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Depois que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, naturalmente a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a extensão do habeas corpus em outras duas ações: a do sítio de Atibaia e a da sede do Instituto Lula. Enquanto isso, outros condenados da Lava Jato acompanham com atenção o desfecho dos recursos do petista no Supremo.
Nesta quinta-feira (21), o plenário do STF decide se mantém ou não a decisão que declarou Moro parcial no julgamento do tríplex. Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas, explica que o julgamento desta quinta é diferente do que confirmou a incompetência da Vara Federal de Curitiba para julgar os processos contra Lula. “Na semana passada o Supremo confirmou a declaração de incompetência [da Vara de Curitiba], que é uma questão processual e que termina por remeter todo o processo a um novo juízo, onde ele pode ser confirmado, ao menos parcialmente”, explica
“Agora o STF vai julgar a declaração de suspeição [de Moro], que é diferente, porque considera que o ex-juiz agiu de forma parcial, e por isso o processo todo é anulado”, diz. “O que o STF vai definir é se a declaração de suspeição perde ou não o objeto, uma vez que a declaração de incompetência [da Vara de Curitiba] já foi julgada procedente.”
Esse julgamento, assim como o da semana passada, é acompanhado com atenção por outros condenados da Operação Lava Jato. Eles pretendem usar as decisões recentes do STF no caso Lula a seu favor, especialmente caso a suspeição de Moro seja confirmada pelo plenário.
Alguns condenados no escopo da Lava Jato já se movimentam antes mesmo do desfecho dos recursos do petista no Supremo. É o caso do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que entrou no STF com um pedido de suspeição de Sergio Moro com base nas mensagens obtidas por hackers presos na Operação Spoofing que envolveriam o ex-juiz e procuradores da Lava Jato. Segundo a defesa de Cunha, os diálogos apontam um "conluio" entre as partes para condenar réus como o ex-deputado.
Preso e condenado por Moro por corrupção passiva em irregularidades envolvendo a Petrobras, Cunha pretende que todos os atos praticados pelo ex-juiz no seu processos sejam anulados. A defesa do ex-deputado, que foi presidente da Câmara até ser afastado do cargo pelo STF, alega que "nunca houve um juiz imparcial" no seu caso.
"Como se observa, o juiz Sergio Moro foi responsável pela condução da investigação, recebeu a denúncia em desfavor do paciente, decretou a sua prisão preventiva (vigente até hoje), presidiu todos os atos da instrução processual e prolatou a sentença condenatória contra Eduardo Cunha", diz o documento protocolado na Corte. Há 13 meses, Cunha cumpre prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica por causa da pandemia do novo coronavírus.
Recursos de condenados tendem a se multiplicar após o caso Lula, diz especialista
Outro réu que busca se beneficiar das decisões recentes é o economista Dario Teixeira Alves Júnior, que acionou o Supremo em 19 de março. Ele foi condenado em primeira instância a nove anos e dez meses de prisão por lavagem de dinheiro e organização criminosa. Em dezembro, havia ajuizado um habeas corpus.
Agora, ele solicitou que sejam considerados, no julgamento do pedido, os diálogos obtidos por hackers presos na Operação Spoofing, e que ajudaram a justificar a declaração de suspeição de Moro no caso tríplex, mesmo que informalmente — as mensagens não fizeram parte dos argumentos apresentados pela defesa do petista no habeas corpus.
No pedido, a defesa de Alves Júnior cita a “superveniência de fato novo que reforçou o constrangimento ilegal imposto ao paciente, notadamente a quebra de parcialidade do então magistrado”. E argumenta: “Em vista dos diálogos recentemente descortinados, comprovado restou que o momento processual e a forma como tal prova – que foi utilizada para fundamentar a condenação do paciente – foi trasladada aos autos, demonstra, cabalmente, a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, a justificar, por conseguinte, o presente aditamento”.
Os advogados do economista alegam ainda que a mesma decisão envolvendo o caso do tríplex de Lula pode se aplicar ao caso em questão. “Os diálogos publicizados, contudo, não dizem respeito somente aos casos envolvendo o ex-presidente Lula. (...) À medida em que os diálogos foram divulgados, verificou-se que a parcialidade do então juiz Sergio Moro se estendia a diversos processos da operação por ele – ilegalmente – capitaneada”. A defesa não foi localizada para comentar.
Na análise de Vera Chemin, o pedido do economista não se sustenta. “Os diálogos citados pelos advogados não citam o acusado. A defesa está tentando pegar carona nas decisões a respeito das condenações de Lula”. Essa prática tende a se multiplicar, diz ela.
Diferenciação crucial vai determinar avalanche de contestações no STF
Para o advogado Rafael de Lazari, doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cabe ao STF definir se a suspeição se dá em relação à abordagem de Moro com Lula, ou na forma com o ex-juiz lidou com as provas.
“Se o tribunal decidir que Moro agiu de forma suspeita especificamente em relação ao ex-presidente, como parece argumentar o ministro Gilmar Mendes, fica mais difícil outros acusados pela Lava Jato utilizarem o mesmo argumento”.
Mas, prossegue, caso a suspeição de Moro seja confirmada e aplicada na postura do juiz diante de provas, é de se esperar por uma avalanche de contestações de outros condenados. “É essa a linha de raciocínio que a defesa do economista segue”, afirma o advogado. “Até o momento, diz ele, essa diferenciação ainda não está clara”.
Para Vera Chemin, as decisões do STF criam um ambiente de insegurança jurídica que beneficia condenados da Lava Jato. “Vai chover pedido de habeas corpus com base na decisão a respeito da declaração de incompetência de Moro, já decidida na semana passada, e na decisão a respeito da declaração de suspeição, caso seja confirmada”, afirma. “Muitos vão desembocar lá no Supremo. E eles serão analisados caso a caso, o que leva ao risco de prescrição, que desemboca em impunidade”.