As declarações mais recentes do presidente Jair Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não deverão provocar, ao menos no curto prazo, respostas belicosas dos ministros na forma de pronunciamentos e notas de repúdio, como ocorreu em algumas ocasiões desde o ano passado, quando cresceu a tensão entre os poderes.
Na terça-feira (7), assim que a Segunda Turma do STF confirmou, por 3 votos a 2, a cassação do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), por causa de acusações sem provas de fraude nas urnas nas eleições de 2018, Bolsonaro retomou a ofensiva contra os ministros.
“Será que três do Supremo Tribunal Federal, que podem muito, pode continuar achando que podem tudo? Eu não vou viver como um rato. Tem que haver uma reação”, protestou em discurso no Palácio do Planalto, dizendo que as afirmações de Francischini contra as urnas seriam verdadeiras – de que “quando se apertava o número 1, já aparecia o 13 na tela e concluía a votação”.
Interlocutores dos ministros ouvidos pela reportagem avaliam que reações às afirmações do presidente aos tribunais, especialmente aquelas que incitem a população a deslegitimá-los no cumprimento de suas funções, deverão ocorrer dentro de processos judiciais. "A maioria vem percebendo que não vale a pena bater boca com o presidente em público, que é o que ele quer, afinal. Melhor deixar ele falando sozinho e responder nos autos", disse um deles à reportagem.
O caminho jurídico para isso já está traçado e o recado já foi dado pelo TSE no ano passado e reforçado nesta semana, com a confirmação da cassação de Francischini.
Na sessão da Segunda Turma do STF que derrubou a liminar do ministro Kassio Nunes Marques, que havia devolvido o mandato a Francischini, foi reiterada, nas entrelinhas, a advertência de que qualquer tentativa de Bolsonaro de contestar o resultado das eleições, em caso de derrota, com base em suspeitas infundadas sobre o sistema eletrônico de votação, será considerado um ataque frontal ao regime democrático.
“Às vezes é necessário repetir o óbvio: não existe direito fundamental a atacar à democracia a pretexto de se exercer qualquer liberdade, especialmente a liberdade de expressão. A lealdade à Constituição e ao regime democrático é devida a todos, sobretudo aos agentes públicos, que só podem agir respeitando-a. Não se deve confundir o livre debate público de ideias e a livre disputa eleitoral com a autorização para disseminar desinformação, preconceitos e ataques à democracia”, disse no julgamento o ministro Edson Fachin, presidente do TSE.
É esse o tom que ele vem adotando em suas manifestações públicas e que será reiterado até as eleições. Fachin também não deu sinais de que pretende recuar da iniciativa de se reunir com representantes de instituições públicas, partidos políticos, entidades da sociedade civil e organizações internacionais, além de diplomatas, jornalistas estrangeiros, executivos de plataformas digitais e até lideranças religiosas para obter apoio à Corte Eleitoral.
O objetivo é reforçar a garantia de lisura do processo eleitoral, inclusive em relação ao funcionamento das urnas, de modo a rechaçar qualquer acusação infundada de fraude. Se, em caso de derrota, Bolsonaro não reconhecer o resultado, a expectativa é de que haja uma oposição generalizada a qualquer ato que ameace uma transição pacífica do poder.
Não à toa, o lema da gestão de Fachin, que conduz o TSE até agosto, mês de início das campanhas, é “paz e segurança”. No último dia 31, em encontro com embaixadores em Brasília, o ministro disse que o que mais ameaça a democracia hoje no Brasil é o “vírus da desinformação” sobre o sistema eleitoral, “que, de maneira infundada e perversa, procura incessantemente denunciar riscos inexistentes e falhas imaginárias”. Na reunião, ele apresentou aos diplomatas todos os controles do TSE para assegurar a integridade das urnas, “para que a comunidade internacional esteja alerta contra acusações levianas”.
No último 6, em encontro com líderes de entidades religiosas, o discurso focou na defesa da tolerância, da “brandura” e da “temperança” – a mensagem era de evitar discursos violentos e buscar a harmonia entre diferentes visões de mundo.
“Defender a natureza pacífica das eleições é defender o direito à opinião – e assegurar que a classe política não se furte ao julgamento das pessoas comuns. Defender a democracia é negar a cólera, fugir das armadilhas retóricas, fiar-se no valor da verdade, na fundamentalidade das instituições públicas e, especialmente, na sacralidade do viver em comunhão”, afirmou.
Os dois encontros de Fachin foram criticados por Bolsonaro no discurso feito na última terça-feira no Palácio do Planalto. Após dizer que o ministro foi quem tornou Lula novamente elegível, ao anular suas condenações, afirmou que ele teria sugerido aos embaixadores que os chefes de Estado estrangeiros reconhecessem o vencedor das eleições imediatamente para que não haja qualquer questionamento junto à Justiça. “O que é isso, senão arbítrio? Um estupro à democracia brasileira?”, protestou o presidente.
