Um grupo de 12 pistoleiros mascarados invadiu no final de março uma pista de motocross na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, na divisa com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Armados, eles atiraram contra o médico Sandro Abel Arredondo Lugo, de 45 anos, mataram um segurança e feriram duas pessoas – entre elas o alvo do ataque, o piloto Fernando Olmedo Calonga, ex-funcionário de Jorge Rafaat Toumani, que controlava o tráfico de drogas na região até ser executado, em 2016. Nos últimos meses, a área vem sendo alvo de uma guerra que, só em 2019, já deixou um rastro de 28 mortes.
Lugo, que era diretor de medicina da Universidade Central do Paraguai, faleceu na frente do filho, enquanto os criminosos entravam em uma caminhonete e fugiam na direção do Brasil. Para a polícia local, esse é apenas mais um incidente de violência envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC).
O grupo atua de forma organizada em diferentes cidades da fronteira do Paraguai com o Brasil. Muitos de seus líderes estão presos e dão trabalho para as autoridades locais. Na penitenciária de Coronel Oviedo, já lideraram uma rebelião pedindo melhores condições. No presídio de San Juan Caballero, financiaram um túnel, que seria usado para a fuga de 80 detentos, mas acabou sendo descoberto a tempo. Thiago Ximenez, o 'Matrix', chegou a fugir do quartel do Grupamento Especializado da Polícia Nacional, em Assunção, mas acabou sendo recapturado.
Corredor do tráfico
A lógica que explica essa movimentação é simples: para contrabandear, é preciso criar uma rede criminosa, que inclui desde o furto de veículos até a contratação de jovens interessados em ganhar dinheiro rápido. Quando as rotas estão devidamente estabelecidas, é fácil utilizá-las para contrabandear de tudo o que dê lucro, de roupas e eletrônicos a remédios e agrotóxicos.
O passo seguinte é utilizar o lucro para comprar armas cada vez mais sofisticadas. E, é claro, aproveitar a mesma estrutura para transportar drogas. Ou seja: no momento em que compra um maço de cigarros piratas, o consumidor está ajudando a sustentar uma vasta rede, que possibilita o aparecimento de fuzis de guerra em favelas do Rio de Janeiro.
Essa rede sustenta o transporte de drogas que seguem para portos brasileiros, principalmente de Itajaí, Santos e Paranaguá. Dali seguem para a Europa, muitas vezes fazendo escala em portos da costa ocidental da África. “A faixa de fronteira que vai do Mato Grosso do Sul até o Rio Grande do Sul se transformou num corredor para a passagem de armas e drogas, além do contrabando”, afirma o economista Luciano Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf). “O efetivo policial e o aparato tecnológico precisariam ser muito maiores para dar conta do poder do crime organizado, que só aumenta com os lucros arrecadados com o contrabando”.
Diferentes grupos
Não é só o PCC que vem se beneficiado da fiscalização insuficiente nas fronteiras. Ao longo dos últimos dez anos, o Comando Vermelho também aumentou sua presença na região, principalmente depois que as duas organizações brasileiras armaram, em conjunto, a morte de Jorge Rafaat Toumani. Também no caso do grupo carioca, as autoridades locais tentam reagir – no início de maio, mataram seis pessoas e prenderam cinco ao cercar um grupo de suspeitos instalados em uma fazenda no distrito paraguaio de Amambay. No local havia rádios comunicadores, celulares, notebooks, armas e veículos blindados.
O crime organizado vem se apropriando das estratégias dos antigos contrabandistas que, por décadas, haviam controlado a região. Atua com base numa ampla rede de colaboradores, que conhecem as melhores trilhas para levar veículos carregados de contrabando, drogas e armas. A fim de driblar o sistema de rastreamento de satélites, enviam aviões para realizar voos curtos e lançar pacotes com as cargas em fazendas compradas pelos grupos. É comum que os grupos enviem piratas para interceptar os carregamentos de entidades criminosas adversárias.
Depois que conseguiram eliminar Toumani, PCC e Comando Vermelho passaram a disputar territórios. O Primeiro Comando da Capital foi beneficiado, recentemente, pela expulsão e extradição para o Brasil de Marcelo “Piloto”, líder do Comando Vermelho na região, que em novembro de 2018 matou, dentro de um quartel de polícia paraguaio, a jovem de 18 anos Lidia Meza Burgos. Quando Piloto cometeu o crime, o Ministério Público do Paraguai já vinha investigando a demora em extraditar o narcotraficante para o Brasil.
Novos horizontes
O PCC e o Comando Vermelho seguem buscando ampliar sua rede de atuação. Uma investigação do Ministério Público Estadual de São Paulo indica que o PCC já mantém bases na Argentina, no Peru, na Venezuela e na Colômbia. Mantém relações com dois grupos de guerrilha, o Exército do Povo Paraguaio (EPP) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Na medida em que aumentam o alcance por outros países, os grupos também passaram a atuar com lavagem de dinheiro utilizando contas bancárias nos Estados Unidos e na China. E fazem tudo isso com base nos rendimentos trazidos pelo contrabando.
Ações eficazes
Conheça 10 medidas que ajudam a reduzir a ilegalidade
1. Criar sistema integrado de órgãos e entidades de inteligência para mapear possíveis rotas de escoamento de produtos do mercado ilegal.
2. Definir as atribuições de cada órgão da administração pública para o combate ao mercado ilegal.
3. Destinar recursos específicos para o combate ao mercado ilegal.
4. Instituir a cooperação entre órgãos de fiscalização de diferentes países.
5. Estimular o desenvolvimento socioeconômico nas regiões fronteiriças.
6. Fortalecer as medidas punitivas acessórias ao combate ao contrabando.
7. Incluir os crimes de contrabando e descaminho nas metas prioritárias dos Poderes Executivo e Judiciário.
8. Tornar mais severo o tratamento criminal para os atos praticados por organizações criminosas.
9. Reequilibrar os regimes tributários que estimulam o mercado ilegal.
10. Adotar medidas especiais de tributação para devedores contumazes.
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