O ministro Luís Roberto Barroso ampliou o desgaste na relação entre militares e o Supremo Tribunal Federal (STF) ao sugerir que as Forças Armadas "estão sendo orientadas a atacar o processo eleitoral e tentar desacreditá-lo". Ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o magistrado praticamente afastou a possibilidade de a instituição ratificar a segurança das urnas eletrônicas.
A Gazeta do Povo informou anteriormente que, no Exército, na Marinha e Aeronáutica, havia uma análise de que as Forças Armadas não referendariam a segurança das urnas após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admitir ao Centro de Defesa Cibernética (CDCIber) ter identificado 712 riscos na área de tecnologia da informação da Corte desde as eleições de 2018.
Agora, após as falas de Barroso, a cúpula das Forças Armadas está cada vez mais convencida a não endossar a segurança das urnas no âmbito da Comissão de Transparência das Eleições (CTE), colegiado composto por especialistas em tecnologia, órgãos de fiscalização e representantes de entidades civis, inclusive das três forças. Foi no âmbito desse colegiado que o CDCiber fez seu primeiro questionamento.
A dura reação do Ministério da Defesa, que considerou "ofensa grave" a declaração de Barroso, por sinal, é vista dentro das Forças Armadas como a concretização de que o TSE não contará com o respaldo da instituição. Existe uma leitura entre militares de que o ministro do STF evidenciou em sua fala uma tentativa do Judiciário em obter o apoio da instituição para o processo eleitoral.
A CNN Brasil informou que a fala de Barroso dividiu os ministros do STF e que, para alguns deles, os militares teriam papel fundamental para defender o TSE. Para essa ala, a declaração do ministro seria, segundo a reportagem, "importante para conclamar as Forças Armadas a se aliarem ao Judiciário".
Qual é o peso de as Forças Armadas não ratificarem a segurança das urnas
A postura das Forças Armadas de não referendar a segurança das urnas eletrônicas pode não trazer muitos efeitos práticos ao processo eleitoral. Ministros do STF acreditam que, na prática, o impacto é mínimo. Eles se baseiam em uma pesquisa do Instituto Datafolha que aponta que 82% da população brasileira confia no sistema de votação e nas urnas.
Os militares discordam dessa visão e acreditam que, sem o aval das Forças Armadas, o processo eleitoral permanecerá sob alvo de questionamentos de parte da sociedade e da classe política. A leitura feita nas três forças é de que a instituição tem algum grau de influência entre os brasileiros. Eles se baseiam em diferentes pesquisas que, ao longo dos últimos anos, colocam a instituição como a mais confiável, a exemplo do que apontou em 2021 o Instituto Paraná Pesquisas.
Na nota redigida no domingo (24), o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, destaca, por exemplo, que "as Forças Armadas contam com a ampla confiança da sociedade, rotineiramente demonstrada em sucessivas pesquisas e no contato direto e regular com a população". Para ele, o prestígio da instituição "não é algo momentâneo ou recente" e advém "da indissolúvel relação de confiança com o povo brasileiro, construída junto com a própria formação do Brasil".
A nota deixa subentendida, ainda, que as Forças Armadas voltaram a fazer questionamentos ao TSE, conforme antecipou a Gazeta do Povo. A reportagem apurou que os militares encaminharam dois novos documentos à Comissão de Transparência das Eleições. Um documento contém sugestões de aprimoramento e outro apresenta novas perguntas sobre os processos que envolvem os procedimentos técnicos, a transparência e a segurança das urnas eletrônicas.
Segundo o ministro, as Forças Armadas "apresentaram propostas colaborativas, plausíveis e exequíveis" no âmbito da CTE e "calcadas em acurado estudo técnico realizado por uma equipe de especialistas para aprimorar a segurança e a transparência do sistema eleitoral". "As eleições são questão de soberania e segurança nacional, portanto, do interesse de todos", sustentou Nogueira.
Nesta segunda-feira (25), o TSE informou, em reunião da CTE, que acolheu algumas das propostas feitas pelo general Heber Garcia Portella, representante das Forças Armadas na comissão, entre elas a possibilidade de o código-fonte ser alterado até a cerimônia de instalação nas urnas; a redução nas restrições impostas a técnicos no Teste Público de Segurança (para as próximas eleições, já que os testes para as eleições de 2022 já foram realizados); e a ampliação de urnas submetidas ao teste de integridade. Contudo, a tensão acentuada pelo comentário de Barroso deve continuar.
Militares evitam quantificar o peso que o não apoio da instituição ao TSE pode representar, mas estão convencidos de que é considerável por entenderem ser a instituição de maior credibilidade a compor a CTE. Para eles, entre as várias instituições convidadas, poucas apresentaram sugestões e questionamentos para o aperfeiçoamento do processo eleitoral e têm a capacidade real de propor mudanças.
