O presidente Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino, em lançamento do novo decreto de armas| Foto: Ricardo Stuckert/PR
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O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que instituiu o Programa de Ação na Segurança (11.615/23) trouxe insegurança jurídica para a aquisição de armas por civis, entre eles os caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Especialistas ouvidos pela reportagem apontam irregularidades - jurídicas e conceituais - na normativa assinada por Lula em 21 de julho.

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Dentre elas, destaca-se o repasse de competência do Exército à Polícia Federal (PF) na fiscalização dos CACs. A transição será feita por acordo de cooperação, o que não está previsto na Lei de Armas (10.826/2003). Segundo a norma, é de responsabilidade do Exército fazer a fiscalização. Para que a transferência pudesse ser feita, de acordo com especialistas, o governo deveria enviar uma nova lei para análise e aprovação do Congresso Nacional.

Dificuldades práticas impostas pela normativa editada pelo governo Lula também podem inviabilizar a pratica de tiro, como a limitação da abertura de clubes de tiro e a reformulação dos níveis para atiradores profissionais.

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Para entender melhor o assunto, a reportagem conversou com o advogado André Pirajá, presidente do movimento Produtores Rurais Pela Liberdade, e com o escritor, analista de segurança pública e especialista em armas e munições Benedito Barbosa, o Bene Barbosa, para entender as irregularidades, ilegalidades e dificuldades impostas pelo novo decreto.

Confira abaixo cinco problemas do novo decreto destacados pelos especialistas:

Criação da atividade de Caçador Excepcional

De acordo com o advogado, o decreto de Lula criou uma categoria que não existe na Lei 10.826/2003 - Lei de Controle de Armas, ou nas legislações anteriores: o Caçador Excepcional. Segundo o texto assinado pelo presidente da República, a atividade de caça deixa de ser permanente e passar a ser temporária.

A norma determina que o caçador apresente o documento que comprove necessidade de abate de fauna invasora, que é expedido pelo Ibama, mas exige que haja a apresentação de prazo para a atividade de abate. Quando o prazo expirar, se o caçador não tiver outra atividade previamente marcada, terá que devolver seu armamento e seu Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) será cassado.

Pirajá aponta que a medida prejudica a caça ao javali, que, por não possuir predador natural, se reproduz de modo incontrolável e prejudica o meio ambiente em que vive.

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"No texto, ele trata da necessidade de abate da fauna exótica. Existe uma portaria do Ibama (Instrução Normativa 03/2013) dizendo que o javali é um perigo para a fauna, flora, para o meio ambiente. É um perigo de caráter sanitário e financeiro para o Brasil. Isso já está declarado. Não precisa de um documento de necessidade de abate. Essa necessidade ela já existe", diz o advogado.

E acrescenta: "Desde 1967 existe a atividade de caça no Brasil prevista em lei. Ela é uma atividade permanente não só de governo, mas de Estado. A Constituição Federal prevê: é dever de todos a preservação do meio ambiente".

Migração da fiscalização dos CACs

O decreto de Lula estabeleceu que o Exército irá repassar a competência da fiscalização dos CACs para a Polícia Federal por meio de um acordo de cooperação. De acordo com a Lei 10.826/2003, cabe ao Exército fazer a fiscalização desse grupo. O controle é feito a partir do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma).

Com a nova legislação, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) fará a fiscalização. O prazo de transição entre os dois sistemas, segundo o governo, será de 180 dias.

Para Pirajá, o decreto do governo passa por cima da lei de 2003, tornando o texto assinado por Lula inconstitucional. “Tal ponto é de tamanha ilegalidade que ele deturpa a própria legislação a que está submetida, no caso a Lei de Controle de Armas ”, criticou o advogado.

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Restrição de calibres para tiro esportivo

Ao tornar restrito os calibres utilizados em categorias internacionais de tiro desportivo, como 9mm, .40 e .45, o governo pode estar desestimulando a prática do esporte no país. André Pirajá destaca que o texto vai contra a democratização da modalidade e restringe o acesso ao esporte.

