A sessão da CPI da Covid do Senado desta quinta-feira (19) foi encerrada sem a conclusão do depoimento do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O antigo comandante da Saúde do governo de Jair Bolsonaro voltará à comissão para finalizar sua fala na manhã desta quinta-feira (20).
Em meio às controvérsias que marcam o colegiado, até a interrupção da sessão foi tema de debate: a primeira informação foi a de que a reunião teria sido suspensa porque Pazuello teria passado mal, mas posteriormente o ex-ministro negou o ocorrido e a alegação oficial é de que o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), resolveu paralisar os trabalhos por causa da realização da ordem do dia do Senado.
Mesmo com a interrupção, Pazuello falou por mais de seis horas aos senadores. As perguntas que ele respondeu abordaram temas como vacinação, tratamento precoce, a suposta interferência de Bolsonaro no Ministério da Saúde, o "gabinete paralelo" descrito pelos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, entre outros tópicos.
A segunda parte da fala de Pazuello, nesta quinta, tem a participação prevista de 24 senadores, que estão inscritos para fazer perguntas ao ex-ministro. Com a divisão do depoimento, foi transferida para a próxima semana a fala de Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde e defensora do uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19. Ela vai falar agora na terça-feira (25).
Veja abaixo um resumo do que Pazuello falou de mais importante à CPI da Covid:
"Incompetência" para comprar vacina da Pfizer
O ex-ministro rebateu relatos feitos à comissão na semana passada pelo ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e pelo gerente-geral da Pfizer, Carlos Murillo. Ambos contaram aos senadores que a farmacêutica enviou ao governo brasileiro uma proposta de envio de vacinas que permaneceu ignorada por mais de dois meses, e que só passou a tramitar depois que Wajngarten tomou conhecimento da oferta em uma conversa informal. Em entrevista à revista Veja, o ex-secretário de Comunicação disse que a vacina não foi comprada antes por "incompetência" do Ministério da Saúde, então sob comando do general.
Pazuello disse que manteve constantes negociações com a Pfizer ao longo de 2020 e que um eventual atraso no acesso aos imunizantes se deu por conta do que ele chamou de cláusulas "assustadoras" e "complicadíssimas" presentes no contrato da empresa.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que pedirá a Pazuello documentos que comprovem o andamento das negociações com a Pfizer 1 e que desmentiriam o apresentado por Wajngarten e Murillo.
No início da sua fala, Pazuello já havia dito que liderara negociações com 16 laboratórios produtores de vacinas, "mesmo quando não se falava de imunizantes".
Falta de oxigênio em Manaus
Os momentos de maior embate no depoimento desta quarta se deram quando Pazuello foi questionado sobre o colapso registrado em Manaus no início do ano, quando a capital amazonense viu um aumento no número de mortes por Covid-19 em razão da falta de oxigênio para o atendimento aos pacientes.
O ex-ministro disse que foi informado da falta do suprimento apenas dias antes do pico das mortes e que, desde que tomou conhecimento do problema, mobilizou a estrutura do ministério para atender Manaus. A fala foi questionada por senadores. Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que alertas foram dados ao Ministério da Saúde muito antes do dia que Pazuello considerou como o aviso definitivo. Também amazonense, Aziz disse que o ministério tratou Manaus como "cobaia" e chamou a conduta do governo de "criminosa" em relação à cidade.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) pressionou Pazuello sobre uma oferta que os EUA teriam feito de um avião, que auxiliaria no transporte de oxigênio para Manaus. O ex-ministro disse que não havia tomado conhecimento da proposta; a parlamentar, em sequência, mostrou documentos que indicariam que o ministério recebeu informações formais sobre a oferta.
Tratamento precoce e autonomia para trabalhar
Além da falta de oxigênio, Pazuello foi questionado por conta do "TrateCov", aplicativo para celular que foi alvo de polêmica no início do ano. O dispositivo tinha como função auxiliar médicos no tratamento de pacientes com Covid-19, mas foi criticado por sugerir o uso de cloroquina para pessoas com qualquer idade e perfil da doença.
Pazuello afirmou que o aplicativo foi tornado público por engano e que sua divulgação não era uma ideia oficial do ministério. Mas senadores como Eduardo Braga e Eliziane Gama recordaram que uma reportagem da TV Brasil, emissora oficial do governo, destacou o lançamento do aplicativo.
O ex-ministro disse também que não foi pressionado pelo presidente Jair Bolsonaro para fazer com que o ministério transformasse o tratamento precoce conta a Covid-19 em uma diretriz de governo. Ele falou que o que a pasta fez em relação ao assunto foi a emissão, no início da pandemia, de uma nota técnica que buscava a normatização da aplicação de cloroquina. Sua fala foi contestada por Calheiros, que lembrou que os antecessores de Pazuello — Mandetta e Teich — deixaram o ministério principalmente por divergir de Bolsonaro em relação à cloroquina.
