O governo Bolsonaro está começando a enfrentar aquele que deve ser um dos maiores desafios de sua política externa em 2020. A empresa chinesa Huawei é a favorita para liderar a implementação da infraestrutura de rede 5G no país, mas questões geopolíticas podem interferir nesse negócio.
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro teve duas reuniões importantes com executivos da Huawei e de duas de suas concorrentes na área do 5G, a sueca Ericsson e a mexicana América Movil. Saiu afirmando que a decisão do governo brasileiro sobre a infraestrutura 5G se dará segundo critérios técnicos e financeiros.
Por que o 5G da Huawei é tão controverso
Não é exagero afirmar que o 5G será tema crucial da política externa no Brasil e em todo o mundo. A nova tecnologia promete acelerar a velocidade das conexões de dados em até 100 vezes e aumentar de forma significativa o desenvolvimento da inteligência artificial e de máquinas autônomas.
Os Estados Unidos, que consideram que a Huawei representa uma ameaça à segurança dos dados, por suposta possibilidade de abrir as portas para a espionagem, são os opositores mais óbvios de que a empresa chinesa se saia vitoriosa no leilão do 5G brasileiro. A escolha de qual será a tecnologia brasileira deverá ocorrer no segundo semestre de 2020 (antes, estava previsto para março).
Mas há outros componentes nesse impasse. A União Europeia tem feito alertas ao mundo e ao Brasil, e membros importantes do governo Bolsonaro ainda não engoliram a ideia de um envolvimento chinês tão forte em um setor tão delicado do ponto de vista da segurança da informação.
O risco de espionagem é a maior preocupação daqueles que desconfiam da Huawei. Trata-se de uma empresa de capital privado, mas há evidências claras de que funcionários importantes têm vínculos com o governo chinês. Países como EUA, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia já impuseram restrições à atuação da Huawei em seus territórios, e a União Europeia estuda fazer o mesmo.
Governo vê a China de forma cada vez mais positiva
Apesar dos alertas internacionais sobre a Huawei, o governo brasileiro está cada vez mais aberto a parcerias com a China e tem firmado diversos acordos com o país asiático, o que pode favorecer a empresa chinesa no leilão do 5G no ano que vem.
Antes de tomar posse, o presidente Bolsonaro via com reticência as parcerias com chineses. Mas, desde que assumiu, tem dado mostras crescentes de que as diferenças ideológicas com o governo da China não vão alterar a situação do comércio e dos investimentos entre os dois países.
Os chineses continuam sendo, com folga, os maiores parceiros comerciais do Brasil no mundo, e a participação da China nas exportações e importações do Brasil, até o momento, tem aumentado em relação ao ano passado.
Em 2018, 26,7% das exportações do Brasil foram para a China. Entre janeiro e outubro deste ano, a porcentagem subiu para 27,8%. Nas importações, o percentual subiu de 19,2% em 2018 para 20% de janeiro a outubro de 2019.
Durante a Cúpula do Brics, há algumas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que os dois países estão cogitando estabelecer um acordo de livre comércio. Com a queda na desconfiança em relação aos chineses, o caminho da Huawei no Brasil tende a ser mais fácil do que se imaginava no começo do governo Bolsonaro.
Huawei já está alguns passos à frente de concorrentes na tecnologia 5G
Além de estar tecnologicamente à frente de Nokia e Ericsson, suas principais concorrentes no ramo, a Huawei já realizou testes de seu 5G no Brasil com o envolvimento das principais operadoras de telefonia do país: Claro, Oi, TIM e Vivo. Em setembro, por exemplo, a Oi realizou testes do 5G em parceria com a empresa chinesa no festival Rock in Rio.
Em agosto, a Huawei anunciou que investiria US$ 800 milhões de dólares (mais de R$ 3 bilhões) para montar uma nova fábrica no Brasil, no estado de São Paulo, com o intuito de aumentar sua presença no mercado de 5G no país.
Em junho, o vice-presidente Hamilton Mourão já tinha afirmado que a Huawei não sofrerá restrições no Brasil, como aconteceu nos EUA. Nas últimas semanas, o próprio presidente Bolsonaro deu sinais de que a empresa é bem recebida por seu governo.
Na semana passada, o diretor-executivo da Huawei no Brasil, Yao Wei, teve uma reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Depois do encontro, o presidente da República disse que o empresário “apenas mostrou que quer o 5G”.