“A Lei 9.615/1998, que institui as normas gerais do desporto, na qual o Tiro Desportivo é caracterizado, prevê em seu artigo 2º, inciso III, a democratização do acesso às atividades desportivas. O decreto - ao limitar a aquisição de armas e o acesso aos supostos calibres restritos por meio do artigo 36, com a criação de níveis - cria uma celeuma intransponível, permitindo que somente pessoas com maiores condições financeiras tenham acesso a determinado equipamento. Não somente inviabiliza aos níveis I e II participarem no início da sua jornada esportiva - que deveria ser incentivado pelo Poder Público nos termos da Lei 9.615/1998 - de competições com similitude internacional como por exemplo IPSC (Tiro Prático)”, explica Pirajá.

Restrição aos clubes de tiro

O decreto determina que clubes de tiro que estejam a menos de um quilômetro de escolas devem ser fechados. Além disso, o texto estipulou que os locais voltados para a prática de tiro não podem mais funcionar por 24h, tendo seu horário limitado das 6h às 22h.

Para Bene Barbosa, o objetivo do governo é restringir ainda mais o acesso aos clubes no ambiente urbano, inviabilizando a sobrevivência deles.

“O objeto é inviabilizar escolas e clubes de tiro em ambiente urbano, uma vez que poucas áreas terão um quilômetro de área distantes de escola. Mais absurdo ainda não é criar essa regra, mas dar apenas 18 meses para que os clubes se adequem. Ou seja, terão que mudar", critica o especialista.

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Insegurança jurídica para empresas de segurança e vigilantes

Bene Barbosa também destaca que a inclusão de novas armas como calibre restrito dá insegurança jurídica para vigilantes patrimoniais e empresas de segurança. A categoria utiliza amplamente o calibre 38 para realizar suas atividades. Com o decreto, esse revólver foi incluído na lista dos calibres restritos.

De acordo com texto assinado por Lula, a comercialização de armas de uso restrito é proibida - exceto para as forças de segurança. Com isso, o governo não deixou claro como será o tratamento as entidades privadas.

“As empresas de segurança vão ficar numa situação extremamente complicada, uma vez que elas passariam a usar o calibre 32 – como está na legislação. Outro problema é que grades fabricantes sequer fazem revólveres nesse calibre, o que geraria um custo gigante, e garante a impossibilidade comprar novas armas”, afirma.

Já a Polícia Federal (PF) emitiu um comunicado oficial na quinta-feira (27) em que afirmou que o decreto não irá afetar o trabalho dos vigilantes. Diz o texto da corporação:

"A Polícia Federal informa que o Decreto 11.615/2023, publicado em 21/07/2023, não altera a atuação de vigilantes. O novo decreto regulamenta a Lei nº 10.826/2003 (conhecida como Estatuto do Desarmamento). A atuação dos vigilantes segue as normas da Lei 7.102/1983, a qual segue em pleno vigor.

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Quanto ao armamento utilizado por vigilantes, continua valendo o trecho a seguir:

Art. 22 - Será permitido ao vigilante, quando em serviço, portar revólver calibre 32 ou 38 e utilizar cassetete de madeira ou de borracha.

Parágrafo único - Os vigilantes, quando empenhados em transporte de valores, poderão também utilizar espingarda de uso permitido, de calibre 12, 16 ou 20, de fabricação nacional".

Apesar da declaração, a PF não deixa claro se a Lei dos Vigilantes estará sobrepondo o decreto assinado por Lula. No artigo 19 do decreto, é estipulado que os vigilantes só poderão adquirir armas que sejam de calibre permitido. Ou seja, os calibres 38, 12, 16 e 20, classificados como restritos pelo decreto, não poderão ser utilizados pela categoria.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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