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O Brasil encerrou sua participação na primeira semana da 26ª edição da Cúpula de Líderes sobre o Clima (COP-26) com anúncios de uma série de compromissos e ações de Estado para reafirmar a disposição em mudar a imagem internacional do país em relação ao meio ambiente e mostrar uma nação comprometida com uma economia verde e o desenvolvimento sustentável.
O governo brasileiro anunciou sua nova meta de Contribuição Nacional Determinada (NDC, em inglês) de redução de emissão de gases causadores do efeito estufa para 2030, aderiu ao compromisso global de redução das emissões de metano em 30% até o fim desta década e manifestou seu apoio à declaração internacional de líderes mundiais para preservar as florestas e reduzir o desmatamento e a degradação dos solos também até 2030.
Além dos compromissos globais firmados e apresentados durante a COP-26, o governo também anunciou no fórum internacional medidas e compromissos para acabar com o descarte irregular de lixo eletrônico na região e ampliar para 50% a matriz energética limpa até 2030. Também foi anunciado que o Brasil ampliou este ano em mais de 50% as ações de fiscalização ambiental na comparação com 2020.
O governo também assinou um acordo de cooperação técnica para fortalecer parcerias no combate aos crimes ambientais entre os Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Justiça, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (ICMBio).
O governo anunciou, ainda, que conclui até dezembro estudos que viabilizarão o modelo de concessão de parques nacionais à iniciativa privada. O MMA também informou que 163 mil quilômetros quadrados da Amazônia Legal foram recuperados em 2020 por vegetação que "reviveu" naturalmente, sem ação humana, o que é visto no governo como uma prova de que há carbono sendo "sequestrado".
Nesta primeira semana, o governo trabalhou com duas estruturas de participação do Brasil na COP-26, uma em Glasgow, na Escócia, e outra em Brasília, no edifício-sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A leitura feita no MMA é que tal divisão possibilitou uma integração maior do governo e outros setores da sociedade, além de ter contribuído com a redução de gastos públicos e de emissões inerentes a toda a logística. "Um trajeto de ida e volta a Glasgow equivale a cerca de três toneladas de CO2 emitidos", observa um interlocutor. Na estrutura de Brasília, compareceram cerca de 45 autoridades.
O que o governo fala sobre a meta de NDC apresentada na COP-26
A nova meta de NDC do Brasil foi um dos assuntos que mais atraiu a atenção do mundo sobre os compromissos feitos durante a COP-26. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou o aumento de 43% para 50% — em relação às emissões de poluentes de 2005 — de redução das emissões de carbono até 2030, mas sofreu críticas por não ter explicado a base de cálculo utilizada para atingir a meta.
O governo, entretanto, permanece seguro e confiante de que o Brasil atingirá a meta. Interlocutores do governo até minimizam as críticas por entender que elas vêm de alguns setores da imprensa, de organizações não-governamentais (ONGs) e de alguns especialistas, e não de outras nações ou mesmo da cúpula da COP-26.
"Ouça a União Europeia, os Estados Unidos, a Inglaterra, que sabem qual é a regra", diz um interlocutor do MMA à Gazeta do Povo, em referência à base de cálculo da 4ª Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, em inglês).
A nota meta anunciada segue uma base de cálculo feita pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que foi documentada e apresentada em outubro de 2020. Um interlocutor do MMA sustenta que o governo manteve a fórmula apresentada dentro das regras da UNFCCC e "elevou a ambição". "O ministro [Joaquim Leite] não mudou a regra, apenas seguiu a fórmula. O governo foi mais ambicioso, mas a base não mudou, é a mesma, já estava criada", sustenta um interlocutor do MMA.
Um segundo interlocutor do governo confia que o Brasil irá atingir a meta por todas as políticas nacionais articuladas e apresentadas na COP-26 e destaca que o presidente da COP-26, Alok Sharma, reconheceu os esforços do governo. Pelo Twitter, ele parabenizou as novas metas. "Muito bom ver o Brasil confirmar emissão zero para 2050 para a UNFCCC, um aumento de sua NDC em 50% e um reforço nas metas para lidar com desmatamento. Isso é um progresso real e vai ajudar a impulsionar as metas em direção a 1,5ºC ", disse a autoridade.
Já o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu na quinta-feira (4) a jornalistas que o governo não deve satisfações sobre detalhamentos e atingirá suas metas. "Eu acho que o Brasil não tem que chegar lá e apresentar o 'como fazer'. O 'como fazer' é questão interna nossa", afirmou. "O Brasil se comprometeu, junto com os demais países, a aumentar a redução das suas emissões. Aquilo que estava previsto em 45% para 2030 passou a ser 50%", complementou.
O que dizem especialistas sobre a nova meta de redução de carbono
A atribuição da nova meta à base de cálculo da 4ª Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC não convence a analista política Débora Jacintho, consultora de sustentabilidade da BMJ Consultores Associados. Segundo ela, apenas corrige um erro de cálculo anterior e devolve a NDC a patamares de 2015.