Fachin, no entanto, não está sozinho. Na sessão da Segunda Turma que confirmou a cassação de Francischini, o ministro Gilmar Mendes, que busca preservar a relação com outros poderes e tem se mantido afastado das tensões públicas entre o STF e o Executivo, também condenou o questionamento sobre as urnas.
“O discurso de ataque sistemático à confiabilidade das urnas eletrônicas, mais notadamente no dia das eleições, não pode ser enquadrado como tolerável em um Estado Democrático de Direito [...] Tal conduta ostenta gravidade ímpar e a resposta estatal assume sobremaneira de atenuar as consequências da propagação de notícia fraudulenta que pode comprometer o pacto social em torno das eleições”, afirmou o decano do STF.
Alexandre de Moraes, maior desafeto de Bolsonaro, não dá sinais de que vá recuar na caçada às “milícias digitais”, nome que deu a grupo de apoiadores do presidente que reproduzem seus discursos contra o tribunal nas redes sociais. De forma sigilosa, o ministro tem avançado com medidas duras nos inquéritos que toca contra aliados de Bolsonaro.
A última foi o bloqueio da conta bancária da mulher do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), por causa de uma transferência de R$ 100 mil que ele fez a ela. Moraes disse que o ato pode configurar crime de favorecimento pessoal, porque ele havia mandado bloquear as contas dele para pagar multas pelo não uso de tornozeleira. Até o momento, o ministro não declarou extinta a pena do deputado, mesmo após o indulto concedido por Bolsonaro, que o perdoou pela condenação a quase 9 anos de prisão, por causas de ameaças aos ministros.
Enquanto isso, parte do governo teme consequências da relação ruim com o ministro para projetos importantes. Nesta quarta-feira (8), estiveram no STF o advogado-geral da União, Bruno Bianco, e o ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio. Eles buscaram apoio dos ministros para destravar os estudos para a construção da Ferrogrão, linha ferroviária de quase mil quilômetros que ligará Mato Grosso ao Pará para escoamento da produção agrícola de exportação.
Os estudos foram paralisados numa liminar de Alexandre de Moraes, por possíveis impactos ambiental e social da obra. Na semana que vem, no plenário, os outros dez ministros decidirão se mantêm ou não o veto aos estudos.
STF espera mais críticas de Bolsonaro
Dentro do STF, no entanto, a maioria dos ministros percebeu que as críticas de Bolsonaro não vão cessar. Como mostrou a Gazeta do Povo, o próprio Francischini, um apoiador do presidente, mesmo sabendo que não tem chances de reverter a cassação, ainda pretende insistir com recursos, de modo a manter aceso o discurso de ter a liberdade de expressão para poder apontar suspeitas sobre as urnas.
“Nosso recurso extraordinário ainda não foi julgado no STF. Nossa batalha pelo mandato de 427 mil paranaenses não acabou, tornou-se uma batalha muito maior: a luta pela liberdade de expressão de todos os cidadãos nas redes sociais. Não vão nos calar”, declarou Francischini, em vídeo que distribuiu logo após o julgamento pela Segunda Turma.
Ainda tramita no STF outro recurso contra sua cassação, também sob relatoria de Nunes Marques. À reportagem, ele disse nesta quarta-feira (8) que o julgamento não ocorrerá antes de quatro meses. A decisão caberá novamente à Segunda Turma do STF e nada indica que o resultado não será diferente da manutenção da cassação.
Até lá, no entanto, Francischini poderá dizer que pretende disputar novamente as eleições, ainda que sem perspectiva real de que conseguirá, ao final, manter de pé a candidatura – o registro só é analisado pela Justiça Eleitoral em agosto, momento em que a condenação será levada em conta para desaprovar o pedido.
Dentro do STF, a decisão de Nunes Marques de devolver a ele o mandato foi inicialmente criticada nos bastidores pelos ministros, não só pelo conteúdo – de reverter uma condenação importante, que serve de precedente contra acusações às urnas –, mas também pela forma.
O ministro não foi sorteado para analisar o caso, mas aceitou um pedido da defesa de Francischini dentro de uma ação mais antiga que discutia um assunto distinto: a possibilidade de a cassação de um deputado levar também à perda de mandato de parlamentares do mesmo partido.
A decisão dele, de submeter a liminar para referendo na Segunda Turma, ajudou a arrefecer o incômodo inicial. A alternativa seria analisar o caso num mandado de segurança, ação à parte e independente apresentada por suplentes de Francischini, para derrubar a liminar – esse julgamento ocorreria de forma virtual, com votos escritos, ao longo de terça (7).
O problema é que a admissão de um mandado de segurança contra decisão monocrática de um ministro abriria um precedente que não é bem visto por nenhum integrante do STF: a possibilidade de uma parte contrariada derrubar a decisão de um deles recorrendo a outro.
A solução de levar o caso à Segunda Turma, nesse sentido, apaziguou as relações internas.
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