesmo texto, mas vamos aprovar o Refis”, disse Arthur Lira.
Emendas do relator são novo capítulo da briga entre Pacheco e Lira
Além dos atuais motivos da "briga" entre Lira e Pacheco, nos bastidores deputados e senadores avaliam que mudanças nas chamadas emendas de relator, suspensas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), devem ampliar os desgastes entre as duas Casas. Na avaliação dos parlamentares, enquanto Lira tem defendido a distribuição das emendas, Pacheco não tem se dedicado em buscar uma alternativa para a suspensão do pagamento das emendas determinado pelo STF por falta de transparência.
Na Câmara, os deputados defendem que não haja mudanças na distribuição das emendas de relator. Já os senadores querem acabar com esse tipo de emenda ou limitá-las a um percentual da receita da União, o que poderia fixar esse tipo de mecanismo a, no máximo, R$ 3,5 bilhões no próximo ano. Para 2021, as emendas de relator totalizam R$ 16,8 bilhões, sendo R$ 11 bilhões para deputados e R$ 5,8 bilhões no Senado.
“A ideia é justamente diminuir o poder do Arthur Lira, que tem esse orçamento bilionário para comprar apoio na Câmara”, admite um líder do Senado. Na Câmara, Lira tem o controle das emendas de relator, enquanto no Senado o controle é feito pelo Palácio do Planalto.
Deputados e senadores buscam resolver o impasse como forma de atender à decisão do STF, que bloqueou a liberação dos pagamentos das emendas até que o Congresso defina regras transparentes para a distribuição destes recursos.
“Demonizar as emendas do relator é trazer um retrocesso. Nós vamos perder recursos para educação, construção de escolas. Vamos ter esse prejuízo, perdendo aí R$ 13 bilhões, ou transformar esse orçamento em RP2, que são emendas exclusivas do Poder Executivo. Aí eu quero ver como você vai controlar”, disse Lira em entrevista à GloboNews.
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