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Crise da CPMF

Apresentação revela como era a reforma tributária que Bolsonaro enterrou

Reforma deve incluir novo imposto sobre transações financeiras. (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

Motivo declarado para a queda do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, a recriação da CPMF era um dos três pilares da reforma tributária gestada há meses pela equipe liderada por Paulo Guedes.

Também defensor enfático do imposto sobre transações, o ministro da Economia segue no cargo. Para cumprir a ordem de Bolsonaro de excluir a CPMF da reforma, Guedes terá de criar um novo pilar no lugar desse tributo, ou mesmo reformular todo o projeto. Ele ainda não revelou que mudanças fará na proposta.

A palestra que o secretário adjunto da Receita, Marcelo de Sousa Silva, deu na terça-feira (10) parece ter sido determinante para a demissão. Na apresentação, feita em evento promovido pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco Nacional), o número 2 do Fisco deu detalhes sobre pontos da reforma que já haviam sido ventilados na imprensa e confirmados por Paulo Guedes.

O projeto, segundo Silva, ficaria pronto nesta semana. A apresentação que ele fez (veja todos os slides e assista ao vídeo), que levava o timbre da Receita Federal, do Ministério da Economia e do governo federal, destacava as três estratégias da reforma desenhada pela equipe econômica:

  • 1. a criação de uma contribuição sobre pagamentos, nos moldes da antiga CPMF, para em troca desonerar a folha salarial;
  • 2. a unificação de impostos federais em uma nova contribuição sobre bens e serviços; e
  • 3. mudanças no Imposto de Renda, tanto para pessoas físicas quanto para empresas.

1. Contribuição sobre pagamentos para substituir três tributos

No evento, o secretário adjunto afirmou que a intenção do governo era criar uma contribuição sobre pagamentos que tenha alíquota de 0,2% nos dois lados de operações de débito e crédito, e de 0,4% em saques e depósitos em dinheiro.

Com isso, o governo substituiria três tributos: a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento; e também o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

A criação de um novo imposto sobre pagamentos vinha sendo rechaçada por Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral. Mas, em declarações recentes, o presidente havia admitido estar disposto a debater a ideia com Paulo Guedes, desde que houvesse uma compensação, como a queda de outro imposto.

De acordo com o secretário adjunto da Receita, a cumulatividade da contribuição sobre pagamentos seria "bem menor" do que o modelo atual de tributação da folha. "Vamos levar essa tributação àqueles 30%, 40% da população que não pagam imposto – quem sonega e evade divisas", afirmou Silva.

Ele comparou a contribuição à antiga CPMF, muito embora Marcos Cintra rechaçasse as afirmações de que os impostos seriam semelhantes. "Nós já administramos esse tributo por 13 anos, e tivemos uma arrecadação firme. É um imposto universal, mais apropriado para financiar a seguridade social. Não é essa excrescência que é disseminada pela imprensa", criticou Silva.

Em entrevista ao jornal "Valor Econômico" publicada na segunda-feira (9), véspera da apresentação de Silva, Guedes havia afirmado que o novo tributo se chamaria Imposto sobre Transações Financeiras (ITF). Segundo ele, o tamanho da desoneração da folha dependeria da alíquota que fosse definida para o tributo sobre pagamentos.

"Se quiser 0,2% de imposto, pode baixar a desoneração da folha para 13%. Se quiser pagar 0,4%, você já consegue derrubar a CSLL [Contribuição sobre Lucro Líquido]. Se quiser pagar 1%, você acaba com o IVA", disse Guedes, na conversa com o "Valor".

O ministro chegou a dizer que o tributo era "feio" e "chato", mas que arrecadava bem: a receita estimada seria de até R$ 150 bilhões por ano, segundo ele.

O discurso de substituição apenas parcial da contribuição previdenciária é um pouco diferente do que vinha sendo ventilado pelo governo. De início, falava-se em zerar a contribuição previdenciária da folha a partir da criação de um imposto sobre transações financeiras.

Na apresentação feita pelo secretário adjunto, o ITF apareceu batizado de Contribuição sobre Pagamentos (CP), conforme o slide abaixo:

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A diferença entre ITF e CP não seria apenas no nome. Ainda que o tributo incida exatamente sobre as mesmas operações, há uma diferença relevante entre uma coisa e outra: um imposto precisa ser repartido com estados e municípios; uma contribuição, por sua vez, fica exclusivamente nas mãos do governo federal.

