A graça concedida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que perdoou a pena do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) provocou reações no Congresso Nacional. Ao menos na retórica, oposição e base governista falam em rever as regras de indulto, com propostas para endurecer ou flexibilizar a legislação, em resposta ao caso Silveira.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o Legislativo não tem poder para sustar o decreto do presidente da República – que é constitucional, frisou –, mas afirmou que as casas legislativas podem apresentar “iniciativas” para "estabelecer melhores critérios" na aplicação de indultos.
Em outra frente, parlamentares debatem projetos para dificultar a perda de mandato, como a que foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a Daniel Silveira, e deixar claro que essa é uma prerrogativa do Congresso. "Dessa atribuição não vamos abrir mão", afirmou, nesta terça-feira (26), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), citando que somente o Poder Legislativo têm a competência constitucional para cassar deputados federais e senadores.
"O Supremo Tribunal Federal tem a competência para julgar; o presidente da República tem a competência para conceder graça ou indulto; a Câmara e o Senado têm que decidir sobre mandato parlamentar", acrescentou.
Na mesma linha, Pacheco defendeu que decretações de perda de mandato parlamentar devem ser submetidas ao Congresso. "Mandato outorgado pelo voto popular só pode ser retirado pela própria Casa Legislativa, por meio da votação de seus pares", reiterou.
Sobre a apresentação de projetos após a condenação de Daniel Silveira, Lira afirmou ser normal essa mobilização, já que é uma prerrogativa dos parlamentares legislarem. "Não vamos fazer nenhum pré-julgamento se o projeto é bom ou é ruim, se ele vai dizer isso ou se ele vai dizer aquilo. É competência legislativa dos deputados e deputadas apresentarem projetos, e esses projetos terão curso normal se tiverem apoiamento", explicou.
Oposição fala em derrubar indulto de Bolsonaro
Na última sexta-feira (22), o dia seguinte à concessão do indulto por Bolsonaro, deputados de oposição protocolaram na Câmara projetos que derrubam os efeitos da ação do presidente. Parlamentares como Joênia Wapichana (Rede-RR), Tabata Amaral (PSB-SP) e Rogério Correia (PT-MG) assinaram os textos.
A bancada do Psol também apresentou proposta com teor semelhante. Líder do partido na Câmara, a deputada Sâmia Bomfim (SP) descartou, porém, a ideia de utilizar o caso para rediscutir o mecanismo de indulto. “É um escândalo, no momento em que o país se encontra, com uma crise econômica, inflação elevada, com o aumento dos preços dos alimentos, da gasolina, o Congresso legislar em causa própria”, disse.
Outra autora de uma proposta para sustar os efeitos do decreto de Bolsonaro, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) afirmou considerar “possível” o debate em torno de uma nova proposta para os indultos, mas antecipou que, até o momento, não há uma conclusão fechada entre os oposicionistas sobre o tema.
Uma eventual modificação do sistema de indulto teria que ser implementada por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), o projeto de tramitação mais complexa que existe no Congresso. A aprovação de uma PEC demanda votos favoráveis de três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos de votação em cada uma das casas.
A complexidade que envolve o tema faz com que a aprovação de uma modificação seja algo pouco provável no cenário de curto prazo, segundo o deputado Júlio Delgado (PV-MG).
“Não acho que o Congresso irá tomar essa atitude agora. Não se pode banalizar uma indulgência, uma concessão desse tipo”, declarou. O parlamentar disse acreditar que o debate em torno do assunto deverá se pautar agora nas esferas do Poder Judiciário. Ele, que está atualmente em seu sexto mandato em Brasília, disse nunca ter visto o tema indulto ser debatido com tanta intensidade como o que há no atual momento.
O avanço de PECs, tanto na Câmara quanto no Senado, depende ainda de votações dentro das Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) em cada uma das casas. Tanto na Câmara quanto no Senado as CCJs estarão sob comando do União Brasil em 2022. No senado, a cargo de Davi Alcolumbre (AP). Já na Câmara há uma indefinição sobre qual deputado presidirá a comissão. Juscelino Filho (MA) e Arthur Maia (BA) são os mais cotados.
