O relatório definitivo da CPI da Covid do Senado, que deverá ser concluído na primeira semana de outubro, terá em seu texto o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por crimes distribuídos em três grandes grupos: crimes comuns, crimes de responsabilidade e crimes contra a vida. As informações foram antecipadas pelo responsável pelo documento, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, em entrevistas concedidas à imprensa.
Segundo o parlamentar, as acusações contra o presidente serão embasadas nos trabalhos da CPI, que promoveu depoimentos com testemunhas e analisou documentos, e também em pareceres de juristas que auxiliaram a comissão. Um dos profissionais do Direito que municiou a CPI é o advogado Miguel Reale Júnior, coautor do pedido de impeachment que levou à queda da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.
Um dos crimes comuns que pode ser atribuído a Bolsonaro é o de prevaricação. Esta infração, por definição, é a que se dá quando um servidor público deixa de agir em uma ocasião em que teria a obrigação de fazê-lo. Segundo a acusação, Bolsonaro teria cometido a prevaricação ao não dar encaminhamento à denúncia apresentada pelo deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, que relataram diretamente a ele um suposto esquema de corrupção implantado no Ministério da Saúde.
Bolsonaro também pode responder pelo crime de epidemia. Essa tipificação, de acordo com o código penal, é aplicada quando seu responsável age para "causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos". Ainda no campo dos crimes comuns, o presidente poderia ser indiciado pela prática da incitação ao crime. Os juristas que defendem esta possibilidade alegam que a identificariam nas ações de Bolsonaro para desestimular o uso de máscaras e para boicotar medidas de isolamento social.
A atribuição de crimes de responsabilidade a Bolsonaro também remete a decisões do presidente que contrariam a maior parte dos posicionamentos da comunidade científica. Por exemplo, a condução de medidas que buscariam que o Brasil alcançasse a "imunidade de rebanho", condição em que um grande número de pessoas infectadas por coronavírus acabaria por bloquear a aparição de novos casos.
A adesão do presidente ao chamado tratamento precoce, com a defesa irrestrita feita por ele a medicamentos como cloroquina e ivermectina, também entraria neste segmento de acusações. Esse campo ainda pode conter imputações a Bolsonaro decorrentes da resistência do presidente à vacinação. Embora o governo federal posteriormente tenha empreendido ações nacionais de imunização, Bolsonaro fez diversas declarações públicas contra as vacinas e, até o momento, não se vacinou.
Em termos de crimes contra a vida, o relatório de Calheiros pode responsabilizar Bolsonaro pelo colapso identificado no Amazonas no início de 2021. O estado, principalmente a capital Manaus, viveu uma crise de desabastecimento de oxigênio que culminou em números expressivos de mortes de pessoas que contraíram o coronavírus. Segundo a CPI, parte dos óbitos teria como causa políticas equivocadas do governo, como a insistência no tratamento precoce e a recusa em buscar ajuda com o governo da Venezuela, que se dispôs a oferecer oxigênio a Manaus.
“Nós estamos imaginando um relatório com vários encaminhamentos. Nós queremos fazer escolhas acertadas, para que esse relatório tenha uma consequência rápida na Procuradoria-Geral da República e também no Tribunal Penal Internacional”, afirmou Calheiros ao jornal Correio Braziliense.
Impeachment não é consequência direta
Calheiros disse, em diferentes entrevistas, que as investigações feitas pela CPI e as observações dos juristas deixam claro que Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade que justificariam a abertura de um processo de impeachment e, como consequência final, o afastamento do presidente.
A instalação de um procedimento de impeachment, porém, não tem conexão com os trabalhos da CPI. A legislação brasileira determina que o pontapé inicial do impeachment é dado, obrigatoriamente, pelo presidente da Câmara, que o faz ao aceitar um pedido a ele apresentado. Este pedido pode ser protocolado por qualquer cidadão. Atualmente, há mais de uma centena de pedidos de impeachment contra Bolsonaro levados à Presidência da Câmara. Um deles, apelidado de "superpedido de impeachment", foi inserido em junho e contou com o apoio tanto de opositores clássicos de Bolsonaro quanto de ex-aliados do presidente, como os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP).
O atual presidente da Câmara é o deputado Arthur Lira (PP-AL), que chegou ao posto no início do ano com o apoio de Bolsonaro. Em diferentes ocasiões, ele disse não ver motivos para a abertura de um processo de impeachment no atual momento.
Calendário: quando será apresentado o relatório
A entrega do relatório final da CPI já passou por diferentes adiamentos. A intenção inicial de Calheiros era a de finalizar o texto até a sexta-feira (24), e esperar a votação nos dias úteis seguintes, o que levaria a um término mais breve da CPI. Posteriormente, o prazo citado pelo senador foi o da semana dos dias 28 a 30.
Na segunda-feira (20), porém, o parlamentar confirmou que adiará para o início de outubro a entrega do relatório. Ele disse que tem o texto "praticamente pronto", mas precisa adequá-lo com as ações mais recentes da comissão.
A CPI investe, nos últimos dias, em apurar denúncias contra o plano de saúde Prevent Senior, acusado de falsear estudos sobre o tratamento precoce e de ministrar medicações sem o conhecimento de seus pacientes. O flanco de investigações sobre um privilégio a empresas no Ministério da Saúde, com o pagamento de propinas e o superfaturamento de preços, também permanece no radar.
E há senadores que defendem a presença na comissão de Ana Cristina Valle e Jair Renan Bolsonaro, respectivamente ex-mulher e filho "04" do presidente da República. A ideia, porém, não é consensual nem mesmo dentro da oposição.
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