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Segurança Pública

Como STF, Brizola proibiu operações em favelas no Rio há 40 anos; medida fortalece facções

Brizola
O ex-governador Leonel Brizola, presidente do PDT, no Congresso Nacional. (Foto: Foto Arquivo/ABr)

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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de impedir que a polícia faça operações para combater o crime organizado em favelas do Rio de Janeiro (salvo em situações excepcionais) tem um precedente histórico. O então governador Leonel Brizola (1922-2004) fez o mesmo em 1983 e o resultado foi desastroso: possibilitou que o Comando Vermelho se estruturasse como uma das maiores facções criminosas do país.

Já durante a campanha para o governo do Estado, em 1982, Brizola deu o tom de como seria sua política de Segurança Pública: “Minha polícia jamais vai abrir portas de barraco a butinaço”, disse à época. O principal argumento do governador era a violência por parte de policiais durante operações na Baixada Fluminense.

Além disso, Brizola compartilhava da ideia que a Educação era mais eficiente que a segurança pública na prevenção da criminalidade. Durante seu primeiro mandato (1983-1986), ele inaugurou os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), os Brizolões, para fomentar o ensino dentro de comunidades carentes. Achava que isso seria suficiente para conter a criminalidade.

Mas a intenção do governador acabou não se encontrando com a realidade. Por serem edifícios construídos em regiões remotas das favelas, os equipamentos acabaram servindo como bases para o tráfico de drogas e foram abandonados pelas gestões posteriores.

O saldo da diminuição da presença da polícia gerou o inverso do que foi pretendido: o fortalecimento de organizações criminosas. Na época, o Comando Vermelho crescia no Rio de Janeiro e se consolidava como substituto da primeira facção do Estado, a Falange Vermelha.

Segundo o coronel da Polícia Militar Paulo César Amêndola, idealizador do projeto que originou o Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro (Bope), a proibição das operações nas comunidades "deu carta branca" para que a criminalidade pudesse crescer no Rio.

"Eu estava na ativa quando isso aconteceu. Quando se toma esse tipo de decisão, é o mesmo que dar uma carta branca para que a criminalidade se perpetue. Ele (Brizola) impediu a polícia de cumprir o papel da polícia de prender bandido, de apreender armamento, drogas etc. Os números (da violência da época) não mentem", disse o militar aposentado.

Ele acrescentou: "Na medida que há uma decisão política impedindo que a polícia cumpra o que a lei manda cumprir, podemos entender que o governo do Estado está deixando campo para que a marginalidade aumente seu grau de ousadia e cumpra suas missões criminosas como se houvesse aval do governo".

Homicídios dispararam no Estado do Rio nas décadas de 80 e 90

De acordo com dados do Ministério da Justiça e da Saúde apurados no Mapa da Violência, após a coibição das operações policiais nas favelas, o Estado do Rio viu a taxa de homicídios sair de 15,9 vítimas por 100 mil habitantes em 1983 para 20,2 em 1986, último ano de Brizola como governador.

Para o antropólogo e ex-capitão do Bope, Paulo Storani, autor do livro “Vá e Vença” (Ed. Best Seller, 2018), a proibição é fruto de uma visão distorcida dos agentes políticos que foram perseguidos pelo regime militar, época em que as polícias eram subordinadas ao Exército. Ele diz que a imagem da Polícia Militar acabou distorcida.

“Por ter sido usada na repressão, durante o regime militar, e pela forma que atuava nas operações em favelas, semelhante às ações que ainda permeavam o imaginário dos anistiados, a PM foi rotulada como uma instituição das forças de repressão política, agora alcançável pelos novos detentores do poder”, diz Storani.

O sucessor de Brizola, o governador Wellington Moreira Franco, retomou as operações policiais nos morros. Ao assumir o governo, em 1987, Franco herdou uma taxa de 30,9 homicídios por 100 mil habitantes e prometeu que acabaria com a violência em seis meses.

"Nós vamos enfrentar os grupos de crime organizado, custe o que custar e doa a quem doer, porque eu sou intransigente", disse o então chefe do Executivo. No entanto, a promessa não se concretizou e o número de homicídios continuou a subir. No fim de seu mandato, em 1991, o Estado do Rio registrava uma taxa de 56,1 mortes por 100 mil habitantes.

Segundo Storani, a polícia comandada por Moreira Franco encontrou um crime organizado mais equipado para enfrentar as forças de segurança estaduais.

“Com o discurso de mudança radical nas estratégias relativas às ações policiais, prometendo resolver o problema da violência em seis meses, Moreira Franco iniciou o retorno da política do antigo método do 'pé na porta', caracterizado pela truculência policial. Mas as polícias com as mesmas estruturas, procedimentos e efetivos do período anterior ao do governo Brizola, encontraram uma criminalidade mais organizada e melhor armada”, acrescentou o ex-Bope.

Brizola retornou ao poder em 1991 e a taxa de homicídios sofreu uma redução significativa, marcando 39,1 mortes por 100 mil habitantes. Com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, a Rio-92, o Exército e demais forças de segurança foram acionadas para garantir a segurança do evento. A mobilização naquele ano permitiu uma leve queda na taxa de homicídio, que marcou o índice de 35 mortes por 100 mil habitantes. Mas em 1993, o número subiu para 41 homicídios por 100 mil habitantes.

