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Policial militar em operação especial em favela do Rio de Janeiro
Policial militar em operação especial em favela do Rio de Janeiro; ações regulares foram proibidas pelo Supremo| Foto: EFE

A onda de violência no Rio de Janeiro que teve como episódio mais recente o incêndio de 35 ônibus por criminosos interrompeu uma sequência de queda da criminalidade registrada nos últimos anos. Decisões equivocadas do ex-governador Wilson Witzel, o posicionamento supostamente leniente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ativismo do Supremo Tribunal Federal (STF) são apontados por analistas como fatores que colaboraram para estimular a espiral da violência na cidade.

De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), de 2019 até 2022, o Estado do Rio viu o número de homicídios cair de 4.004 para 3.059, uma queda de quase 24%. No entanto, o primeiro semestre de 2023 já registrou 1.941 mortes, uma alta de quase 9% em relação ao mesmo período do ano passado (1.782).

Após assumir o Estado, em 2019, Witzel extinguiu a Secretaria de Segurança Pública do Estado, dividindo a responsabilidade da segurança entre a Secretaria Estadual de Polícia Civil e a Secretaria de Estado da Polícia Militar. Com a medida, o estado do Rio se tornou a única entidade da federação a não possuir uma pasta própria para a Segurança Pública.

De acordo com uma fonte da polícia carioca, a extinção da secretaria foi fruto da pressão do alto escalão da Polícia Militar no Executivo estadual após um suposto desequilíbrio na distribuição das gratificações dadas aos servidores. Funcionários da secretaria estariam recebendo bonificações maiores do que coronéis da PM.

Witzel disse na época que a Secretaria de Segurança nunca funcionou em lugar algum. "Eu entendo que um secretário de Segurança Pública, muitas vezes, acaba se politizando e faz ali um trampolim para ser prefeito, deputado ou governador e acaba prejudicando o próprio trabalho das polícias", disse na ocasião.

Mas na prática a extinção da pasta gerou loteamento de cargos e a volta da interferência política nos quarteis e nas operações da polícia. Durante a Intervenção Federal de 2018, agentes federais descobriram que inúmeras operações policiais ficavam "na gaveta" devido à influência de políticos locais, segundo uma fonte que participou da investigação na época e pediu para não ser identificada. Investigações também mostraram que servidores que ocupavam cargos estratégicos da cúpula da segurança do Estado serviam aos interesses de facções criminosas e foram exonerados.

Políticas de Lula e da esquerda favorecem o crime organizado, segundo analistas

A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é avaliada por especialistas como fator adicional no aumento da violência no Rio de Janeiro, embora não haja dados que comprovem a afirmativa. A postura do PT e da esquerda em defender políticas de desencarceramento e liberação das drogas passou um sinal para a criminalidade de que o atual governo seria mais leniente com a atividade criminosa.

“O Brasil vive uma crise de valores. Olha quantos criminosos foram libertados. Por exemplo: o Sérgio Cabral. Ele confessou os crimes e foi solto. Esses criminosos fazem esse tipo de ataque [incêndio de ônibus] porque sabem que podem fazer. Olha o ânimo que os bandidos demonstraram com a eleição do presidente da República. Acha que isso não é consequência?”, diz o antropólogo e ex-capitão do Bope, Paulo Storani, autor do livro “Vá e Vença” (Ed. Best Seller, 2018).

Ele afirmou ainda que o ambiente de criminalidade em que o Estado está inserido, com destaque para a impunidade desses criminosos, também afeta a capacidade da polícia em combater o crime organizado.

“Eles sabem que se o cara for pego e preso, vai ficar pouco tempo na cadeia. O problema da criminalidade é muito maior que a capacidade da polícia em deter esse ânimo. Como você vai fazer com o que o criminoso deixe de cometer crime se ele é solto e volta a reincidir? Por melhor que política pública fosse, você tem um ambiente que atrai a pessoa para o crime.”

O deputado Delegado Palumbo (MDB-SP) afirmou durante o programa Assunto Capital, da Gazeta do Povo, que parlamentares governistas estariam impedindo a aprovação no Senado de um projeto de lei que tenta restringir a saída temporária de presos de instituições penitenciárias em datas festivas.

"O governo e seus aliados vêem lógica no assalto, não vêem problemas em roubar para tomar uma cervejinha, não querem aumentar a pena para punir quem mata crianças", disse.

"Eles [PT, PSOL e Rede] não querem nada que enrijeça penas, tire benefícios de criminosos, porque dizem que eles são vítimas da sociedade. Vítima da sociedade é o trabalhador que está esperando um ônibus e é roubado, perde a vida", disse Palumbo.

Já o presidente Lula afirmou estar combatendo o crime organizado, mas atribuiu a violência no Rio de Janeiro à pobreza da população. "Enquanto o povo sofrer, há uma possibilidade de crescimento do crime organizado. Tudo está ligado às condições de vida do povo", disse em uma live nesta semana.

O presidente também ligou a violência no Rio à política do ex-presidente Jair Bolsonaro que facilitou o acesso dos cidadãos às armas de fogo. Lula disse que as armas compradas legalmente iriam parar nas mãos de criminosos, mas não apresentou qualquer evidência concreta para sustentar sua afirmação.

