A verba bilionária que o governo federal pretende arrecadar com concessões de estradas, ferrovias, aeroportos e hidrovias para a iniciativa privada despertou a cobiça do Congresso. Uma articulação de parlamentares quer dividir ao meio esse dinheiro com os estados e municípios.
Uma emenda autorizando a partilha dos recursos em 50% para a União e 50% para estados e municípios quase chegou a ser incluída no texto final da Medida Provisória 882/2019, aprovado na quinta-feira (8) na comissão mista (entre deputados e senadores) que analisou a MP. Por pressão do governo, a divisão da verba saiu da MP, que amplia a participação do BNDES nas concessões e privatizações. Mas os defensores de estados e municípios ainda não desistiram, e vão tentar conseguir seu objetivo.
De autoria do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), a emenda havia sido inicialmente acatada pelo relator da MP na comissão, o senador Wellington Fagundes (PL-MT). "Sou municipalista e entendo que o Parlamento precisa aprofundar esse debate. O governo alega que a repartição poderia gerar insegurança nos investidores internacionais. Na minha longa trajetória política, assimilei que relatório bom é aquele que podemos aprovar. Então estou dando este voto de confiança ao governo, embora eu seja a favor da repartição dos recursos", disse Fagundes à Agência Câmara.
Apesar de ter cedido aos argumentos do Planalto, o senador reconhece que o assunto vai acabar sendo discutido em outro momento.
Deputado quer incluir partilha na votação em plenário
O deputado Hugo Leal quer que seja já na votação da MP no plenário da Câmara. Ele pretende reapresentar sua emenda como um destaque. E aposta que vai conseguir apoio necessário para aprová-la. A estratégia será confrontar sua proposta com as promessas do presidente Jair Bolsonaro.
“A emenda tem um grande apelo. Ela tem o apelo do discurso do próprio presidente e do ministro [da Economia] Paulo Guedes”, diz o deputado citando o slogan “menos Brasília, mais Brasil”. Em abril, durante a 22.ª Marcha dos Prefeitos, em Brasília, tanto Bolsonaro quanto Guedes falaram sobre o tema. O ministro chegou a dizer que o correto seria repassar de 65% a 70% do orçamento para estados e municípios e que a União sobreviveria com os 30% restantes. Hoje, 65% da arrecadação do país fica com a União.
Hugo Leal diz que conversou com deputados de cinco a seis estados e com o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC-RJ) sobre o tema e que foi bem recebido. Ele acredita que deve conseguir apoio. “Não cria nenhum embaraço para a União, pelo contrário". Caso a proposta não seja incluída na MP, Leal vai tentar incluí-la no Projeto de Lei 3453/2008, que trata de Parcerias Público-Privadas (PPPs).
Se a proposta do deputado vingar, estados e municípios poderiam receber repasses bilionários. No primeiro semestre, por exemplo, o governo leiloou 12 aeroportos, dez terminais portuários e um trecho da ferrovia Norte-Sul. A arrecadação foi de R$ 5,8 bilhões. As empresas que ganharam as concessões se comprometeram a investir R$ 6,82 bilhões ao longo do tempo do contrato – 30 anos, em média.
O governo não tem estimativa de quanto pode arrecadar com as demais concessões que pretende fazer. Mas espera atrair investimentos de até R$ 208 bilhões – o que dá a dimensão de quanto dinheiro pode estar envolvido.
O que há na MP 882/2019
A MP 882/2019 pretende ampliar a participação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no processo de desestatização e traz mudanças no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
No relatório, o senador Wellington Fagundes dobrou o limite de aportes da União em fundos de projetos de concessão e parceria público-privadas. Os valores devem passar de R$ 180 milhões para R$ 360 milhões.
A medida cria também uma nova forma de licitação, a colação, que será feita por meio de “consulta a três ou mais profissionais, empresas ou entidades de elevada especialização técnica, que atendam a requisitos de habilitação em função de suas qualidades e atuação anterior em porte e complexidade equivalente ou superior ao objeto a ser contratado”.
O objetivo desse novo formato é apresentar alternativas para atender às necessidades públicas para seleção de “estruturadores de projetos”. O BNDES poderá ser contratado por órgãos públicos para dar auxílio técnico e estrutural para a realização de privatizações e concessões.
O PPI, que tem por finalidade ampliar a interação entre Estado e iniciativa privada com contratos de parcerias e medidas de desestatização, passará por algumas mudanças. Todos os projetos que façam parte do programa deverão ser considerados estratégicos e terão prioridade nas esferas governamentais.
O Conselho do PPI poderá trabalhar mais na área de integração dos transportes e a Secretaria Especial do programa poderá estimular acordos com órgãos públicos.