Fachada da superintendência da PF em Curitiba, onde a Lava Jato começou.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo/Arquivo
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Além das implicações judiciais, políticas e econômicas, a Lava Jato deixou um importante legado para as instituições de investigação do país: a operação contribuiu para o aprimoramento da produção de provas contra crimes de todos os tipos no Brasil.

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Pela magnitude da operação, podem ser atribuídos à Lava Jato condutas que acabaram se tornando rotineiras dentro dos órgãos investigadores. É o caso da integração de diferentes áreas do conhecimento no trabalho da perícia, o avanço tecnológico para possibilitar o uso de gigantescas bases de dados, a evolução do método de fases de operação dentro da Polícia Federal (PF) e a cooperação jurídica internacional.

“A Lava Jato foi um divisor de águas em vários aspectos, inclusive na forma de fazer operações”, afirma Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF).

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Uma das principais mudanças, que surgiu espontaneamente, foi a aproximação entre peritos de diferentes áreas do conhecimento e a capacitação multidisciplinar, que decorreu das necessidades encontradas pelas equipes que trabalharam na operação. “Antes da operação, era muito comum que o trabalho dos peritos fosse feito de uma maneira muito segmentada. E essa multidisciplinariedade que a Lava Jato trouxe mostrou a importância desse trabalho conjunto”, diz Camargo.

Para exemplificar a integração entre as diversas áreas do conhecimento, ele cita que uma investigação de crimes de lavagem de dinheiro pode exigir o trabalho de contadores, economistas, especialistas em informática (para acessar programas e preservar dados), engenheiros (para identificar superfaturamentos de obras públicas) e químicos (para verificar a autenticidade de obras de arte, por exemplo).

Outros frutos da Lava Jato na área da perícia foram o desenvolvimento de projetos que envolvem conhecimentos holísticos de ciências forenses, capacitação multidisciplinar e manuais de atuação conjunta. “Foi um aprendizado, que não ficou restrito a apenas uma determinada unidade, e serviu para trazer mais efetividade para as ações.”

A disseminação do conhecimento obtido durante a operação também foi importante para os policiais federais. De acordo com o delegado da Polícia Federal em Curitiba Filipe Pace, os aprendizados da Lava Jato foram replicados pelas unidades policiais do país de uma maneira natural.

“Uma grande quantidade de policiais de outras unidades passou por aqui. Alguns trabalharam por anos; outros por meses. Mas todos eles tiveram conhecimento da natureza do trabalho da Lava Jato e isso serviu como replicação do nosso modo de trabalhar, de investigar”, relata Pace, acrescentando que, posteriormente, as unidades centrais passaram a implementar novos cursos de capacitação voltados ao trabalho de investigação de crimes relacionados à Lava Jato.

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Lava Jato promoveu trabalho conjunto entre diferentes órgãos

A colaboração entre diferentes órgãos, evitando retrabalhos e acelerando o processo de investigação, também foi um aprendizado obtido durante a operação. “A integração da operação, da maneira como ocorreu, foi uma inovação da Lava Jato”, afirma Ricardo Prado, ex-promotor de Justiça e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

Durante a operação, Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF) trabalharam juntos nas investigações. Segundo o MPF, as medidas solicitadas à Justiça e operacionalizadas pela PF foram feitas com o aval e concordância do Ministério Público, e as atividades dos procuradores da República contaram com a concordância e o apoio da PF.

Houve também auxílio de outros órgãos nas investigações, como a Inteligência da Receita Federal, que ajudou a identificar movimentações de dinheiro suspeitas; o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), que prestou informações sobre movimentações financeiras suspeitas e atípicas; o Departamento de Recuperação de Ativos e de Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, que auxiliou no encaminhamento e recebimento de pedidos de cooperação internacional; entre outros órgãos.

Operações de busca mais rápidas: outro legado da Lava Jato

O método de fases de operações, segundo o delegado da PF Filipe Pace, também foi algo que mudou com a megaoperação, abrindo caminho para uma nova estratégia de investigação. De acordo com ele, a Lava Jato mostrou a importância de se realizarem operações de busca e apreensão com mais rapidez.

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“Se tem um motivo para a busca e apreensão, já faz para não perder chance de obter provas. É uma nova tendência que dá um dinamismo maior à investigação. Do ponto de vista de colher provas, é muito mais eficaz.” Segundo ele, antes da Lava Jato, era comum que a polícia realizasse buscas apenas ao fim do processo de investigação, quando já havia acumulado muitas provas.

Avanço na computação forense

As dezenas de fases da operação e os inúmeros materiais apreendidos na Lava Jato também criaram a necessidade de digitalização dos dados obtidos para que pudessem ser pesquisados com mais facilidade pelos investigadores. Foi aí que se aprimorou o Iped (Indexador e Processador de Evidências Digitais) – um sistema de software desenvolvido por peritos da Polícia Federal que permite a categorização dos dados, a busca por palavras-chaves em alta velocidade de processamento e até mesmo a geração de relatórios.

“O Iped representou maior efetividade para as investigações e também economia, já que foi desenvolvido internamente”, diz Marcos Camargo, da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF). A ferramenta, de código aberto, também passou a ser usada por outras unidades de polícia e outros órgãos, como polícias civis, Receita Federal e até mesmo fora do país.

Lava Jato aprimorou cooperação jurídica internacional

A rede de integração entre os órgãos brasileiros e instituições estrangeiras para investigações de crimes também ficou muito mais rápida durante os anos da Lava Jato, diz o delegado da PF Filipe Pace. A operação exigiu intensa relação para obtenção de provas, como dados bancários e constituições de offshores em nomes de laranjas.

“Um excelente legado que a Lava Jato deixou é o conhecimento de que a cooperação jurídica internacional para investigação de crimes complexos é ferramenta imprescindível hoje em dia”, diz Pace, acrescentando que mesmo as autoridades do exterior se aperfeiçoaram para cumprir esse tipo de diligência. “O tempo de espera foi reduzido de anos para meses.”

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Ricardo Prado, presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), também afirma que a Lava Jato foi beneficiada pela globalização, que gerou um intercâmbio muito maior com investigadores de outros países.

“O legado no combate à corrupção é muito significativo. Eventuais falhas, se ocorreram, são pequenas perto do trabalho desenvolvido”, conclui.