O secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Sul, Ruy Irigaray, voltou temporariamente à Assembleia Legislativa gaúcha no último dia 6 de agosto para apresentar nove projetos de lei; entre eles, um que proíbe "qualquer comemoração, homenagem a personalidades ou datas alusivas ao comunismo, e suas atrocidades”. Filiado ao PSL de Jair Bolsonaro, Irigaray foi o segundo candidato a deputado estadual mais votado na eleição do ano passado.
Em reação à proposta, o diretório estadual do PCdoB divulgou nota chamando a iniciativa de "lamentável desserviço à democracia" e "postura que lembra muito o fascismo".
Eduardo Bolsonaro equipara comunismo ao nazismo
A iniciativa de Irigaray não é um ato isolado. A defesa do comunismo tem sido proibida em outros países. A Ucrânia, em 2015, vetou a atuação de partidos comunistas no país. Já a Polônia determinou, em 2016, que símbolos e nomes ligados ao comunismo não podem estar em espaços públicos, como nomes de ruas. Aqui no Brasil, uma proposta do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, busca equiparar o comunismo ao nazismo.
Brasil já proibiu apologia ao comunismo várias vezes
A apologia ao comunismo foi proibida no Brasil em diferentes ocasiões. Partidos comunistas foram colocados na ilegalidade durante a ditadura de Getúlio Vargas, na gestão de Eurico Gaspar Dutra e também no regime militar que perdurou entre 1964 e 1985. As siglas passaram a operar sem restrições apenas após a redemocratização do Brasil. Atualmente, há dois partidos nacionais que levam o comunismo no nome: o PCdoB e o PCB. Outros, como PSOL, PCO e PSTU, embora não tenham o termo "comunista" em sua denominação, se identificam com ideais marxistas.
Ascensão da direita poderia levar à criminalização do comunismo?
O projeto de Eduardo Bolsonaro foi protocolado na Câmara dos Deputados em 2016. A proposta altera a lei dos crimes raciais para incluir na norma dispositivos de condenação ao comunismo, como a possível reclusão de quem divulgar o símbolo foice e martelo, e também modifica a lei antiterrorismo para punir o que chama de “fomento ao embate de classes sociais”. Na ocasião, o parlamentar disse que "o comunismo é tão nefasto quanto o nazismo”. A divulgação de símbolos nazistas é proibida no Brasil.
A proposição de Eduardo ainda aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara – ou seja, não evoluiu desde sua apresentação. A CCJ é presidida por um aliado de Eduardo, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR). A Gazeta do Povo procurou Francischini , por meio de sua assessoria, para verificar se a proposta poderia tramitar na CCJ ainda em 2019, mas não obteve retorno.
Membro suplente da CCJ, o deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) avalia ser pouco provável a aprovação de um projeto com o teor proposto por Eduardo Bolsonaro, mesmo que o Brasil tenha registrado um expressivo crescimento da direita desde as últimas eleições. "O apoio a uma proposta como essa cresceu muito dentro da Câmara, mas não o suficiente para que ela seja aprovada", disse.
O senador Márcio Bittar (MDB-AC) também identifica uma grande alteração no ambiente atual do Congresso Nacional em comparação com o das legislaturas anteriores. O parlamentar disse não conhecer a fundo a proposta de Eduardo Bolsonaro, mas disse ser favorável a propostas que equiparariam nazismo e comunismo.
"São dois modelos que, para chegar ao poder e estando no poder, agiram exatamente da mesma forma. Com coletivismo, partido único, economia dominada pelo Estado e outros elementos totalitários", declarou. Bittar relata ter sido comunista durante a juventude, mas alterou sua ideologia por, segundo ele, ter percebido que o comunismo não tem viés democrático.
"Estado de Direito sob ataque"
A presidente nacional do PCdoB, Luciana Santos, afirmou à Gazeta do Povo que a tramitação de projetos que criminalizam o comunismo "é o primeiro sintoma de um Estado que pouco a pouco vai impondo o pensamento único" e de uma sociedade em que "a democracia já não é mais um valor estrutural".
"Hoje querem criminalizar uma forma de pensar a economia e a política, como é o comunismo, depois o que será? Nos dizer o que vestir, onde ir, que credo professar ou como nos comportar?", disse Santos, que é também vice-governadora de Pernambuco.
Ela declarou ainda que, na sua avaliação, o Estado de Direito está sob ataque no Brasil, e que "a principal luta da atualidade é a defesa da democracia". O PCdoB faz oposição ao governo Bolsonaro e seus dirigentes acreditam que a democracia está abalada no Brasil desde 2016, com o processo de impeachment de Dilma Rousseff, chamado por eles e outras lideranças de esquerda de "golpe".
Já a equiparação entre nazismo e comunismo é, para Santos, "uma falsa polêmica, que só surge porque vivemos tempos de ataques ao conhecimento e negação da história." "É uma característica, principalmente, de governos autoritários que precisam do obscurantismo para se afirmar e estabelecer", ressaltou.
Faz sentido comparar nazismo e comunismo?
Nazismo e comunismo foram duas das experiências políticas mais relevantes no mundo durante o Século XX. O nazismo, liderado por Adolf Hitler e implantado majoritariamente na Alemanha, é quase universalmente tido como a mais vil ideologia já implantada.
Já o comunismo é relacionado com ditaduras como as vividas no leste europeu e as atuais em países como Cuba e Coreia do Norte, e também com massacres históricos, mas os defensores do modelo alegam que as experiências alegadamente comunistas não seguiram o descrito pela linha ideológica, sendo deturpadas pelos seus líderes.
O professor de história Eduardo Baez, que atua em escolas de São Paulo e mantém canais sobre o tema nas redes sociais, avalia ser improcedente a comparação entre nazismo e comunismo. "São dois sistemas distintos. O comunismo histórico não é uma máquina fundamentada na ideia do extermínio, como foi o nazismo. No comunismo, a fundamentação é para se eliminar a luta de classes. Já no nazismo, é para estabelecer uma raça pura", declarou.
Por outro lado, Baez avalia ser "compreensível" a repressão ao comunismo a países que passaram pelo regime, como Polônia e Ucrânia. Segundo o professor, é natural a tendência, em diferentes sociedades, de negação a modelos que foram considerados responsáveis por problemas no passado. Baez traça um paralelo com a rejeição ao militarismo que era muito forte no Brasil nos primeiros anos após a redemocratização de 1985.