A base de cálculos da NDC apresentada em 2015 previa que o Brasil chegaria em 2030 emitindo 1,2 gigatonelada de CO2 equivalente a uma redução de 43% de emissões de carbono. Em 2020, pela base apresentada pelo governo através da 4ª Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC, a meta manteria uma redução de 43%, mas a uma emissão de 1,6 gigatonelada de CO2 equivalente.
Ao subir a meta de 43% para 50% mantendo a atual base de cálculo, a analista da BMJ afirma que o governo apenas retomou a meta de emissão de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 equivalente prevista há seis anos. "O governo basicamente corrigiu o erro de cálculo anterior e voltou à meta de 2015. Por isso a crítica de que o Brasil não mostrou nenhuma ambição", explica Débora.
O Instituto Talanoa, think tank brasileira que trabalha com análises técnicas e econômicas e membro da iniciativa Clima e Desenvolvimento, reforça a leitura de que a meta de 50% não é ambiciosa e diz que o Brasil fica no "zero a zero" com a meta apresentada. "A nova NDC somente tem o potencial de retornar a um valor quase — mas não totalmente — equivalente à meta original", afirma.
Segundo o instituto, para corresponder com "exatidão" a meta de 2015, seria necessário adotar um percentual de redução de emissões de carbono entre 51% e 54% até 2030. A presidente da think tank, Natalie Unterstell, avalia que uma meta ambiciosa pela mesma base de cálculo da 4ª Comunicação Comunicação demandaria reduções de 63% e 80% em relação a 2005.
"Estamos falando de uma meta climática que tem ganhos para a economia, isto é, que além de descarbonização, gera empregos, aumenta o PIB [Produto Interno Bruto] e a renda, e pode apoiar a redução de desigualdades", diz Natalie em nota técnica do Instituto Talanoa.
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O balanço feito pelo Ministério do Meio Ambiente na primeira semana da COP-26 é positivo. "O Brasil está levando casos concretos da sustentabilidade brasileira para mostrar ao mundo um Brasil que a maior parte nem sabe que existe", destaca um técnico da pasta. Interlocutores sustentam, ainda, que a estrutura e programas de pagamentos por serviços ambientais montadas pela pasta, como o Floresta+, atraíram o interesse de investidores e deram mais credibilidade ao mercado de carbono de floresta nativa no Brasil.
A lógica de incentivar e remunerar quem produz e ajuda a preservar o meio ambiente com baixa emissão de carbono é uma das diretrizes da atual gestão do MMA sob o comando do ministro Joaquim Leite, que embarca no domingo (7) para Glasgow, onde participará da segunda semana da COP-26, um período marcado por negociações entre países.
É com base nos programas desenvolvidos pelo MMA que o governo se diz confiante e preparado para assumir um protagonismo entre os países que apoiaram a declaração internacional para proteção de florestas e recuperação de solos, que prevê uma destinação equivalente a cerca de R$ 108 bilhões em financiamento público e privado para apoiar ações de preservação a solos e florestas.
O valor é, contudo, inferior ao proposto em 2015 pelo Acordo de Paris, que previa a destinação de US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para países em desenvolvimento que propuserem projetos de adaptação dos efeitos das mudanças climáticas.
Nesta sexta-feira (5), o enviado especial dos Estados Unidos para a mudança climática, John Kerry, afirmou que o objetivo dos países desenvolvidos de mobilizar anualmente US$ 100 bilhões será alcançado já em 2022, dois anos após o previsto no Acordo de Paris.
O governo brasileiro foi à COP-26 disposto a negociar um montante de US$ 1 trilhão em financiamento a países subdesenvolvidos. O entendimento é que, para atingir as metas globais de redução de gases de efeito estufa, é necessário um volume mais robusto de recursos. O enviado da Organização das Nações Unidas (ONU) para finanças e clima, Mark Carney, endossou essa defesa em discurso na cúpula.
Já sobre a meta de contribuir com a redução de emissões de metano até 2030, interlocutores do governo negam que a adesão tenha ocorrido por uma suposta pressão exercida pelo governo dos Estados Unidos, como foi aventado na COP-26.
"Isso não procede, o ministro [Joaquim Leite] conversou com os EUA para puxar outros países para dentro dos acordos e estabelecer metas ambiciosas. Foi uma decisão soberana do Brasil decidida pelos ministros, apresentada ao presidente [Jair Bolsonaro], e com consultas à sociedade e outros países", sustenta um técnico do MMA. "OS EUA sequer estão com moral para exercer pressão sobre o Brasil nesse assunto. Sequer aderiram ao acordo [que busca eliminar] do uso de carvão [até 2030]", diz um assessor do Palácio do Planalto.