Em uma declaração posterior, Bolsonaro sugeriu que questões pragmáticas estarão acima de divergências ideológicas no leilão do 5G. “O que for melhor para o Brasil, tecnicamente e financeiramente, a gente embarca”, disse ele.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, autoridades americanas comunicaram a pessoas próximas de Bolsonaro que a parceria dos EUA com o Brasil na área de defesa estaria condicionada à segurança do sistema de telecomunicações usado pelos brasileiros, em alusão às ameaças que o 5G da Huawei permitiria a espionagem.
Empresa sueca pode ser concorrente forte
No dia 25 de novembro, uma semana depois do encontro com a Huawei, Bolsonaro e outros membros do governo se reuniram com Börje Ekholm, CEO da empresa sueca Ericsson, para falar sobre o interesse da companhia em liderar a implantação do 5G no Brasil.
Depois dessa reunião, a Ericsson anunciou que, entre 2020 e 2025, quer investir R$ 1 bilhão em sua fábrica em São José dos Campos (SP) para a ampliação de suas atividades no Brasil, com foco em produtos de tecnologia 5G.
Segundo Eduardo Ricotta, presidente da Ericsson na América Latina, a aplicação desse dinheiro será equilibrada de acordo com a data do leilão do 5G, que ainda não foi definida. Atualmente, 23 redes 5G em operação no mundo usam a tecnologia da Ericsson. Ricotta diz que a empresa é a única “que tem redes 5G funcionando em todos os continentes". "E são redes de grande porte, principalmente com as operadoras americanas.”
Depois da reunião, o presidente Bolsonaro sugeriu que a empresa sueca será uma concorrente forte no leilão do 5G brasileiro. “Acho que é a empresa mais antiga que está no Brasil nessa área, está investindo em nós há muito tempo. Então temos que dar uma certa prioridade para eles. Mas nós vamos decidir o 5G em relação a questão técnica e econômica”, disse.
Outra empresa que está na disputa pelo 5G no Brasil é a mexicana América Movil – que no Brasil é proprietária da Claro/NET. Filho do dono da empresa, Carlos Slim Domit se reuniu com Bolsonaro no dia 20 de novembro e anunciou a intenção de investir R$ 30 bilhões em três anos.
Funcionários da Huawei têm envolvimento com o Partido Comunista
A Huawei é a maior empresa de telecomunicações do mundo e ficou em 72.º na lista das companhias com maiores receitas em 2018 da revista Fortune. Seu faturamento no ano passado foi de US$ 105 bilhões. O fundador, Ren Zhengfei, é filho de um membro do Partido Comunista e já foi oficial do exército chinês. Trabalhou como técnico em um instituto do exército, em uma unidade de pesquisa em tecnologia da informação.
Outros funcionários da Huawei já trabalharam para o Ministério da Segurança de Estado e em projetos do exército chinês, segundo o jornal The Telegraph. Alguns deles estudaram na academia militar e atuaram em unidades ligadas a ataques cibernéticos.
Segundo a agência de notícias norte-americana Bloomberg, o vínculo entre a Huawei e o governo chinês não se restringe aos currículos dos funcionários. A empresa teria colaborado com órgãos do exército em pelo menos dez projetos de pesquisa ao longo da última década.
Além dos EUA, União Europeia alerta Brasil sobre a China
O presidente americano Donald Trump ganhou um aliado importante na luta para convencer o Brasil a reavaliar suas relações com a Huawei. A União Europeia (UE) tem dado mostras cada vez mais frequentes de que não vê com bons olhos a empresa chinesa.
O último sinal foi dado pelo secretário-geral adjunto para Política do Serviço de Ação Exterior da UE, o francês Jean-Christophe Belliard, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Quando você olha dentro da companhia, vê uma série de coronéis, generais e outros assim. Então, para nós, na Europa, é o fim da ingenuidade. Estamos todos acordando para esses desafios e tentando nos organizar para essas questões que são internacionais, com respeito à soberania e às liberdades individuais”, afirmou Belliard.
Segundo ele, a China impõe uma série de restrições à entrada de empresas europeias em seu território e, por isso, é justo que outros países do mundo sejam prudentes ao se envolver com empresas chinesas em um setor tão importante como o 5G.
Da mesma forma que muitos veem interesses geopolíticos nos alertas emitidos pelo governo norte-americano sobre os riscos que a Huawei supõe para a segurança dos países, é possível enxergar interesses comerciais na preocupação manifestada pela União Europeia. Nokia e Ericsson, duas das principais concorrentes da Huawei, são respectivamente da Finlândia e da Suécia, países da UE.
Mesmo assim, a própria UE dificilmente deixará de contar com as soluções da Huawei, que são tecnologicamente superiores e mais baratas do que as de empresas europeias.
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