Pazuello ressaltou também que contou com autonomia para a montagem de sua equipe no ministério e que também não recebeu pressão de Bolsonaro para adotar outras posturas defendidas pelo presidente, como o combate ao isolamento social e ao uso de máscaras.
Perguntado sobre publicações do presidente em redes sociais e falas públicas de Bolsonaro, Pazuello disse que faz uma distinção entre as manifestações, e que se guiava apenas por determinações oficiais que eram emitidas pelo chefe do Executivo.
Veto à compra da Coronavac
Ao dar explicações sobre a aquisição de vacinas, o ex-ministro da Saúde afirmou que Bolsonaro nunca ordenou que ele desfizesse qualquer acordo com o Instituto Butantan, produtor no Brasil da vacina chinesa Coronavac.
Perguntado sobre as declarações de Bolsonaro contrárias ao imunizante, o general lembrou que o presidente da República é chefe de Estado e de governo, mas também age como agente político. E, mesmo quando se posicionava publicamente como tal, não fez interferência alguma nas negociações. "Isso não interferiu em nada no que estávamos falando com o Butantan. Aliás, tínhamos reuniões com o Butantan semanalmente, idas e vindas, desde então, por novembro e dezembro, sem parar", afirmou
O relator Renan Calheiros insistiu na questão, dizendo que o presidente tinha dado ordem pública contra a compra do imunizante, o que provocou reação imediata do general. "Uma postagem na internet não é uma ordem. Ordem é algo direto, verbal ou por escrito. Nunca foi dada. Nunca!", respondeu Pazuello.
Alguns senadores apontaram uma contradição na versão do ex-ministro e lembraram que Pazuello afirmara publicamente, em outubro do ano passado, que o presidente Bolsonaro "mandava e ele obedecia". "Na verdade, aquilo é só um jargão militar, um jargão simplório, colocado para discussões de internet", justificou o ex-ministro.
"Gabinete paralelo"
Outro ponto em que Pazuello fez declarações em sentido oposto às de Mandetta e Teich foram em relação à existência de um "gabinete paralelo" no Ministério da Saúde, que concederia informações a Bolsonaro distintas das elaboradas pela equipe da pasta. O ex-ministro declarou não conhecer a citada estrutura.
Quando perguntado sobre a influência dos filhos políticos de Bolsonaro — o senador Flávio, o vereador Carlos e o deputado federal Eduardo —, Pazuello registrou que "esperava ter mais encontros" com eles. Presente à sessão, o senador Flávio disse que eles passariam a conversar mais.
O ex-ministro falou também que o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) não exercia influência na gestão do Ministério da Saúde. Terra é médico, foi ministro da Cidadania do governo Bolsonaro e tem se notabilizado por apresentar previsões sobre a pandemia que não se confirmaram, como a de que a doença causaria menos impactos do que a H1N1.
Imunidade de rebanho
Outro ponto que envolve Osmar Terra que foi tema de questionamentos na CPI foi a tese de "imunidade de rebanho", que é defendida pelo deputado. A hipótese é de que um mecanismo para o combate à pandemia seria o de estimular o contágio por um número elevado de pessoas, na expectativa de que isso criaria anticorpos entre a população e, por consequência, uma resistência ao vírus. No caso do coronavírus, porém, a ideia não é considerada pela maior parte dos especialistas.
Pazuello foi perguntado se ele era favorável à tese e se havia alguma diretriz para torná-la uma política oficial do Ministério da Saúde. Ele declarou ter conhecimento da ideia, mas que é contrário e que não houve nenhuma iniciativa do ministério para aplicá-la.
"Pixulé" para políticos
O senador Renan Calheiros questionou Pazuello sobre uma declaração que o general deu em março, em seu discurso de despedida do Ministério da Saúde: na ocasião, ele falou que levou "porrada" quando comandou a pasta porque políticos queriam "pixulé no final do ano". A fala foi interpretada como uma sugestão de que ele havia sido pressionado a ceder a pedidos por corrupção.
Pazuello disse que não estava se referindo a demandas ilícitas, e sim a requisições por sobras no orçamento. Segundo ele, é comum que o orçamento da pasta fique com restos e essas verbas são arduamente disputadas por gestores.
Pazuello foi também demandado sobre uma denúncia divulgada na terça-feira (18) pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, a de que militares lotados no Ministério da Saúde teriam fechado contratos sem licitação para reformas de galpão com empresas com histórico de corrupção e superfaturamento. O ex-ministro disse que o episódio foi detectado pela equipe de integridade da pasta e que não houve investimentos de recursos públicos com a despesa.
Por conta da denúncia, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou que pedirá a quebra dos sigilos bancário e telefônico do ex-ministro.
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