Nas fronteiras brasileiras, o crime organizado está vencendo. Mantém vastas redes de colaboradores, organizados e bem armados, para transportar de armas e drogas até cigarros e agrotóxicos para dentro do país. Os lucros obtidos com as vendas de roupas, perfumes e eletroeletrônicos ajuda a financiar, inclusive, o pagamento de propinas. Enquanto isso, as forças da lei se veem às voltas com contingenciamentos no orçamento.
“A corrupção é um problema de caráter econômico, porém também social, e está presente devido às condições de trabalho, insegurança, falta de infraestrutura, bem como desvios de conduta do agente corrompido”, afirma o advogado José Vicente Santos de Mendonça, professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde coordena o Laboratório de Regulação Econômica.
Como combater esse círculo vicioso? Confira sete medidas capazes de reduzir a força do contrabando e do descaminho. Elas funcionam melhor se tomadas em conjunto, de forma a atacar o crime, simultaneamente, em diversas frentes.
1. Apostar em tecnologia
Satélites, sensores e radares são capazes de identificar veículos roubados utilizados para transportar contrabando nas estradas. Aviões não tripulados podem atacar aeronaves e embarcações utilizados pelos criminosos. Leitura biométrica nos postos de fronteira reduz o risco de um suspeito escapar porque utilizou documentos falsos. “As novas tecnologias de controle de pessoas e bens nas fronteiras e aeroportos são uma tentativa de se adaptar à realidade atual, em que pessoas e bens são altamente móveis”, afirma a pesquisadora Pinja Lehtonen, da Universidade de Tampere, na Finlândia.
“Por outro lado”, aponta a pesquisadora, “as organizações criminais internacionais contam com uma enorme quantidade de dinheiro e pessoas muito inteligentes a seu dispor, o que indica que as soluções tecnológicas só funcionariam até que os criminosos encontrassem uma forma de driblá-las”, diz ela, que desenvolve sua pesquisa de doutorado sobre o controle automatizado de fronteiras na União Europeia.
Ou seja: apenas comprar tecnologia não basta. O fator humano, diz ela, ainda tem um peso muito grande. “Oficiais experientes podem detectar o nervosismo de um suspeito com grande facilidade”.
2. Equipar os agentes da lei
“A receita dedicada ao ataque ao contrabando não é suficiente. Em termos de infraestrutura, o crime organizado ganha de goleada”, afirma Luciano Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf). O Brasil tem menos de mil agentes da Polícia Federal atuando em toda a extensão de fronteira.
No Brasil inteiro, apenas 48 mil servidores federais atuam na segurança, contra 120 mil nos Estados Unidos. As Forças Armadas, que realizam ações frequentes nos pontos mais estratégicos das divisas brasileiras, precisaram adaptar a estratégia depois que, entre 2012 e 2017, o orçamento para gastos discricionários caiu 44%. O foco agora é em ações pontuais. São operações de grande porte, que agregam dezenas de diferentes agências governamentais. Mas, ao fim da ação, a fiscalização rotineira das fronteiras volta a ser falha.
3. Realizar ações integradas
Para evitar que um suspeito investigado pela Polícia Civil, por exemplo, passe por uma blitz da Polícia Rodoviária sem ser detido, o Ministério da Justiça e Segurança Pública aposta na criação do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), um serviço que reuniria todas as informações disponíveis no país inteiro sobre investigações em andamento e boletins de ocorrência. Mas o sistema ainda está em fase de implementação.
4. Atacar a corrupção
Seja nos postos de fronteira, seja nos camelódromos, os criminosos costumam contar com o suporte de agentes que recebem propinas para liberar a passagem. “Os dados comprovam que o número de desvios e de corrupção policial são significativos”, afirma o estudo "A corrupção policial em debate: Desvio e impunidade nas instituições policiais do Rio de Janeiro", de autoria de Andréa Ana do Nascimento, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
O estudo aponta que, entre 2009 e 2013, o número de reclamações contra as ações da Polícia Militar e da Polícia Civil no Rio de Janeiro aumentou, respectivamente, 93,6% e 68,5%. Enquanto isso, o total de policiais punidos caiu de 21, em 2010, para 4, em 2013.
5. Agir nas cidades
Os criminosos passam pela fronteira, mas o mercado consumidor de produtos contrabandeados está nas maiores cidades. É o que lembra Edson Luiz Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). “É essencial atacar a venda ilegal nas ruas de todo o Brasil. Esse comércio de produtos pirateados ataca diretamente o comerciante honesto, que gera emprego legalizado e paga impostos”.
Para Vismona, ações de combate ao comércio ilegal, como as realizadas recentemente em São Paulo nos arredores da Rua 25 de Março, são capazes de atacar uma importante fonte de renda dos criminosos. “A cada vez que grandes cargas de contrabando são apreendidas, os grupos sofrem um baque. Recolher esses produtos é uma forma eficaz de dificultar a ação dos contrabandistas, na medida em que ataca seus lucros”, diz Luciano Barros.
6. Reduzir impostos
Na medida em que o Brasil reduziu os impostos sobre produtos eletroeletrônicos, a procura por versões piratas desses produtos diminui. Por outro lado, ao aumentar as taxas sobre cigarros, o país estimulou o consumo de versões vindas do Paraguai. Reduzir a taxação, ou convencer os países vizinhos a aumentar seus impostos de forma a equipará-los com os valores praticados no Brasil, é uma maneira de atacar o contrabando, ao reduzir o tamanho do mercado consumidor de produtos ilegais.
7. Melhorar a vida nas fronteiras
As cidades que ficam nas divisas do Brasil com outros países são caracterizadas por indicadores ruins de qualidade de vida, educação e geração de empregos formais. Estimular a entrada de empresas legalizadas nessas regiões, capazes de incrementar a renda e levar os jovens a procurar melhorar sua formação profissional, é uma forma eficaz de diminuir a mão-de-obra barata disponível para os grupos criminosos que atuam nas fronteiras.
Como o contrabando corrompe agentes públicos
O professor José Vicente Santos de Mendonça detalha a rotina do crime na tríplice fronteira em quatro momentos em que se dá a corrupção de agentes públicos. Acompanhe:
1º momento: Próximo à barranca do Rio Paraná e às margens do Lago de Itaipu, onde o valor disponibilizado é o menor, e existe um vínculo de cooperação mais estreito. Este vínculo é estabelecido entre o contrabandista e o agente público, sendo o valor da corrupção pré-estabelecido, e gira em torno de R$ 100/dia por agente público. Nesse caso, o agente público mantém-se indiferente à situação, e se estabelece uma relação de soma positiva, ou seja, todos “ganham” no trâmite.
2º momento: O agente público, após acordo com o contrabandista, faz o acompanhamento da carga até o limite de sua circunscrição, evitando, dessa forma, que a carga seja apreendida nos postos de fiscalização. Para este cenário o valor gira em torno de R$ 1.000 a R$ 1.500.
3º momento: Acontece nos postos de fiscalização, caso o veículo utilizado para transportar a carga seja parado. Nesse caso pode haver ou não um acordo prévio, e o valor do repasse gira em torno de R$ 3.000 a R$ 10.000.
4º momento: O ente público forja a apreensão, tendo como objetivo proporcionar ao contrabandista a oportunidade de negociação para a liberação de carga. Neste contexto, verifica-se o mais alto valor de corrupção, que varia de R$ 15.000 a R$ 50.000, podendo chegar a 50% do valor da carga, normalmente paga com a própria mercadoria.
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