A Advocacia-Geral da União (AGU) não tem competência para investigar procuradores e juízes da Operação Lava Jato, segundo juristas ouvidos pela Gazeta do Povo. As considerações vieram depois que o órgão, provocado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, anunciou uma força-tarefa para apurar supostos desvios de agentes públicos durante as investigações do "petrolão". Para os especialistas, tanto a criação da força-tarefa da AGU quanto a decisão de Toffoli de anular as provas do acordo de leniência da Odebrecht são equivocadas e inconstitucionais.
Em decisão proferida em 6 de setembro, Toffoli determinou que a AGU e outros órgãos, como a Procuradoria-Geral da República (PGR), Ministério da Justiça e Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre outros, identificassem e informassem “eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram atos relacionados ao referido Acordo de Leniência”, adotando medidas necessárias para apurar responsabilidades nas esferas administrativa, civil e criminal.
No mesmo dia, Jorge Messias, advogado-geral da União, anunciou a força-tarefa para investigar agentes públicos por supostos desvios de conduta. Ao final da investigação, a AGU cobraria indenizações para ressarcimento ao governo federal.
Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, o órgão agiu de maneira precipitada ao criar a força-tarefa. “Embora a AGU tenha legitimidade para buscar ressarcimentos, a força-tarefa me parece precipitada. Tem que se entender melhor a decisão do Toffoli antes de qualquer força-tarefa ser criada”, disse. Ele pontuou ainda que a decisão do magistrado não é definitiva e que ainda há um recurso contra ela, apresentado pela Associação Nacional dos Procuradores (ANPR).
Marsiglia explicou que a AGU só poderia agir em casos de ressarcimento ao cofres públicos após comprovado eventual dano, e que a possibilidade de investigação aos agentes públicos envolvidos, exorbita a competência constitucional do órgão.
“A AGU não tem competência para investigar agentes públicos, nem tem competência para determinar que este ou aquele agente deva ser investigado. Isso não é função dela”, afirmou. “A AGU tem a legitimidade para proteger, defender e buscar ressarcimento em nome da União. Aliás, essa deveria ser a função dela, mas não tem sido ultimamente. Óbvio que ela poderia e pode criar uma força-tarefa para avaliar eventuais danos ocorridos à União [...] Há uma imensa precipitação, de cunho político, no sentido de não aguardar”, disse Marsiglia.
A advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em Direito Público pela FGV, também afirmou que a AGU não tem competência para investigar procuradores e juízes. “Nós temos uma determinação inconstitucional no âmbito daquela reclamação [decisão proferida por Dias Toffoli], que acaba gerando uma outra conduta igualmente inconstitucional. Já que a AGU não tem competência para criar uma força-tarefa para apurar desvios de agentes públicos [...]Ambas passam completamente ao largo do que prevê a Constituição e a Lei Complementar 73/1993, sobre a AGU”, enfatizou a jurista.
A AGU é regida pelo artigo 131 da Constituição Federal, onde consta a atribuição de prestar atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. Ela tem ainda como diretriz a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (Lei Complementar 73/1993, citada pela advogada).
Vera lembrou ainda que os juízes e procuradores do Ministério Público se submetem ao Poder Judiciário e que a Constituição não dá à AGU o poder de investigação.
“Há que se afirmar que um órgão do sistema de justiça, que tem como competência prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, não tem competência constitucional para investigar juízes e procuradores envolvidos na operação Lava Jato. Isso é competência do Poder Judiciário em conjunto, obviamente na fase da investigação, com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal”, explicou.
Ela observou ainda que nenhuma das funções descritas na Lei Complementar 73/1993 diz respeito à competência ora assumida pela instituição.
Agentes públicos não podem ser responsabilizados pela anulação de provas, diz jurista
A decisão de Dias Toffoli foi baseada, em parte, em uma informação errada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um documento enviado pelo Ministério da Justiça na última semana desmente informação prestada pela pasta no final de agosto, quando comunicou ao ministro Dias Toffolli não ter encontrado internamente qualquer dado sobre a existência de uma cooperação internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR) com a Suíça, entre 2016 e 2017, para recebimento das provas da Odebrecht usadas na Lava Jato.
Diante da comprovação do acordo firmado, os advogados ouvidos pela Gazeta do Povo entendem que a decisão de Toffoli pode ser invalidada. “Isso é um fato novo, capaz de fazer com que o tema seja novamente apreciado", pontuou o advogado André Marsiglia.
Marsiglia lembrou ainda que os agentes envolvidos não podem ser responsabilizados pela anulação das provas de um processo. “Não é porque há uma anulação das provas que a gente pode automaticamente concluir que os agentes públicos que atuaram com essas provas, tenham tido a intenção de prejudicar a União, ou qualquer coisa do gênero. A gente não pode, automaticamente, entender, pela anulação das provas de um processo, que os agentes públicos envolvidos nela, são culpados. É justamente nesse o ponto que AGU não pode e não deve avançar”, salientou o advogado.
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