STF favoreceu facções ao impedir que policiais atuem no combate ao crime em favelas

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, que ficou conhecida como ADPF das Favelas também provocou fortes impactos na segurança do estado. Em 2020, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e organizações não governamentais de esquerda pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendesse operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de covid-19, salvo em situações de emergência e com prévio aviso do Ministério Público.

A ação continua em andamento, mas operações estão sendo feitas nos casos emergenciais. Em 2022, os ministros decidiram que o Estado do Rio deveria entregar um plano de ação para reduzir a letalidade policial e violações de direitos humanos pelas forças de segurança. O Supremo também determinou restrições em buscas e apreensões nas casas dos moradores de favelas.

Na prática, a medida também dificultou o uso de helicópteros pela polícia. As aeronaves eram um fator tático decisivo que diminuía vantagens dos criminosos nos confrontos. Entre essas vantagens estavam a possibilidade de atirar do alto de lajes e de posições fortificadas contra a polícia.

Na avaliação de especialistas no tema, a Corte colocou a polícia em uma situação de insegurança jurídica. A problemática foi tema de audiência pública, na quarta-feira (18), na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados.

Para o advogado constitucionalista André Rios, que é policial militar reformado, a decisão do Supremo permitiu que o crime organizado expandisse seu controle territorial em diversas favelas. Segundo ele, um indício disso é que facções criminosas teriam construído barricadas em áreas que anteriormente eram acessadas pelas forças policiais no patrulhamento regular, sem necessidade de grandes operações.

Ele disse que, em algumas favelas do Rio, os criminosos instalaram barricadas a seis quilômetros do centro da favela. "A polícia não pode operar condições normais”, disse.

De acordo com ele, os criminosos teriam fortalecido sua presença e atividades na as áreas que foram delimitadas como proibidas para a polícia pela decisão do Supremo.

Ainda na audiência, o deputado estadual Marcelo Dino (União-RJ) alegou que a decisão do Supremo permitiu que a criminalidade transformasse o Complexo da Maré em local de treinamento para o tráfico. Neste mês, imagens obtidas pela polícia mostraram criminosos recebendo aulas de guerrilha em um complexo recreativo dentro do Complexo da Maré.

“Para resolver o problema do Rio de Janeiro, precisamos da ajuda do judiciário. É importantíssimo [...] O narcotráfico utiliza de subsídios da ADP 635 para realizar local de treinamento na Favela da Maré. Antigamente existiam os angolanos para fazer esse treinamento. Deixando a ideologia de lado, nós vemos a esquerda dizendo que eles são pobres coitados. Pobres coitados são os policiais e os cidadãos de bem", disse.

Modelo de gestão criado em 2018 pode ser seguido sem intervenção federal

O aumento da violência no Rio também é explicado pela falta de políticas públicas pensadas para o longo prazo, como o endurecimento de penas para determinados crimes e modernização do sistema penal. Na avaliação de Storani, a interferência do STF nas iniciativas do Congresso também devem ser consideradas.

“Faça uma pesquisa, por exemplo, de quantas ações de endurecimento da Lei de Execuções Penais e do Código Penal foram desqualificadas pelo STF. Além disso, precisamos de melhoria das condições das cadeias, retirar os benefícios concedidos pela Lei de Execução Penal, como progressão de regime e a famosa saidinha”, disse o antropólogo.

Já o o ex-ministro e ex-interventor federal, Walter Braga Netto, ao ser questionado sobre como seria possível melhorar a segurança no Rio, sugeriu que um caminho possível foi traçado em 2018 pela Intervenção Federal.

“A questão de segurança pública precisa ser acompanhada de perto. Não dá para opinar estando de longe e sem acesso aos dados atuais. O que posso destacar foram as iniciativas e ações que acarretaram o sucesso dos resultados da intervenção federal, em 2018", disse.

Segundo ele, a intervenção implantou um modelo de gestão que fortaleceu e integrou os órgãos policiais, valorizou os profissionais e viabilizou melhores condições de atuação para todas as instituições do setor de segurança pública. "As Forças Armadas e de segurança pública trabalharam integradas e possibilitaram que fosse conquistado um legado tangível e intangível”, disse

A intervenção de 2018 reverteu uma forte alta de violência como a que ocorre agora. O modelo de gestão de segurança criado em 2018 foi pensado para ter continuidade sem a necessidade de se decretar nova intervenção no Rio.

A presença de soldados nas ruas simultaneamente à intervenção aconteceu porque o presidente da República à época, Michel Temer, havia decretado também o emprego das Forças Armadas para operações de Garantia da Lei e da Ordem no Estado. A medida ficou em vigor no período de 28 de julho de 2017 até dezembro de 2018.

Ou seja, a presença dos militares no Rio em 2018 foi um fator complementar à ação principal de reformulação da política de segurança. O plano não foi adotado pelos governadores que foram eleitos posteriormente, mas ainda pode ser uma solução para os problemas atuais.

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