Para driblar a resistência do Congresso em aprovar uma medida como essa, a equipe econômica pretendia apostar na estratégia de apresentar dados. As informações corroborariam a tese de que uma nova CPMF seria benéfica para a economia. Outro artifício cogitado era a realização de um período de "teste" para o novo imposto, que poderia durar entre seis meses e um ano.

2. Novo imposto sobre bens e serviços com "fase de testes"

Marcelo de Sousa Silva também deu detalhes sobre a proposta de unificação de impostos federais – ideia que, ao contrário da recriação da CPMF, jamais foi rechaçada por Bolsonaro.

Segundo a apresentação de Silva, o objetivo do governo é fundir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); o Programa de Integração Social (PIS); a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) em um único imposto, chamado de Contribuição Social de Bens e Serviços (CBS).

De acordo com a apresentação do secretário adjunto da Receita, considerando só a junção de PIS e Cofins – que poderia ser uma espécie de primeiro passo da fusão –, a CBS terá alíquota única de 11%. A base de cálculo será o valor da mercadoria. "É importante testar as alíquotas. E por que não testar já substituindo tributos? No caso do PIS e Cofins é fácil de se implantar, já pode começar a valer no ano que vem", afirmou.

Como não inclui nem o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), nem o Imposto sobre Serviços (ISS), a proposta não atinge diretamente estados e municípios. Na entrevista ao "Valor", Paulo Guedes afirmou que a intenção é deixar a "porta aberta" para que os demais entes federativos passem a fazer parte do sistema, se quiserem.

Além disso, a ideia do governo é permitir a tributação seletiva de alguns produtos. "A proposta do [ex-deputado federal] Luiz Carlos Hauly sugere que permaneçam alguns impostos seletivos, como o imposto sobre fumo e sobre bebida. Gostamos e vamos ficar com alguns poucos impostos", afirmou o ministro, em referência a um projeto de reforma tributária que já está em tramitação no Senado.

3. Alterações no Imposto de Renda de pessoas e empresas

No caso de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), informações divulgadas pela revista "Crusoé" dão conta de que a faixa de isenção será elevada para R$ 3 mil por mês. Hoje, não precisam pagar imposto os contribuintes que ganham até R$ 1.903,78. Na campanha, o então candidato Bolsonaro falava em subir a faixa isenta para R$ 5 mil.

Em sua apresentação, no entanto, o secretário adjunto da Receita não mencionou explicitamente a faixa de isenção. Disse que o objetivo deve ser aumentar a progressividade do sistema, ampliando a base tributária sobre as altas rendas.

"Hoje, a alíquota efetiva do imposto de renda para pessoas físicas decai a partir de certa renda. É possível termos uma ampliação da base e, ao mesmo tempo, reduzir as alíquotas intermediárias, tributando rendas como os dividendos", pontuou.

A isenção de IR para dividendos recebidos por sócios de empresas, que existe desde 1995, é um dos motivos para que pessoas muito ricas paguem proporcionalmente pouco Imposto de Renda. O fim desse benefício é defendido há tempos por técnicos do governo e parte dos especialistas em tributação.

Na entrevista ao "Valor", Guedes afirmou que a alíquota máxima do IR, que hoje está em 27,5%, deve ser reduzida para 25% – o que seria compensado, do ponto de vista da arrecadação, pelo fim das deduções de despesas médicas e dependentes. Estudos apontam que tais deduções beneficiam principalmente contribuintes de maior renda.

No caso da tributação das empresas, a tendência é de que a alíquota do Imposto de Renda para Pessoa Jurídica (IRPJ) diminua dos atuais 34% para algo entre 20% e 25%. De acordo com o secretário adjunto da Receita, o objetivo é dar mais competitividade às empresas brasileiras no mercado internacional.

Confira abaixo a apresentação em powerpoint que o secretário adjunto da Receita Federal, Marcelo de Sousa Silva, fez no Fórum Nacional Tributário em 10 de setembro de 2019. O arquivo está disponível no site do Sindifisco Nacional, organizador do evento.

Assista à apresentação do secretário adjunto sobre a reforma tributária. Ela começa em 1 hora e 2 minutos do vídeo:

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