“O recrudescimento dos confrontos armados em meados da década de 1980, entre a polícia e os grupos criminosos, ocasionou a morte de muitos policiais em razão da falta de preparo técnico, do novo tipo de confronto e do armamento inferior em autonomia e alcance, em comparação aos dos criminosos. Essa inferioridade bélica só foi equilibrada com o empréstimo de fuzis calibre 7,62mm pelo Exército Brasileiro, em meados dos anos 1990”, pontuou Storani.

Proibição do STF começou na pandemia e vigora até hoje

Impetrada pelo Partido Socialista Brasileiro e entidades de esquerda no STF, em 2020, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 suspendeu operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de covid-19, salvo em situações de emergência e com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Apesar da pandemia já ter se encerrado, a suspensão continua valendo e o Supremo decidiu que o governo do Estado deve seguir um plano de redução de mortes em operações policiais.

De lá pra cá, a violência no Rio chegou a apresentar uma redução, mas as consequências de restringir a presença da polícia nos morros volta a aparecer nos números. Segundo os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), de 2019 até 2022, o Rio viu o número de homicídios cair de 4.004 para 3.059, uma queda de quase 24%. No entanto, o primeiro semestre de 2023 já registrou 1.941 mortes, uma alta de quase 9% em relação ao mesmo período do ano passado (1.782).

Na opinião de Alessandro Visacro, analista de assuntos militares e autor do livro "A guerra na era da informação" (Ed. Contexto, 2018) as decisões de Brizola e do STF trazem grande impacto para a segurança pública no longo prazo.

“A grande lição que fica é a seguinte: sempre que você restringe a operação policial, você tem um efeito negativo de médio e longo prazo. Quando vemos as restrições impostas pela ADPF 635, fica evidente que não aprenderam com o que aconteceu nos anos de 1980. A roupagem humanitária dada à essa ação serve muito bem à demagogia. Mas o efeito concreto se tornou negativo.”

Já para Storani, a ADPF atingiu a capacidade de pronta resposta da polícia à violência ocorrida no Rio de Janeiro.

"Criou-se restrições para o emprego da força policial e o crime é muito volátil. A grande questão da polícia é a pronta resposta, a capacidade de responder prontamente aos acontecimentos, é prevenir os fatos e agir de uma forma tão rápida que outros fatos semelhantes não ocorram – pela rapidez da resposta. A ADPF 635 gerou essa falta de resposta", disse.

Brizola favoreceu a ampliação das favelas

As favelas do Rio de Janeiro surgiram logo no início do século XX, mas sua expansão na década de 1980 ganhou novos contornos devido à política fundiária de Brizola. Durante seu primeiro governo, ele instaurou a Comissão de Assuntos Fundiários, dentro da Secretaria de Justiça, e deu ordens à Polícia Militar para não dar cobertura para ações de despejo ou reintegração de posse de comunidades sem antes consultar a comissão.

A medida é vista como um dos principais fatores para o crescimento das favelas cariocas. Sem a fiscalização do poder público, as invasões continuaram a crescer e tomar espaços nos morros desabitados.

“Houve uma grande expansão de favelas no Rio de Janeiro nessa época, principalmente em áreas de Proteção Ambiental. A polícia foi orientada a não subir os morros e com certeza isso contribuiu para que novos terrenos fossem tomados”, lembrou Paulo Storani.

Brizola também extinguiu a secretaria de Segurança

Assim como foi feito pelo ex-governador Wilson Witzel, em 2019, Brizola também extinguiu a Secretaria de Segurança do Estado e elevou os comandos das polícias ao status de secretaria. Assim, em 1983, foram criadas as secretarias da Polícia Judiciária e Direitos Civis e a de Polícia Militar.

Segundo apuração do Jornal do Brasil, na época, a medida pegou de surpresa aliados e adversários políticos. A expectativa era uma maior integração entre as polícias, mas o governador resolveu fazer o contrário. Brizola justificou a decisão alegando que o mesmo havia sido feito pelo então presidente francês François Mitterrand - o primeiro presidente socialista eleito na França.

Questionado sobre com quem ficaria o comando das polícias, Brizola se limitou a dizer que a legislação faria esse papel. "A lei, respaldada pela legitimidade do Governo. Estamos impressionados com a situação atual. As instituições não funcionam. Assim não pode continuar", disse o governador ao anunciar seu secretariado à imprensa.

Apesar da declaração, o comando foi direcionado a um “assessor especial” subordinado ao governador. Na prática, Brizola tomou para si o comando efetivo das duas polícias como forma de driblar a interferência do Exército. De acordo com um decreto da época, secretários de segurança dos Estados deveriam ter seus nomes aprovados pelo então ministro do Exército.

A pasta foi recriada somente 12 anos depois, na gestão do governador Marcello Alencar (1925-2014). Em 2019, Witzel acabou com a pasta por pressão de lideranças policiais, que ofereceram seu apoio político ao governador em troca do fim da Secretaria de Segurança. Eles queriam dispor mais livremente de cargos e indicações políticas.

Mas a ação foi desastrosa pois desarticulou toda a política de segurança que havia sido criada um ano antes em uma intervenção federal. As polícias deixaram de lado a integração e aboliram a corregedoria independente, dando espaço para a expansão da corrupção.

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