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Concursos públicos estão travados no governo federal: aposta no estrangulamento do serviço público como forma de pressão
Concursos públicos estão travados no governo federal: aposta no estrangulamento do serviço público como forma de pressão| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

A realização de novos concursos públicos federais virou instrumento de pressão do governo para conseguir aprovar, no Congresso, a chamada reforma administrativa, que promete mexer com as carreiras do funcionalismo. À espera da definição, pelo presidente Jair Bolsonaro, do melhor momento político para enviar a reforma, a equipe econômica decidiu segurar os processos seletivos até a nova proposta receber o aval dos parlamentares.

Essa estratégia também é arriscada. Projeção do próprio Ministério da Economia aponta que nos próximos três anos, quase 60 mil servidores devem se aposentar. A não reposição de trabalhadores acaba prejudicando a prestação de serviços – a falta de funcionários é apontada como uma das razões para a crise no INSS, que precisou de intervenção por causa do represamento nos pedidos de aposentadoria. Outros órgãos, como a Receita Federal e o IBGE, devem ser afetados em breve pela falta de trabalhadores na ativa.

Aposta no "estrangulamento" natural do serviço público

A aposta do governo é de que o "estrangulamento" natural dos serviços públicos, decorrente de um grande número previsto de pedidos de aposentadoria neste e nos próximos anos, acabe fazendo com que as próprias categorias aceitem a reforma, para que voltem a contar com novas vagas nos órgãos federais. Outro fator que pesa nessa balança é o consequente aumento da carga de trabalho.

De acordo com o Ministério da Economia, são 22 mil aposentadorias previstas no funcionalismo federal em 2020. Outras 16,7 mil são estimadas para 2021 e mais 20,8 mil em 2022, totalizando quase 60 mil servidores em três anos.

Pelos cálculos da pasta, 21% dos servidores vão se aposentar até 2024. Outros 42% deixam o posto até 2030 e 61%, até 2039. Os novos servidores que irão entrar para o serviço público depois da aprovação da reforma já estariam sob o guarda-chuva de um novo regime.

Sem concursos, serviço público já foi afetado. Mas há paliativos

A estratégia de retenção de concurso público é uma aposta de risco e já deu errado no INSS. A crise deflagrada pelas longas filas para a obtenção de benefícios previdenciários derrubou a cúpula do órgão e forçou a equipe econômica a improvisar soluções, como a tentativa de convocação de militares da reserva para a realização do serviço. O governo prepara uma medida provisória para a contratação temporária de servidores já aposentados não só para o INSS, mas também para outros órgãos.

O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) alerta que o apagão no INSS pode se repetir em outras áreas. Pelas contas da instituição, só na Receita Federal faltariam 21.714 servidores para se alcançar o quadro ideal. Os déficits de servidores em relação ao nível considerado adequado pelo fórum também já seriam altos no IBGE (65%), na Controladoria-Geral da União (61,5%) e no Banco do Brasil (43 9%).

"É a população que vai pressionar o governo a voltar a fazer concursos, com ou sem reforma. Basta a população sentir que os hospitais não têm atendimento, que não há matrículas em universidades, que outros órgãos estão com filas como a do INSS", rebate o presidente do Fonacate, Rudinei Marques.

Enquanto não se decide sobre a reforma, o governo tem buscado a digitalização dos serviços, em vez de contratação de pessoal. Em evento na última quarta-feira, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, lembrou que a realização de novos concursos públicos representa a criação de vínculos de 70 a 80 anos para a União, considerando o período na ativa do servidor, o período como aposentado e ainda o tempo dos pensionistas. "É preciso ver se o concurso realmente é necessário. Caso contrário é preciso investir na digitalização de processos e na contratação de temporários para solucionar questões pontuais", afirmou.

O timing do envio da reforma administrativa

Após promessas e recuos, Bolsonaro garantiu que enviará a reforma ao Congresso Nacional nas próximas semanas. Documento do governo que serviu de referência para elaboração da proposta, mostra que a porta aberta para as mudanças se baseia em dois fatores: o alto volume de aposentadorias nos próximos anos e a transformação digital dos serviços públicos.

A equipe econômica considera que tem uma "janela de oportunidade" para fazer as mudanças do chamado "RH do governo", uma das mais complexas reformas e tema de difícil aprovação no Congresso, devido à força e organização do funcionalismo dentro do Parlamento. Em conversas com lideranças sindicais, integrantes da área econômica têm reforçado esse ponto e alertado que a proposta não altera as regras para os servidores atuais, tampouco a remuneração.

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, destacou que o importante da reforma administrativa é que ela seja aprovada antes de se começar a fazer concurso público novamente. "Uma vez que se começa concurso público, e a pessoa entra numa determinada regra, aquilo está praticamente definido pelos próximos 30 anos. Enquanto não aprovar a reforma, não vamos ter espaço para fazer novos concursos", afirmou.

Não há, até o momento, uma autorização para a realização de nenhum concurso público na esfera federal em 2020 para servidores civis. O orçamento deste ano só contempla o aumento no contingente das Forças Armadas.

Mudanças serão implementadas apenas para novos concursos

Um dos apelos mais fortes do governo é o argumento de que a reforma administrativa só irá afetar os futuros servidores. Pela proposta, os concursos deixam de ser a porta de entrada definitiva para o serviço público. Quem passar em concurso só será efetivado como servidor público depois de um período trabalhado. Nessa fase, o funcionário será avaliado conforme sua aptidão para o cargo. O prazo de avaliação ainda está sendo definido e deverá ser de dois a três anos. Nada muda na prova técnica do concurso.

Hoje, quem passa em concurso e se torna servidor efetivo faz, antes, um estágio probatório, no qual apenas 0,2% são desligados. Os demais 99,8% dos servidores que fazem o atual estágio probatório permanecem nos cargos. Para a área econômica, esse ponto é central na reforma administrativa e constará na PEC. O diagnóstico é que há servidores que passam na prova técnica, mas não estão aptos para o cargo.

Conteúdo editado por:Fernanda Trisotto
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