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Como estratégia militar levou Bolsonaro a assumir a condução do Renda Cidadã

Bolsonaro assumiu as rédeas das negociações para criar o Renda Cidadã, reduzindo a autonomia da equipe econômica.
Bolsonaro assumiu as rédeas das negociações para criar o Renda Cidadã, reduzindo a autonomia da equipe econômica. (Foto: Alan Santos/PR)

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O Renda Cidadã foi apresentado pelo governo em uma articulação que não tem apenas o dedo, mas sim as duas mãos do presidente Jair Bolsonaro. Após a desastrosa tentativa de criar o programa Renda Brasil, que ia substituir o auxílio emergencial e o Bolsa Família, Bolsonaro tomou a decisão de assumir a condução do processo. Obviamente, delegou funções para sua articulação política, mas se encarregou de monitorar o passo a passo do Renda Cidadã, um trabalho que, na prática, atinge em cheio a autonomia e os amplos poderes do ministro da Economia, Paulo Guedes.

A verdade é que o Palácio do Planalto chamou para si a discussão política e formatação do texto ao invés de a discussão ficar com a equipe econômica. Interlocutores de Bolsonaro dizem à Gazeta do Povo que não houve centralização por parte do presidente e justificam que Guedes continuou participativo durante a criação do programa. O fato, contudo, é que se no Renda Brasil o Ministério da Economia foi o propositor e fiador do processo, desta vez, a discussão se deu através da Presidência da República.

Ex-capitão do Exército, Bolsonaro adotou uma estratégia militar para concretizar o Renda Cidadã. Nas Forças Armadas, quando se tem um problema, os militares propõem o que chamam de estudo de Estado-Maior e sugerem soluções para o tomador de decisões. Durante esse processo, são analisados critérios de adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade. A leitura no Planalto é que, no Renda Brasil, o Ministério da Economia propôs medidas adequadas para substituir o Bolsa Família e o auxílio emergencial, mas não exequíveis e aceitáveis politicamente e pela sociedade.

A restrição do Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos e deficientes, e o congelamento de aposentadorias e pensões por dois anos, foram algumas das ideias estudadas pela equipe econômica para viabilizar o Renda Brasil. Algo tão impopular deixou no Planalto a imagem de que a equipe econômica não conseguiria propor um programa exequível politicamente e aceito pela sociedade.

Desde que as ideias vazaram para a imprensa, Bolsonaro passou a questionar a capacidade de técnicos da Economia em manter sigilo sobre políticas públicas em desenvolvimento. “Como o Ministério da Economia tem dificuldades de trabalhar com esse critério de aceitabilidade, Bolsonaro trouxe para si a questão porque o governo, sim, vai fazer a análise à luz do que é aceitável politicamente”, diz um assessor palaciano.

Duas semanas separam o anúncio do Renda Cidadã, nesta segunda-feira (28), do sepultamento do Renda Brasil, em 15 de setembro. Nesse meio tempo, Bolsonaro conversou muito com seus principais conselheiros. Entre eles, seus ministros palacianos, com quem pode conversar praticamente a qualquer momento. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, o articulador político, foi um dos mais ouvidos neste período. A ideia era que mantivesse um alinhamento estreito com os líderes governistas, partidários, e o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021 e das propostas de emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo (PEC 188/19) e Emergencial (186/19).

A estratégia militar adotada pelo Planalto passou a envolver diretamente o Congresso. Bolsonaro, Ramos e os demais ministros da Presidência passaram a discutir uma saída para viabilizar o texto. Chegaram ao consenso que a melhor forma de desenrolar um novelo tão grande seria trazer o Parlamento como fiador. Uma exigência do presidente da República dita nos últimos 13 dias era ter uma proposta aprovada ainda este ano para atender aos brasileiros mais necessitados — sobretudo os ditos “invisíveis” — ainda em janeiro de 2021.

O Planalto chegou, então, à conclusão de que a única forma de aprovar o Renda Cidadã em tempo hábil era negociar com o Congresso. Ramos manteve incessante contato com os líderes do governo e de partidos, e, sobretudo, Bittar. “Um dos pontos centrais em trazer o Parlamento para a mesa de negociações era ter os congressistas ajudando a viabilizar de onde virão os recursos”, destaca um interlocutor do Planalto. “Como só o trabalho da equipe econômica não estava encontrando soluções políticas aceitáveis para viabilizar, a solução foi trazer o Congresso, porque ele, como definidor do Orçamento, teria poder de definir a origem orçamentária”, complementa outro.

Internamente, a leitura feita no Planalto é de que a estratégia foi a mais acertada. Sem Guedes — persona non grata entre parlamentares — no protagonismo e com Bolsonaro como cabo eleitoral do programa, o governo agrega a popularidade do presidente ao projeto. E trazendo os líderes para a mesa, ganha celeridade ao transformar o Parlamento em partícipe do processo. “O presidente é a pessoa mais capacitada para dirimir conflitos e dar a palavra final. E toda essa costura facilita no que é necessário para que o programa tenha recursos previstos no Orçamento”, comenta um técnico palaciano.

Parlamentares confirmam protagonismo de Bolsonaro no Renda Cidadã

Ao dar alguns poucos detalhes sobre o Renda Cidadã, lideranças parlamentares confirmaram os sinais do protagonismo de Bolsonaro no processo. Entre afagos, deixaram nas entrelinhas a imagem do Planalto à frente da mesa de negociações.

“É um prazer, uma honra e satisfação, presidente, poder anunciar o teu programa depois de muita conversa, depois de muita reunião”, disse o senador Márcio Bittar. “Quem deu o start foi o presidente da República, que disse: ‘olha, temos aí cerca de 10 milhões [de brasileiros] que, se nós não criarmos um programa, a partir de janeiro, não têm do que sobreviver, precisamos resolver esse assunto’”, acrescentou.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), foi quem deu o tom mais questionado por analistas de mercado que aponta o enfraquecimento de Guedes no processo decisório. “Tivemos uma discussão muito ampla. Vou repetir o método. O ministro Paulo Guedes dá a posição da economia, o ministro Ramos e Braga Netto [ministro-chefe da Casa Civil] formam a posição de governo, o presidente Bolsonaro valida os pressupostos e, depois, os senhores líderes da Câmara e Senado são consultados”, destacou.

O senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, foi outro a dar pistas sobre a articulação capitaneada por Bolsonaro junto ao Congresso por meio da articulação política. “Essa é uma reunião importante, a primeira deste tamanho, então, estamos muito confiantes no consenso e no equilíbrio e na participação efetiva dos líderes aqui. Agradeço neste momento por terem se deslocado nesta segunda-feira a Brasília para discutir um assunto tão importante. E ao presidente, por abrir essa via democrática, ampla, de convergência em favor do povo brasileiro”, declarou.

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