Embora militares não apontem a possibilidade de as Forças Armadas deixarem a CTE, existe uma impressão de que a Corte possa estar arrependida de ter convidado a instituição a compor o colegiado. "O ministro tenta tirar o foco do que importa, que são as respostas e as soluções aos questionamentos e sugestões para ampliar a segurança e a transparência do processo eleitoral", analisa um oficial militar.
Como Bolsonaro pode tirar proveito do desgaste entre militares e ministros
Embora não seja a intenção das Forças Armadas, o principal beneficiado do desgaste entre militares e ministros é o presidente Jair Bolsonaro (PL). Existe uma leitura feita pelo governo e por aliados de que ele sai fortalecido na medida em que os militares deixem de apoiar o sistema eleitoral.
A análise é de que, sem o endosso das Forças Armadas ao TSE, o presidente mantém viva sua bandeira histórica em defesa a aprimoramentos das urnas eletrônicas. Inclusive, aliados entendem que ele ganha o argumento de que o Judiciário se opõe às sugestões de melhoria às urnas e ao processo eleitoral apresentadas pela instituição.
Em uma eleição polarizada como a atual, a aposta de interlocutores governistas é de que Bolsonaro pode incorporar em sua estratégia eleitoral uma narrativa robusta. Aliados políticos sustentam que o STF tem uma rejeição crescente e acreditam que a campanha presidencial sai fortalecida na hipótese de o TSE não dar encaminhamento às sugestões das Forças Armadas.
O argumento encampado no governo vai na linha de que, diferentemente de Bolsonaro, que apoia os questionamentos e sugestões feitas pelos militares, os ministros do STF não zelam por mais transparência. A expectativa é de que a campanha presidencial possa, assim, atrair mais votos dos eleitores menos "fiéis" e mais ao centro.
Bolsonaro já conta com o apoio de parte do eleitorado que desconfia da hipótese de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser favorecido por supostas fraudes no sistema eleitoral, narrativa que ganhou força durante a discussão da chamada "PEC do voto impresso auditável". A expectativa, agora, é de atrair votos de outros eleitores.
Ex-vice-líder do governo na Câmara, o deputado federal Coronel Armando (PL-SC), acredita que os ministros do STF "criam dificuldades" para si próprios e que a fala de Barroso não passa de uma narrativa sobre um suposto uso político das Forças Armadas por Bolsonaro.
"É óbvio que as Forças Armadas preferem o presidente Bolsonaro a qualquer candidato de esquerda, mas não quer dizer que isso cria alguma situação de sair da Constituição", critica. Para Armando, Barroso tenta imputar ao presidente da República uma suposta tentativa de interferir no processo eleitoral
"É uma tentativa para dizer que o Bolsonaro influencia e está interferindo no processo eleitoral, a fim de questionar a candidatura dele", analisa o aliado do governo. "Quanto mais associarem o presidente às Forças Armadas, mais é a narrativa que tentam fazer. O STF está criando dificuldades para ele mesmo", complementa.
Defesa defende isenção de militares; general fala em crime militar
O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, afasta a possibilidade de uso político das Forças Armadas e assegurou a isenção enquanto instituições de Estado. "Desde o seu nascedouro, têm uma história de séculos de dedicação a bem servir à Pátria e ao Povo brasileiro, quer na defesa do país, quer na contribuição para o desenvolvimento nacional e para o bem-estar dos brasileiros", destacou.
O general ponderou, ainda, que é "irresponsável" e constitui em "ofensa grave" insinuar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral. "Ainda mais sem a apresentação de qualquer prova ou evidência de quem orientou ou como isso aconteceu", declarou. "Além disso, afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições", complementou.
A indignação também chegou aos militares aposentados. O general reformado Paulo Chagas, crítico do governo, pondera que o conteúdo da nota é "muito pouco". Em suas redes sociais, ele sustenta que Barroso cometeu o crime de ofensa às Forças Armadas, previsto no artigo 219 do Código Penal Militar.
O militar pondera ser cabível uma representação criminal contra o magistrado e afirma que há outros militares com o mesmo entendimento. Alguns da reserva até consideram ajuizar Barroso. "Estão vendo se é o caso e se vale a pena ou não", afirmou. O general entende, porém, que, por ora, não há mais indícios de que a relação entre Forças Armadas e os ministros vai se deteriorar ainda mais. "Está encerrado até o próximo evento", analisa.
Para Chagas, Bolsonaro deliberadamente envolve as Forças Armadas e acaba atraindo a desconfiança de ministros do TSE, o que não justifica o pensamento de Barroso. "Por mais esforço que o presidente tenha feito para criar confusão e dar a impressão à sociedade que as Forças Armadas têm partido, é importante esclarecer que o partido das Forças Armadas é unicamente um: o Brasil", destaca.
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