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Com o encerramento de seu mandato, no próximo sábado, dia 31, o presidente Jair Bolsonaro (PL) perderá o foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF). Em tese, desceriam para a primeira instância da Justiça os quatro inquéritos que ainda tramitam contra ele na Corte, conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes. Mas, entre observadores e assessores dos ministros, cogita-se a possibilidade de que, seguindo a lógica singular aplicada pelo ministro nessas investigações, Moraes mantenha os casos sob estrito controle em seu gabinete.
Um indicativo disso foi a declaração de Moraes, no dia da diplomação do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Tribunal Superior Eleitoral, de que quem questionou o resultado da disputa presidencial, já foi identificado e será responsabilizado.
“Essa diplomação atesta a vitória plena e incontestável da democracia e do estado de direito contra os ataques antidemocráticos, contra a desinformação e contra o discurso de ódio proferidos por diversos grupos organizados que, já identificados, garanto serão integralmente responsabilizados. Para que isso não retorne nas próximas eleições”, afirmou o ministro no último dia 12.
Não é apenas no STF que Bolsonaro pode continuar enfrentando problemas. No âmbito do próprio TSE, que continuará comandado por Moraes até 2024, o presidente é alvo de um inquérito administrativo, por lançar dúvidas sobre as urnas eletrônicas numa transmissão ao vivo em julho de 2021; e ainda de outras 16 ações de investigação judicial eleitoral (Aijes) apresentadas por opositores em razão de atos durante e antes da campanha eleitoral.
A maioria delas questiona o suposto uso da máquina do governo para promover a candidatura de Bolsonaro. Nesse grupo estão, por exemplo, ações sobre as comemorações do Bicentenário da Independência; sobre as viagens a Londres e Nova York para eventos oficiais; o uso dos Palácios do Planalto e da Alvorada para encontros com aliados e entrevistas; e a formação de uma suposta “rede de desinformação” para espalhar mentiras contra Lula.
Todas essas ações no TSE estão sob relatoria do ministro Benedito Gonçalves, que ocupa o cargo de corregedor nacional da Justiça Eleitoral. Diferentemente das investigações criminais do STF, essas ações não levam à prisão, mas podem tornar Bolsonaro inelegível e interromper qualquer tentativa de voltar à Presidência. Embora não seja o relator, Moraes tem a responsabilidade de pautar as ações quando elas estiverem prontas para serem julgadas no plenário da Corte.
Já no âmbito do STF, os inquéritos de que o presidente é alvo foram abertos por iniciativa do próprio ministro ou são mantidos por ele à revelia do Ministério Público. Dois deles – o inquérito das fake news e o das milícias digitais – têm como alvos pessoas que também não têm foro privilegiado; nesses casos, só tramitam no STF porque os próprios ministros seriam as “vítimas”, em razão de supostas ameaças e ofensas recebidas nas redes sociais.
PF concluiu que Bolsonaro cometeu crime na pandemia
Em outro inquérito, aberto a pedido da CPI da Covid, Bolsonaro é investigado por associar o vírus da aids à vacina contra a Covid-19, uma “fake news” na visão de Moraes, o que justificaria sua condução do caso. Na última quarta-feira (28), a Polícia Federal encaminhou ao ministro do STF o relatório final da investigação, que concluiu que Bolsonaro cometeu crime durante a pandemia ao disseminar informações falsas a respeito da doença.
Por fim, Moraes herdou de Celso de Mello o inquérito sobre a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, em razão da troca na direção da corporação em 2019. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento, mas Moraes mantém o inquérito ativo. Em todos esses casos, o ministro mantém interlocução direta com delegados de sua confiança da PF que sempre buscam, por ordem do ministro, abrir novas linhas de apuração, sobre suspeitas que inicialmente não faziam parte do objeto original da investigação.
No inquérito das fake news, Bolsonaro passou a ser investigado em razão da mesma live de julho de 2021 que questionou as urnas eletrônicas – a investigação tinha por objetivo inicial, quando de sua abertura em 2019, desvendar “ataques” à “honorabilidade” dos ministros.
Para Moraes, Bolsonaro teria se posicionado de forma “criminosa e atentatória às instituições”, imputando aos ministros do STF a intenção de fraudar a eleição deste ano para favorecer Lula, além de dizer que o voto eletrônico é fraudado e não é auditável. A ligação com o inquérito das fake news estaria no fato de que essas “afirmações falsas” fariam parte de uma “narrativa” que deslegitima as instituições, incluindo o STF, para destituir as pessoas que as representam e substituí-las por outras alinhadas a Bolsonaro.
Posteriormente, porém, Moraes passou a investigar Bolsonaro pelos mesmos fatos no inquérito das milícias digitais, aberto também em 2021 com o objetivo de apurar o financiamento da disseminação, nas redes sociais, de “ataques” às instituições, ao estado de direito e à democracia – escopo semelhante ao que se tornou o inquérito das fake news.
Também sob a relatoria de Moraes tramita outro inquérito para investigar Bolsonaro em razão da divulgação, em agosto de 2021, de uma investigação da PF sobre um ataque hacker ao TSE em 2018. A PGR já pediu o arquivamento do caso por considerar que a investigação não era sigilosa, mas Moraes estendeu a duração do inquérito para vasculhar as trocas de mensagens do presidente com seu ajudante de ordens, o militar Mauro Cid.
Embora não constituam inquéritos, existem ainda no STF outras “apurações preliminares” contra Bolsonaro abertas a partir das investigações da CPI da Covid. No total, foram abertos dez procedimentos do tipo, e a PGR já pediu o arquivamento de nove. Um dos casos, sob a condução de Luís Roberto Barroso, foi prorrogado por 60 dias no início de dezembro. Caberá ao ministro decidir se ele descerá para a primeira instância ao fim desse prazo.