Um levantamento feito pelo jornal O Globo identificou que há, hoje, 19 projetos em tramitação no Congresso que visam modificar a sistemática do indulto. Grande parte deles foi apresentada por parlamentares que são aliados de Bolsonaro ou já foram próximos do presidente. As propostas foram apresentadas entre 2017 e 2019, quando o meio político tentou reagir a um indulto concedido pelo então presidente Michel Temer (MDB) que acabou por beneficiar condenados por corrupção.
Havia ainda, na época, um debate acerca da situação jurídica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista foi condenado em primeira instância em 2017 e, no ano seguinte, recebeu a condenação em segunda instância e posteriormente foi preso. Adversários de Lula buscavam endurecer a legislação para bloquear um eventual indulto que eliminaria sua detenção. Atualmente, as propostas se encontram paradas, sem tramitações significativas nos últimos meses.
Governistas sugerem anistia e proposta para dificultar cassação
Do lado dos apoiadores de Bolsonaro, o perdão de Bolsonaro a Silveira é visto como uma oportunidade para revisar a legislação e inibir o que eles consideram como perseguição a opiniões divergentes.
Nesta quarta-feira (27), representantes das bancadas evangélica, ruralista e da “bancada da bala” (Frente Parlamentar da Segurança Pública) do Congresso se encontrarão com o presidente no Palácio do Planalto, em reunião que está sendo apresentada como um “ato cívico pela liberdade de expressão”. O deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), líder religioso que estará presente no ato, afirmou que a manifestação é também um chamado para que os congressistas se posicionem com mais ênfase no caso Silveira.
"Judiciário condenou, Executivo indultou. Jogo empatado. Faltou a manifestação do outro poder, o Legislativo. Queremos ‘desempatar’ esta partida!”, disse.
Feliciano é também apoiador de um projeto do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) que altera o regimento da Câmara e torna mais difícil a cassação de deputados. Pelo texto, se reforça a condição de que a cassação é uma decisão exclusiva da própria Câmara, que só pode ser tomada com o aval de dois terços dos deputados – hoje, a retirada do mandato é aprovada com o voto favorável de metade da Casa.
A manutenção do mandato de Silveira está em jogo no caso atual por conta das consequências da determinação de sua prisão, por parte do STF, que permanecem sob imprevisibilidade após a decisão de Bolsonaro. No dia 20, a Câmara apresentou no STF uma ação em que pede que a perda de mandatos não seja automática no caso de condenação de um parlamentar, sendo necessário o aval dos congressistas.
Outra medida empreendida pelos governistas em reação ao caso Silveira é um projeto da deputada Carla Zambelli que concede anistia a responsáveis por “crimes de natureza política” e “condutas inseridas no âmbito da liberdade de expressão, manifestação e crença”.
A anistia proposta pela deputada se aplicaria a crimes cometidos entre 1º de janeiro de 2019 e 21 de abril de 2022, intervalo que corresponde ao dia de início do governo Bolsonaro, com término na data em que o chefe do Executivo concedeu o indulto a Silveira. Na justificativa do projeto, a deputada alega que o momento atual registra “interferências indevidas” do Judiciário sobre o Legislativo e chama o processo contra Silveira de “cassação indireta de mandato”.
Indagado por jornalistas especificamente sobre esse projeto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse nesta terça que apresentar proposições é prerrogativa dos parlamentares, mas ponderou que os políticos precisam ter responsabilidade quando da votação de todas as proposições.
"Quando digo que devemos ter compromisso com a segurança jurídica, com a previsibilidade e com a clareza normativa do Brasil, isso envolve o Poder Legislativo. O que não se pode, a qualquer sopro do vento, é promover alterações legislativas significativas que, às vezes, momentaneamente, sejam interessantes, mas numa visão de longo prazo não são", argumentou.
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